domingo, 22 de novembro de 2009

A MEUS AMIGOS SAGITARIANOS

Aos Filhos de Sagitário (Oswaldo Montenegro)

Era claro e sábio
Era manso, metade animal
E livre como ancião
Que já não teme o final.
E eu amava, amava
Adormecia com gosto de sal, na boca
E amava assim
Com a devoção natural
Dos deuses, dos animais
Ah! quanto tempo atrás
Ah! quantas noites passei
A galopar em você
Doce centauro, amo você
Doce centauro...


Amigos, neste 22/11, quando o sol entrar em Sagitário, estaremos, queiramos ou não, inaugurando um novo ciclo de vida. Creiamos ou não é tempo de expansão.
Desejo que a vitalidade e o bem estar sejam a tônica desta nossa etapa. Que nosso ciclo vital se renove e que nossa mente, renovada, possa desenvolver pensamentos transformadores e construtivos para a sociedade e o planeta. Que Júpiter nos encha de otimismo e bom humor. Que a benevolência, a tolerância e a paciência possam ser cultivadas mais e melhor em nós e no outro.
Que nossas mentes brilhem. Que façamos a diferença positiva nos perdoando, perdoando aos outros e colocando um pouco mais de compaixão nos nossos atos.
O sagitariano veio ao mundo para alegrá-lo. Torná-lo mais leve. Para abundantemente iluminá-lo.
Pensemos nisso...

sábado, 21 de novembro de 2009

A DIFICIL ARTE DE ARTE FAZER EM SOTERÓPPOLIS



(...)Gente do nordeste, do norte aqui no sudeste
Batalhando nesse mundaréu de mundo que só cresce
Só carece
Venha até São Paulo relaxar ficar relax
Tire um xérox, admire um triplex
Venha até São Paulo viver à beira do stress
Fuligem, catarro, assaltos no dia dez
(Venha Até São Paulo - Itamar Assumpção)


Tenho lido e ouvido muitas lamentações, todas relativamente pertinentes, sobre a dificuldade de fazer arte na Bahia, sobretudo em SALVADOR. No meu ponto de vista, tem uma questão básica que acomete a Bahia, como todo, enquanto consumidor de artes. A Bahia não tem público formado para recepcionar, compreender, interagir e valorizar o trabalho nas artes em geral. Há pelo menos 30 anos que esta crise está instaurada. Mesmos as grandes montagens externas são frequentadas, geralmente, por pessoas que vão ao evento mais pela badalação, ostentação de poder aquisitivo do que pelo valor e apelo cultural do que está sendo apresentado. Vale ressaltar, e minha acidez é proposital, que mesmo nestas ocasiões não se isentam de apresentar uma duvidosa carteira de estudante.


Muitos dos meus amigos queixosos culpam o Estado. Eu tenho uma visão um pouco diferente. Penso que, do mesmo modo que a família não pode atribuir integralmente a formação do sujeito à escola, como se faz hoje, não podemos atribuir ao Estado responsabilidade integral por este estado de coisas. Acho, e estou falando como cidadão comum, que existe um visível esforço do governo sim na promoção e difusão cultural, mas também acho que não existe apoio empresarial forte e midiático de outras instituições como vejo em São Paulo e BH, por exemplo. Talvez este seja o maior embargo. Afinal, por que os teatros viram bingo? Por que os cinemas viram igrejas evangélicas? Por que os casarões viram empreendimentos estrangeiros?

Neste ponto, a Bahia urge de um processo de reeducação. O Rio, ainda nem tanto quanto nós, segue o mesmo vexatório caminho. Aqui, a cada dia, se restringem os lugares. Não há espaço para criação diversa e não há retorno quer financeiro, quer de reconhecimento porque não há formação de público e, consequentemente, advém daí o desinteresse do patrocinador e da mídia que querem, de certo modo equivocadamente, retorno e visibilidade instantânea. Este é o circuito vicioso.

