segunda-feira, 19 de setembro de 2011

DICOTOMIA, VERBORRAGIA, ETC & TAL

"Eu juro que é melhor
Não ser o normal
Se eu posso pensar que Deus sou eu"

(Arnaldo Baptista e Rita Lee)


Tem certos dias em que penso
Que meu corpo é uma igreja
Onde um Deus livre vive comigo
Silencioso, quieto, calmo, vivo.
Que conhece cada palmo do que fui, sou e serei.
Não lhe dou pompas de rei
Não o alardeio, nem faço dele meio para ofuscar meus defeitos.
Convivemos intimamente como se fôssemos um só
Às vezes, penso que é isso.
Ele ri e chora comigo
Me  inspira a força e coragem. O abrigo
Nutre-me de bondade e até tolerância
Obviamente, nunca se espanta.
“Quando vou bar em bar, viro a mesa, berro, bebo e brigo”
Sabe-me carne, sabe-me sal, sabe-me vinho.
Intelecto, arbítrio, incoerência.
Dispo-me, verdadeiramente, diante dele.
Conservamo-nos horas em silêncio em íntimo diálogo
Numa conversa sem garganta
(Uma que emana do todo que sou)
Solitária nem sempre sóbria, quiçá sadia.
Às vezes dali de onde Ele se asila,
O vejo entristecer de me ver ficar triste
Mas eu sei que não se aflige
De que dele possa duvidar a estética
Conhece a matéria do qual sou feito
Aceita-me: errôneo, falho, com medo
Experimento que sou de sua moral
Em meio a salões iluminados
Recantos sombrios, úmidos e fétidos;
Em mim, Ele fez sua morada.
Está para além de templos e casas erguidas
É esteio. É pêndulo, fogo, estrada, caminho.

Ora, não me venham com discursos intrépidos.
Não preciso que me digam Deus quem é
Celebro-o e comemoro em conivência todos os dias
Na construção desta obra (in) perfeita com tijolos ocos
Que se sustenta, INDIVIDUALMENTE, de fé.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

POR TODA PARTE


No claro de um dia desses
Após uma noite de tormenta
Vai voar sobre a cidade
Visitará o desconhecido
Onde não mais importará idade
Nem a dor de estar ferido
Com o sorriso largo nos lábios
Irá planar o menino

Quando tinha onze anos,
Tivera as asas cortadas
Desde então, seu voo é raso
Nem mesmo sabe o porquê
Vagará por sobre as cabeças
Bastará de estar vestido
E de rosas rotas e ensanguentadas
Forrará seu céu

Eu que tão bem não o conheço
Sei que no dia do seu arremesso
Nenhum apelo de olhos
O privará da sua sina
Não haverá lugar para palavras
E na completa falta de interjeição
Uma brisa breve, silenciosa e perfumada
Invadirá as casas.


domingo, 3 de julho de 2011

DOMINGO

Só lhe conseguiu enxergar os olhos vívidos como o desejo que despertou uma conversa quase marginal, Quando dia começava e uma noite anterior entrecortava outro lugar.
Ela disse: lindo. Ele disse-lhe um monte de coisas a julgar obscenas. Ela molhou-se. 
Parecia coisa de domingo que vai fazer chover, ainda que não seja verão.
E cavalgou o cavalo invisível. Não era.  
Pensamentos impublicáveis... Energia dentro... Relógio...
Era isso.  Um script permanentemente relatado. Percepções. Elo e Conhecimento.
Fosse à sinopse de um filme, reduzir-se-ia uma só palavra: Fogo.
Um par e seus destinos em desafio. Foco positivo. Espera.
De um lado o trompete solava quando o naipe, não metálico, era de paus.
Ele desejou queimar-se. Ela, Poder, realizar os intentos da Hora.  
Mulheres poderosas, desejosas, motivadas são sempre tão bonitas.
 (Sábado, elas marcharam numa outra cidade...).
 Sorte que a vida é uma sucessão de deliciosos imprevistos
Uma ínfima semaninha, atravessada no meio... Tudo se move.
Intercambiar-se. Ir fundo na beleza do momento. Mesmo sendo domingo
Observando melhor a vida ao redor
Excepcionalmente, surgem caminhos possíveis.
E eles, estarão indo se tocar?

