domingo, 19 de junho de 2011

NA PORTA DA NOITE


 Não.
Embora crianças corram no playground do edifício , a tarde não traz alegria.
É feia, úmida, sem viço. Não lateja, não ferve. Não nasceu quente, nem morre fria.
Se um rio a corta ao meio, nada celebra, tampouco alivia.
As mulheres que andam descalças e que dormirão sem tomar banho, sabem disso.
O sino que se ouve é de um elevador que não ascende.  Tudo se põe despudoradamente. E corvos, poucos, recolhem-se em gritaria.
Cabras e búfalos pastam nela como se não tivessem dono. Astros vão se tornando visíveis num silencioso abandono, mas não exercem domínio sobre ela que segue igual.
Um cachorro moribundo parte tardiamente sem que alguém lhe afague. Talvez espere um milagre (não ladra, não morde, nem arde) que algum gentil cavalheiro lhe jogue um punhado de cal.
A janela com grades não tem serventia. Funesta, nascida já morta.Uma tarde tão torta, quem a roubaria?
Talvez algum desocupado capte desta hora algo especial. E lhe ofertando um cuidado, restaure seu gosto com um pouco  de sal.  
  




Surat, Índia, 19 de junho de 2011.

Um comentário:

fernando disse...

Meu irmãozinho, não sei se é porque tenho visitado pouco o seu blog - e aqui faço publicamente um "mea culpa" - mas fiquei profundamente encantado com esse texto, de uma simplicidade profunda ou de uma profundidade simples, como queira. Uma melancolia na dose certa, um certo "que" de CDA...
Definitivamente: gostei!