As peças que vou assistir em Salvador tem sempre as mesmas pessoas, as exposições, os eventos musicais mais elaborados assim também se processam. Recentemente, fui a alguns espetáculos onde nem 50% das cadeiras estavam ocupadas. A gente sofre pelo artista, pela arte e pelo público baiano que se furta de prestigiar induzido que é, o tempo todo e massivamente, para uma única manifestação.

Nada é tão novo, mas se acentua cada dia mais nos tempos atuais. De tão crônico, talvez não perpasse só pelas iniciativas institucionais, mas e principalmente, na minha modesta opinião, pelo desinteresse sociocultural coletivo que acomete as pessoas. Parece que pensar, refletir, debater nunca está na pauta do dia desta sociedade. A grande massa quer encontrar mastigado para ter o trabalho apenas de engolir. Criticar, bater, desqualificar, destruir, desumanizar demandam mínimo esforço de massa cinzenta e sempre vai haver um pseudo-religioso, um mau repórter, um falso crítico, um mau companheiro de profissão, um jornal interesseiro para fazê-lo em nome do povo e um empresário ganancioso, em busca de retorno rápido, para bancá-los.

Não que isso sirva de consolo, mas conheço muita gente, que desenvolve arte com qualidade, vivendo desta angústia em todas as áreas. O caminho é resistir. Não adianta caçar bruxas, pois elas renascem. Unir-se. Pensar global e coletivamente.
Até porque, há muito, São Paulo não comporta mais tanta gente...


quinta-feira, 15 de outubro de 2009

EU, PROFESSOR

Dedico este texto a Profª Ana Maria, minha inesquecível professora de "Comunicação e Expressão" da 6ª a 8ª,  que lecionava no Complexo Escolar Evaristo da Veiga, lá pelo meado dos 70's, que foi quem me ensinou o amor pela Língua Pátria. Talvez, e muito provavelmente, ela não saiba, mas a amo, até hoje, por isso.
"Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma, continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor, assim, não morre jamais..." - Rubem Alves




Minha mãe foi a primeira professora minha. De cima do rigor que possuía , mas com muita propriedade, apesar, de na época, ter baixa escolaridade, apenas o quarto ano primário, me ensinou, aos cinco anos, a ler, escrever, as quatro operações básicas e a redigir, coisas que a maioria das escolas públicas não consegue fazer em anos de ensino fundamental. Cheguei na escola “voando”, tirando notas 9 e 10 em tudo, enchendo minha mãe de vaidade. Abro parênteses: acho que no fundo, no fundo, a grande gratificação do professor é ver seu aluno mostrando que assimilou aquele conhecimento que com ele foi compartilhado. Na atual conjuntura talvez a única.


A minha primeira professora “formal” chamava-se Eufrásia, de cima da “imensa sabedoria" dos meus sete anos, era a primeira mulher pela qual eu me apaixonaria. Lógico que nem tinha clareza do que era isso. Mas ela fora meu primeiro amor. Me empenhava, inconscientemente, para dar o meu melhor, para impressioná-la. Para ganhar sua atenção. Seu olhar terno e condescendente comigo. Meu coração batia forte quando me fazia qualquer pergunta e ficava a ponto de sair pela boca quando, ao acertar, recebia um elogio carinhoso. Aos 46, Eufrásia ainda está viva em mim. Fazia o que gostava. Era terna. Era consciente do seu papel.Tinha nosso respeito e respeitava-nos. Diga-se de passagem, tratavam-se de meninos paupérrimos da Roça da Sabina, do Calabar e da Rua do Amazonas logradouros das cercanias do Chame-Chame e da Barra Avenida.

