domingo, 19 de setembro de 2010

NÃO HÁ OUTRO LUGAR POSSÍVEL

"Não há outro lugar possível. Ninguém tem tanta paciência, respeito, reconhecimento e amor pra dar a ela como eu...”.


Desde ontem que estou sentindo um veemente desejo de escrever. As frases acima ficaram reverberando na minha mente todo o fim de semana. Elas vieram-me através de uma mensagem escrita por uma amiga, por quem nutro grande afeto e com quem gosto de me comunicar. O excerto faz parte da resposta a um e-mail que lhe escrevi externando minha preocupação com ela ao saber que sua avó não estava bem de saúde.

O teor do texto não me surpreende vindo de quem vem. Uma pessoa rara em integridade e de uma humanidade incomum. Sinceramente, não esperava posicionamento diferente. Mas me fez refletir sobre a forma como o mundo, particularmente, o ocidental, tem tratado seus idosos.

Eu tive avós maravilhosas, ambas já deixaram este plano. As memórias que tenho delas são as melhores possíveis. Suas partidas deixaram na minha vida uma lacuna e, à época, uma tristeza amplificada, principalmente por não ter, naquele momento, a clara compreensão da nossa finitude e da separação que vem com a morte. Eu queria muito tê-las curtido mais. Aproveitado suas presenças, seus saberes, suas histórias, seus mimos e mesmo seus caprichos e casmurrices. Mas esta é outra história...

O fato é que atitudes, como esta da minha amiga, estão rareando e tornando-se cada vez mais surpreendentes na nossa sociedade que vive cada dia mais, para o momento presente, único, instantâneo. Parece que envelhecer é um “privilégio” às avessas, exclusivo de poucos que tiveram o sortilégio de alcançar à tão almejada longevidade. Para mim, isto é um paradoxo. Como posso eu querer viver cem anos, se eu vejo ao meu redor a forma como as pessoas longevas são tratadas? Que ambiente eu estou construindo para quando eu lá chegar? Queiramos ou não, o envelhecimento físico é algo que ainda nos é inevitável. Nossa fragilização paulatina e, para alguns, nem tão paulatina assim, é algo que, em via de regra, vai se dar com todos, na proporção em que se nos avançarem os anos. Então, por que tanta inospitalidade com nossos “velhinhos”? Por que tanta falta de respeito e paciência? Não é para lá para este “lugar” que estamos todos correndo? Eu queria muito entender.

Todos indistintamente temos uma curva de vida, como se fôssemos nós uma bola em pleno lançamento oblíquo, onde, e isto é verdade absoluta, iniciamos o ciclo numa total dependência dos mais velhos. São eles que nos impulsionam pra desenvolver a trajetória. Alimentamo-nos pelas mãos deles. Vestimo-nos. Calçamo-nos. Caminhamos pelo amparo, pela dedicação, pela paciência de outros. Vem deles a compreensão quando não sabemos ainda expressar o que desejamos. Quando não sabemos dizer onde dói. Quando ainda não estamos prontos para enfrentar as circunstâncias com as quais nos deparamos na vida em sociedade. Vêm deles os valores morais. E a maioria das coisas das quais necessitamos no começo da vida. Acho que é por isso que ficamos loucos para crescer e nos tornar independente. Seguimos como se o tempo estivesse sobre o nosso controle, mas à medida que avançamos, na mesma medida cronológica, os nossos mais velhos, aqueles que fundaram os nossos alicerces, vão caminhando também. Já chegaram onde tinham que chegar. Realizaram-se ou não. Passaram pelo ápice da curva e fazem um caminho de volta. Caminham de volta para a terra. Vão ficando mais esquecidos. Com mãos menos hábeis. Com dificuldades motoras. Sem equilíbrio. Voltando a ser criança...

Nós também, se a nossa curva não for interrompida “precocemente”, iremos chegar lá. Vamos necessitar da presença daqueles de quem cuidamos, às vezes só da presença. Quando não tivermos mais condição de nos locomovermos, necessitaremos de uma mão amiga para nos dar apoio ou mesmo guiar. Alguém que caminhe conosco para os últimos dias com “paciência, respeito, reconhecimento e amor pra dar...”.

8 comentários:

Dora Ferreira disse...

Meu querido!!! como me toca essa sua fala...tenho vivido com esse tema muito presente. Convivo com
alguns idosos por quem nutro muito afeto: meus pais e três tios. Mesmo estando atenta as suas necessidades e procurando estar próxima, ainda assim, as vezes me percebo tendo atitudes de exclusão, tão descabidas... Ali, naqueles corpos envelhecidos, moram crianças, adolescentes e adultos jovens que ainda pulsam, teem desejos, vibram com o belo, mas infelizmente os seus corpos já não respondem a altura.
Eles precisam sim do nosso carinho e apoio, precisam ser reconhecidos no seu valor, na sua sabedoria...
Se sentem felizes às vezes com pequenas coisas, com um olhar, com uma escuta, com uma prosa.
Quero chegar lá também. Peço a Deus.Mas me preparo desde já procurando reunir recursos que me nutrem mesmo na solitude, na falta de uma companhia com quem eu possa compartilhar.
Eu acredito que é possível envelhecer com dignidade e sem solidão. Cabe a cada um de nós se preparar para isso.
Indico a todos o filme Hanami - Cerejeiras em Flor.

Serjão disse...

