domingo, 7 de março de 2010

ONTEM EU VI O MAR E NÃO ERA AZUL


Enfim, folguei um sábado. Após quase quarenta dias aqui, eu vi o mar, não era azul nem cristalino como meu o Porto da Barra, mas era mar. Mesmo quando as águas são plúmbeas como as daqui, o mar exerce certa magia sobre as pessoas. Comigo não é diferente. Ontem, constatei que menos pela beleza que pela força, é o mar algo que faz parte mim. Foi a melhor sensação que tive nos últimos dias.

Tive uma difícil e desgastante semana que culminou com minha mudança de hotel. Descubro a cada dia que os indianos gostam mesmo é de dinheiro. Tudo aqui passa por negociação e eles querem mesmo é a prosperidade a qualquer custo. A religiosidade fica para os miseráveis, aos moldes da igreja católica: aquele que se resignar e se deixar explorar agora, ganham o reino da glória. A sensação que tenho no convívio com as pessoas é que dinheiro não é tudo, mas só para aqueles que não o possuem ou não tem como consegui-lo. Não que no Brasil seja diferente, mas a imagem que está no nosso inconsciente ocidental é de que este aqui é um país onde prevalece a espiritualidade. O que há aqui, na verdade, é uma diversidade de deuses e cultos. Muita superstição. Nada mais que isso. Só o fato de acreditar que a situação financeira tem a ver com karma, já dá pra ter uma ideias de como este povo é.

Ontem conheci Colaba uma espécie de “zona sul” de Mumbai, de fato vê-se muita suntuosidade para aqueles lados, carros importados, prédio modernos misturados aos de arquitetura Vitoriana, aliás, diga-se de passagem, os prédios antigos são muito belos, principalmente os do hotel Taj Mahal Palace, que por sinal está reforma e o prédio da Estação Rainha Vitória. Vi uma igreja metodista com arquitetura igualmente bonita. Como tudo aqui o que estraga a beleza é a falta de conservação e sujeira. Fui ao Leopold Bar, point dos turistas ocidentais, aliás, é muito interessante como os orientais são minorias neste tipo de espaço, marcado pelo mau atendimento e pela higiene duvidosa. O lugar ainda tem traços da tragédia promovida pelos terroristas paquistaneses em 2008. Marcas de balas no teto, paredes, vidros parecem não incomodar a ninguém, a minha sensação foi de desconforto. Colaba talvez seja o local mais contrastante dentro de Mumbai, a miséria circunda esta ostentação, o lugar é cheio de pedintes, gente morando nas ruas e uma multidão de ambulantes.

A semana passada, visitei o hospital da Sahaja Yoga, conheci as instalações e fiz consulta. O hospital abriga pessoas de todos os lugares do mundo. O lugar é simples, “limpo” para os padrões indianos, confortável e caloroso. Tenho que aprofundar mais meus conhecimentos a respeito da doutrina, pois me pareceu muito interessante. Acredito em meditação e acho um bom caminho para aquietar minhas dores emocionais que parecem se amplificar com as coisas que vejo aqui. Estou começando a entender melhor a língua, quando você começa a interagir fica menos difícil, em compensação você fica mais íntimo da realidade local.

Dia Internacional da Mulher. Nestes dias, tomei contato com uma realidade que me chocou muito aqui na índia. Conversando com algumas pessoas aqui em Mumbai, tomei conhecimento que em alguns segmentos da sociedade, o pai ainda escolhe com quem a filha vai casar, mesmo que esta seja emancipada e independente financeiramente (na verdade, isso se aplica a todos, filhos e filhas).São os casamentos de arrajo. Olhem que estou num dos lugares mais ocidentalizados da Índia. Realidade pior vive as muçulmanas. Conta-se que muitos maridos quando querem se desfazer do casamento com estas, para não ter que devolver o dote, forjam o adultério, fazendo com que esta mulher seja submetida não só a constrangimentos como a violência física. Em algumas regiões, as adúlteras ainda são apedrejadas até a morte. Meu Deus, que povo é esse? Como posso abrir-me a novos olhares, novos pontos de vista num lugar onde ainda hoje as mulheres vivem sem expectativas ou quaisquer condições humanas? Só posso concluir que por isso é tão alto o índice de suicídio entre elas aqui neste lugar. A semana passada, eu li pelo menos dois casos nos jornais.

Neste momento, por mais que abra meu coração, deixando que a boa vontade e a afetuosidade brotem de minha alma não consigo compreender estas aberrações culturais que a gente assiste no atual estágio da humanidade.

O fato é que eu, mais que em qualquer tempo, sinto necessidade de manter a harmonia interna pra seguir estável e focado nos meus objetivos profissionais.

Vou precisar ir ver o mar algumas vezes...