Hoje acordei com Eufrásia na cabeça, é dia do professor, e ela veio me visitar a memória para me lembrar que eu também escolhi ser professor. Escolhi ser professor já numa época em que educação virou comércio. Instrumento de hierarquização social. Quem tem poder aquisitivo adquire conhecimento e competitividade. Quem não tem, vai ficar semi-alfabetizado para dar continuidade a desigualdade institucional deste país. Escolhi ser professor onde, a duras penas, o ensino público tenta se sustentar em estatísticas, quando na realidade forma legiões de analfabetos funcionais. Escolhi ser professor numa época em que os pais jogam sua obrigação, de formador das pessoas, a quem deu vida, para escola, gerando um ÔNUS imensurável para escola pública que não realiza bem nem seu papel primordial, enquanto instituição de ensino, quanto mais o de assumir tantos papéis aos quais, conseqüentemente, não tem como corresponder. Escolhi ser professor numa época em que esta profissão não é compreendida nem pelo estado, nem pela sociedade que não reconhece que o desenvolvimento do talento, a prosperidade, a inclusão, a formação profissional e, principalmente, humana passam pela sala de aula. Escolhi ser professor numa época em que a maioria dos meus anseios de educador não podem se realizar porque não me são dadas as condições mínimas de trabalho que perpassam não só por uma remuneração digna, mas sobretudo por estrutura plena para o exercício da profissão.

Neste dia do Professor, quero parabenizar meus colegas e muitos amigos que abraçam tão dura tarefa com afinco, disciplina e consciência do seu papel social.

Neste dia professor, quero propor o repensar deste quadro. Começo por , meu veemente repúdio aos parlamentares deste país que ainda não pensaram ou esboçaram um projeto a curto e médio prazo de recuperação da escola pública enquanto direito constitucional do povo brasileiro, principalmente o povo negro e o povo pobre. Sim, eu quero políticas públicas, ainda que atenuantes, mas eu quero poder ter a escola da minha infância, onde nunca pude colocar meus descendentes. Que forme jovens competitivos, capazes e detentores do mesmo conhecimento daqueles que tem acesso as escolas privadas.

Enquanto professor, se me dessem voz, pelo menos neste dia, só faria um pedido: Por favor, devolvam a minha escola pública de direito!


TELEANÁLISE (Coluna Malu Fontes do jornal A Tarde de 11 de outubro 2009

Eu já tinha postado antes um texto da doutoura Malu no meu blog. O primeiro sem sua anuência, mas cuja aprovação veio "a posteriore". Estou postando mais um, devida e previamente autorizado, com uma recomendação: "coloque meu twitter, para o caso de alguém querer me xingar, pois sempre tem: www.twitter.com/malufontes". Eu diria, se quiserem xingá-la, xinguem a mim também, pois concordo integralmente com os textos que ora posto.



"  PROVA NA CUECA E ABERRAÇÃO LOCAL












Diante da notícia de que mais de quatro milhões de estudantes de todo o Brasil seriam prejudicados e impedidos de realizar, no último final de semana, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), pelo fato de as provas terem sido vazadas, o raciocínio do telespectador e do leitor de informação tendia a ser óbvia: ladrões certamente muito bem informados, articulados, de posse de informações estratégicas e privilegiadas teriam conseguido furar o bloqueio de um esquema de segurança poderoso do Ministério da Educação nos locais de processamento das provas para conseguir surrupiar material tão valioso. O roubo provocou uma bola de neve na agenda não só dos 4,1 milhões de estudantes e suas famílias, mas principalmente no calendário de vestibulares de todas as universidades do país, sobretudo as públicas, uma vez que falar em vestibular quando associado a boa parte das faculdades privadas tende a soar hoje como piada.






No entanto, com o avanço das investigações policiais e da cobertura massiva do caso pela imprensa, o que se viu foram revelações inacreditáveis de tão toscas e primárias acerca do cenário e da modalidade da ação dos criminosos. No lugar de ladrões espertos e articulados que tentaram ganhar 500 mil reais vendendo as provas a jornalistas do jornal O Estado de S. Paulo, apareceram três patetas mais para ladrões de galinhas, tão limitados quanto uma porta. Para roubar a prova mais importante do país só precisaram enfiar umas folhas de papel na cueca e outras embaixo de um casaco, enquanto trabalhavam no espaço da gráfica onde eram impressas as provas. Saíram pela porta da frente tranquilamente.