Querido Hafif.
Você sabe o quanto eu entendo e vivenciei as benesses de ter uma avó dedicada e carinhosa. E dentro da abordagem do seu texto, que eu concordo plenamente, a velha Teté foi uma exceção, pois vivia com muitas pessoas ao redor que lhe davam atenção. Porém mesmo a hipotética feliz velhice de minha avó, na sua longevidade de quase 101 anos, teve que suportar como você mesmo citou o declínio do corpo e do metabolismo. Nesse ponto lembro um outro aspecto que talvez seja tão díficil quanto estes. Eu diria que pode ser até mais cruel.
O idoso em idade avançada vê, pouco a pouco seus contemporâneos partirem e com eles suas diversas referências históricas e culturais. Sendo obrigado a interagir com um outro quem tem uma velocidade maior, mais pressa e nem sempre está com boa vontade. Somente a sabedoria dos idosos pode os imuninizar desta doença, que eu chamaria de solidão cronológica.
"A solidão agora é sólida."

Um abraço

Anônimo disse...

É verdade...os nossos velhinhos são tratados, muitas vezes, com tanta indiferença diariamente que a gente esquece que um dia seremos iguais a eles. Meus avós paternos são falecidos, meu avô com 100 anos deixou esse plano; Penso se ele foi feliz por todo esse século de vida...Hoje só tenho avós maternos, separados há muito tempo e o nosso convívio só se fez ao lado dela. Uma das pessoas mais importantes na minha vida é a minha avó, uma mulher maravilhosa que não tenho nem palavras pra dizer o quanto a amo...Meus pais estão envelhecendo também e assim, se for a vontade de Deus, todos nós iremos envelhecer... São essas pessoas que nos ensinam mais a cada dia e que, muitas vezes, não sabemos tratá-los do jeito que merecem...Mas os velhinhos que fazem parte da minha vida não sabem oq uanto são importantes para mim e assim deveria ser com todos... Respeitar e amar os idosos são atitudes que nos engrandecem e nos fazem ser humanos melhores...Olhar cada um como se fosse um parente seu e não esquecer que ali está a sua maior fortaleza!

um beijo carinhoso!

Dilma disse...

"Querido Nego,

Gosto muito do teu olhar atento a tudo que nos é caro. Concordo plenamente contigo, sei que precisamos zelar por nossos velhinhos e não hesitar em chamar a atenção dos seus próximos para esse cuidado.

Carinhosamente, Dilma."

Hamilton Hafif disse...

Origem do DIA DO IDOSO - 27 de setembro
O Dia Nacional do Idoso foi estabelecido em 1999 pela Comissão de Educação do Senado Federal e serve para refletir a respeito da situação do idoso no País, seus direitos e dificuldades.

A população no mundo está ficando cada vez mais velha e, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), por volta de 2025, pela primeira vez na história, haverá mais idosos do que crianças no planeta.

O Brasil, que já foi celebrado como o país dos jovens, tem hoje cerca de 13,5 milhões de idosos, que representam 8% de sua população. Em 20 anos, o País será o sexto no mundo com o maior número de pessoas idosas. O dado serve de alerta para que o governo e a sociedade se preparem para essa nova realidade não tão distante.

O avanço da medicina e a melhora na qualidade de vida são as principais razões dessa elevação da expectativa de vida em todo o mundo. Apesar disso, ainda há muita desinformação sobre as particularidades do envelhecimento e o que é pior: muito preconceito e desrespeito em relação às pessoas da terceira idade, principalmente nos países pobres ou em desenvolvimento. No Brasil, são muitos os problemas enfrentados pelos idosos em seu dia-a-dia: a perda de contato com a força de trabalho, a desvalorização de aposentadorias e pensões, a depressão, o abandono da família, a falta de projetos e de atividades de lazer, além do difícil acesso a planos de saúde são os principais.

Segundo pesquisa do IBGE, em 1999, apenas 26,9% do total de idosos no País possui algum plano de saúde, sendo que em algumas regiões como o Nordeste essa taxa ainda cai para 13%. As mulheres são ainda mais afetadas, porque vivem mais tempo e, em geral, com menos recursos e menos escolaridade.

Diante desse quadro, o governo brasileiro precisa elaborar, o mais rápido possível, políticas sociais que preparem a sociedade para essa mudança da pirâmide populacional.

(Fonte: Jornal A Voz da Serra, de Nova Friburgo-RJ).

Nara Santos disse...

Minha conclusão de curso em 2008 - pela ADESG-BA tem o seguinte tema - EDUCAÇÃO E QUALIDADE DE VIDA NA TERCEIRA IDADE

Hoje o Fantástico vai mostrar uma reportagem sobre este assunto - O Brasil que sempre foi visto como um Pais de jovens hoje já verifica que os jovens envelheceram e agora?
Não sabemos cuidar de nossas crianças e nem tampouco sabemos lidar com a idade avançada mas vamos aprender eu acredito que só vivendo para aprender.

Hamilton Hafif disse...

Uma boa reflexão para o dia de hoje. Abençoadas sejam as avós!

Denilton Santos disse...

Sim...abençoadas sejam as avós! Ainda me resta uma das minhas avós e esta já ultrapassou a barreira dos 100 anos de vida, na verdade 103 anos, e tenho o maior prazer em dizer isso. Sinto-me orgulhoso por poder, entre outras coisas, registrar a convivência de minha filha com a bisavó. É algo impagváel. Não apenas e tão somente pelo encontro de gerações tão distantes, mas, por saber e entender o que a minha avó representa em minha vida: família!
Gosto muito de estar com ela, dar a devida atenção e compartilhar risadas. A matriarca dos "Glória dos Santos" está muito lúcida. Infelizmente o ciclo da vida, um dia, completar-se-á.