Surat, 03 de julho de 2011.


segunda-feira, 27 de junho de 2011

VALEU A ESPERA


Eu esperei, imensamente, o lançamento deste CD, pois algo me assegurava que ficaria um trabalho bonito e com a qualidade que é peculiar a tudo que Manuela Rodrigues faz.  
Há em Manuela a representação de uma Bahia musical que está para além do que se comercializa por lá, uma música elaborada com letras bem construídas e mesmo quando opta pelo humor, o faz com refino. Gosto muito da forma hábil com que ela transita pelos gêneros, despida de preconceitos musicais, e faz de uma música tão executada na Bahia quanto Berimbau (quem vive lá, sabe), soar com um “que” de ineditismo impressionante. Gosto do que ouço. E ouço, corriqueiramente, pela Internet, enquanto aguardo o dia de ir à Bahia e ter o meu próprio exemplar do CD. Autografado, é claro.  
Eu estou certo de que se Manuela tivesse optado por viver no eixo Rio/São Paulo, já teria ganhado uma maior visibilidade, pois seu trabalho é original, diverso sem perder o traço da nossa musicalidade. Ela vai além de interpretar. Compõe de forma extemporânea de modo que eu gosto, minha filha também (adora Barraqueira) e minha mãe, quando a viu, perguntou: quem é aquela moça do cabelo bonito e da voz boa? Eu, doravante, responderei: esta é Manuela Rodrigues, não é “Uma outra qualquer por aí”.
De parabéns Manuela, e igualmente, todo o time que a suportou neste projeto, parceiros, músicos, arranjadores, pelo resultado colhido que denota que a “Bahia ta viva ainda lá...”


Surat, 27 de junho de 2011.