CUECA - De tão limitados, tiveram a brilhante idéia de vender o produto do roubo justamente a raposas, jornalistas de um dos principais jornais do país, com quem pensavam que fariam a negociação da vida com sua galinha de ovos de ouro sob a forma de papel. A iniciativa dos trapalhões causou um prejuízo de mais de 34 milhões aos cofres públicos, pois todo o processo terá que ser refeito do zero. As imagens das câmeras que registraram o roubo, divulgadas nos telejornais da última terça-feira deixaram claro que, para fraudar um exame nacional de tamanha dimensão, não foram nem seriam necessários não mais que ladrões de galinhas de métodos mais que simplórios.






Não são os fraudadores que são espertos. A logística de segurança do processo é que era vergonhosa, permitindo toda a sorte de promiscuidade de circulação e troca de funções no local da impressão entre seguranças, faxineiros e que tais, todos com jeitão de contratados de véspera, na esquina, sem critério algum. Para fechar o caso com a marca da seriedade que caracteriza o comportamento nacional, a informação mais importante: nenhum dos cindo indiciados pelo roubo foi ou será preso.






Segundo o delegado responsável pelo caso, todos responderão a processo em liberdade, pois não é caso de prisão. Ah, não? Então, tá. Tudo não passou, portanto, de um grupelho de amadores querendo ganhar meio milhão fácil, mas logo se contentando com 10 mil, o valor cobrado ao ameaçar de morte a repórter do Estadão. O Brasil é muito esquisito quando o tema é prisão. Veja-se o caso envolvendo o pugilista Popó. Todos os acusados do crime foram soltos e a vítima foi presa, supostamente por ter contas do passado a acertar com a Justiça. Uma obra prima de ficção, onde até o nome de um dos policiais acusados pela vítima tem nome de tragicomédia que só a Bahia saberia produzir: Hamlet Robson Magalhães.






ABERRAÇÃO LOCAL - Na TV local, a nota máxima da dissonância e da decadência moral, ética e estética se materializou na tela em uma entrevista inclassificável exibida no programa Que Venha o Povo (TV Aratu), na edição de terça-feira. A repórter Analice Sales cometeu um dos maiores pecados já vistos no telejornalismo, na falta de uma palavra mais adequada para nominar o gênero televisivo que hoje se pratica na grade do meio dia. A intrépida repórter entrevistou, como se fosse a coisa natural do mundo, uma criança, uma menina de apenas seis anos de idade, sobre os detalhes sórdidos das abordagens sofridas por ela por parte de um pedófilo.






É inconcebível que uma emissora, uma concessão pública de radiodifusão produza e exiba uma entrevista em que uma jornalista pergunte a uma criança dessa idade qual o nome e o lugar do seu corpo onde o homem introduzia o dedo. Como se fosse pouco, diante da pronúncia titubeante, frágil, intimidada da menina, a repórter repetia reiterando a palavra: ‘na pititica’. Os limites éticos, diante de uma criança tão pequena e em circunstâncias tão abjetas, já podem ser ignorados a esse ponto? Uma coisa é denunciar e divulgar casos de pedofilia, outra, bem diferente, é uma jornalista entrevistar uma criança vítima desse tipo de crime pedindo-lhe detalhes do abuso que sofreu, estimulando-a a reviver o ato de violência sofrido.






Mesmo intramuros, psicólogos e psiquiatras tratam esse tipo de abordagem com todo o cuidado do mundo, pela delicadeza da estrutura psíquica infantil. Aqui, é apenas um ingrediente a mais no show de horrores que alimenta a guerra da audiência televisiva e ficará por isso mesmo. Em nome dessa lógica, há poucos dias foram exibidas, na mesma emissora, cenas nas quais um outro pedófilo, preso, apalpava e reapalva a genitália do repórter, que estimulava a continuidade, apostando nos dividendos da audiência. E viva o interesse público de informações desse quilate, pois. "



Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA.