sábado, 25 de junho de 2011

QUANDO DESCOBRI A MRP


Quando eu  decidi criar um blog, eu tinha em mente buscar um título que não soasse literal aos assuntos que eu pretendia tratar nele. Minha ideia era escrever sobre  assuntos amenos, poéticos, cotidianos e não atribuir a ele qualquer outra conotação que  lembrasse o título que escolhi por pura leviandade. Em dado momento, equivocadamente, eu andei externando minhas opiniões sobre eleição presidencial e aí decidi parar e dar um tempo. Acredito que já tem gente especializada no assunto o bastante e eu não tenho pretensão de formar opinião.
Há dias atrás, eu senti vontade de retomar meus escritos. Postei um poema. Pensei em  escrever sobre minha nova morada na Índia, mas tem um assunto que está me causando uma comichão há meses para que comente sobre ele.
Desde que cheguei a Índia, é inevitável e natural, eu fico a todo instante comparando um país e outro. Culturas muito diferentes de idades díspares. Nações de hábitos e costumes totalmente diversos. E tantos outras questões que nos separam de uma forma estúpida. Uma delas é a tecnologia. Me deixa abismado como uma país tão conservador tem se lançado à pesquisa e ao desenvolvimento de tecnologia de forma tão contundente. Coisa tão relegada a segundo plano no nosso país. Mas este é um outro ponto. Hoje quero falar de economia. Isto é o que me incomoda.
Com menos de três meses que estava aqui, eu já tinha uma vaga noção do quanto nós somos explorados no Brasil em relação não só a carga tributária que nos é imposta (isto lembra o nome do blog) pelo apetite insaciável do governo e, principalmente, pelo comércio. Não que eu esteja dizendo nenhuma novidade, mas que fica amplificada quando você se depara com tamanha e gritante aberração.
Em fevereiro de 2010, comprei uma máquina digital em Mumbai que me custou em torno de 220 dólares. Havia pesquisado na internet e o menor preço para exatamente o mesmo modelo e fabricante no Brasil era 330 dólares. Aliás, é de uma imoralidade tão grande quando você faz uma busca destas e encontra valores para um mesmo produto que variam, em até 3,5 vezes de uma loja para outra. Mas vamos em frente. Em março, dada a minha proximidade de ir ao Brasil, resolvi comprar um netbook para minha filha. Fiz nova pesquisa. Comprei o equipamento por aproximadamente 390 dólares quando no Brasil custava 705 com mesma configuração, sistema operacional e etc. Só agora, passados 15 meses, que os preços começam a se equivaler. Vou só dar mais um exemplo para ilustrar. Ano de Copa do Mundo, eu nunca tinha desejado ter uma camisa oficial da seleção brasileira, mas quando você está morando fora do país, parece que certo ufanismo se apossa de você. Pensei em comprar a camisa ainda no Brasil, mas achei 105 dólares salgados e desisti da compra. Em escala em Johannesburg , uma das cidade sede do evento, comprei a camisa canarinho, a mesma da marca famosa e milionária, por 75 dólares. Mas não pense que a história acaba aqui. Aportando em Mumbai, a mesmíssima com toda sua originalidade e procedência custava 62 dólares. Com raiva eu comprei a azul que embora não seja a tradicional é mais bonita.  
Mas onde eu quero chegar com todo este discurso oco e sem objetividade? 
Na Índia tem duas coisas que me deixam muito confortável. A primeira é a violência urbana que percentualmente é insignificante se comparamos com as grande cidades do Brasil. Este é um assunto para a gente abordar em uma outra prosa. A segunda,   assunto que eu quero trazer desde o começo, é  um “troço” chamado MPR (Maximum Retail Price). Pode ser que eu não esteja tratando de nenhuma novidade, mas é algo que tem me deixado muito tranquilo para sobreviver aqui. Pois aonde quer que eu vá, sei que não vou pagar mais pela mercadoria que desejo do que estabelece o MRP daquele produto. Eu tenho parâmetro e referência dos preços.
Explico-me, toda mercadoria por aqui traz no rótulo ou etiqueta, impressão obrigatória, informações essenciais sobre o produto, dimensões, peso ou volume, nome e endereço do fabricante, melhor data pra consumo, no caso dos gêneros alimentícios, e, obviamente, o preço máximo de venda a retalho. Ou seja, ninguém precisa fazer aquela via Crucis de ir a vários supermercados ou lojas para conseguir produtos em promoção. O mesmo se aplica ao vestuário e tantos outros bens de consumo (entenda por bens de consumo de consumo todos os bens e objetos levados ao mercado para venda e destinados para o uso e o consumo da sociedade). Este preço inclui todos os impostos e o custo de produção. O varejista que não for ganancioso, como se vê na maioria dos do Brasil, pode baixar sua margem de lucro e vender abaixo do valor fixado. Muitas das vezes isto acontece por aqui.
Embora saibamos que existe falhas no sistema, o governo estabelece regras rígidas e a despeito de qualquer outra coisa, os indianos são muito mais ordeiros e cumpridores/tementes à lei do que nós brasileiros. Reclamações feitas ao Tribunal de Justiça do Consumidor que comprovadamente caracterizem prática desleal são tratadas com rigor.
Em essência, todo este mecanismo deveria ser assim em todo lugar. Seria uma forma de proteger o consumidor que é a razão de ser do fabricante, fornecedor, varejista, ou seja lá quem que negocie mercadorias.
No Brasil, além disso, acabaria com os conluios imorais que acontecem a olhos vistos, em muitos segmentos da economia.
Numa das minhas idas ao Brasil, um colega me pediu para trazer-lhe um complexo vitamínico pelo qual paguei 58 dólares por cem cápsulas. Poucos dias depois, já aqui na Índia, encontrei o mesmo suplemento, da mesma multinacional, numa embalagem com duzentas cápsulas por, pasmem, 23 dólares.  
Por maiores que sejam as diferenças de mercado, matéria-prima, preço de mão de obra e tributos, alguma coisa está errada com a gente.

         

Surat, 25 de junho de 2011.

domingo, 19 de junho de 2011

NA PORTA DA NOITE


 Não.
Embora crianças corram no playground do edifício , a tarde não traz alegria.
É feia, úmida, sem viço. Não lateja, não ferve. Não nasceu quente, nem morre fria.
Se um rio a corta ao meio, nada celebra, tampouco alivia.
As mulheres que andam descalças e que dormirão sem tomar banho, sabem disso.
O sino que se ouve é de um elevador que não ascende.  Tudo se põe despudoradamente. E corvos, poucos, recolhem-se em gritaria.
Cabras e búfalos pastam nela como se não tivessem dono. Astros vão se tornando visíveis num silencioso abandono, mas não exercem domínio sobre ela que segue igual.
Um cachorro moribundo parte tardiamente sem que alguém lhe afague. Talvez espere um milagre (não ladra, não morde, nem arde) que algum gentil cavalheiro lhe jogue um punhado de cal.
A janela com grades não tem serventia. Funesta, nascida já morta.Uma tarde tão torta, quem a roubaria?
Talvez algum desocupado capte desta hora algo especial. E lhe ofertando um cuidado, restaure seu gosto com um pouco  de sal.  
  




Surat, Índia, 19 de junho de 2011.