A ilustração foi introduzida por mim, haja vista a felicidade da imagem produzida pelo
Ilustrador do G1 que imaginou como teria sido a fórmula do invento (Foto: Ilustração/G1)

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A INQUISIÇÃO NOS NOSSOS DIAS

Nos dias de hoje, embora não possamos desconsiderar os avanços democráticos do atual governo, existem ainda setores extremamente retrógrados e despreparados para acompanhar as transformações culturais que estão se estabelecendo nos meios de produção e nas relações de trabalho. A intervenção descabida e irrestrita do governo nestas relações. A insistência desmedida em fazer prevalecer uma convenção caduca e ultrapassada, a necessidade de capitalizar politicamente esta intervenção, convertendo estatisticamente o número de carteiras assinadas, ainda que seja com salários minguados, em bandeira social, tem concorrido para a tomada de ações cujas consequências não tem sido verdadeiramente avaliadas.

O grande xodó, às avessas, deste governo, representado pelo seu Ministério Público e STJ, são as cooperativas de trabalho. O não entendimento da sua função, do seu funcionamento e principalmente a má vontade para com estes organismos tem deixados sérias sequelas em vários seguimentos produtivos da sociedade.

Todos sabem que o trabalho é fator determinante para o ordenamento social, cultural e produtivo de qualquer nação. A falta de trabalho é geradora das principais mazelas de que temos conhecimento na sociedade moderna. Sabe-se que com o advento dos avanços tecnológicos, a carência de empregos aumenta a cada ano. E que mesmo profissionais qualificados não são absorvidos pelas empresas, haja vista que a procura é infinitamente maior que a demanda.

Aí se estabelece o contraponto desta postura. Por mais esforços que o Governo empenhe na perseguição de postos de emprego, não existem empresas suficientes para assegurar que uma sociedade jovem como a nossa, tenha oportunidade para todos. Principalmente, se pensarmos que dar emprego é uma grande punição para o empregador no que se refere à carga tributária a que este está submetido. Sendo, muitas das vezes, a terceirização a única saída para sua própria sobrevivência.

Mas voltemos às cooperativas. As cooperativas são organismos constituídos, voluntariamente, por pessoas que não tiveram a oportunidade de se encaixar nos postos de empregos disponíveis, mas que enxergaram uma forma organizada, amparada em lei específica e vigente, de contratar serviços para este grupo, de modo a garantir a sobrevivência dos seus membros de forma digna.

Como em todo seguimento social, existem as que seguem a doutrina e as que não seguem, por que nascem do desejo de alguém em explorar as pessoas. Hoje, a bem da verdade, nem se explica mais a existência destas segundas, haja vista que o governo tributa as cooperativas da mesma forma que uma empresa mercantil.

O sistema cooperativo é um sistema sólido e estável, gera trabalho para seus associados e gera emprego porque depende de funcionários para tocar administrativamente o negócio. Gera divisas, paga impostos, retém e recolhe dos seus associados.

O sistema falha quando a empresa tomadora do serviço não sabe exatamente o que quer. Quando quer subordinar o cooperado como se fosse seu funcionário. Quando quer indicar quem ela quer que execute a tarefa. Quando não admite que a supervisão seja feita pela própria cooperativa.

É aí que o governo está cometendo um erro irreparável, o seu desaparelhamento, a sua falta de pessoas competentes para avaliar e separar “joio de trigo” está levando a jogar na fogueira inquisitora todo e qualquer suspeito de desviar da doutrina. Num movimento contraditório aos avanços sociais apregoados largamente pela mídia.

Da minha vida dedicada, por mais de vinte anos, ao Cooperativismo, posso afirmar que há muito mais empresas mercantis de comportamento lesivo ao erário público, precaristas de mão de obra e danosas a sociedade do que as cooperativas. Aliás, posso afirmar mais, a maioria das cooperativas, principalmente do ramo trabalho, nasceram por esta razão.

sábado, 19 de setembro de 2009

"NASCIDO PARA VENCER"

Ontem mais uma vez, fui a Pituaçu assistir a um jogo do Bahia. Não sei se por coincidência, ou por mera fatalidade, este ano não tinha assistido o time perder dentro de casa. Vivi esta experiência pela primeira vez nesta série B. Sai me sentindo meio imbecil. Nem triste, nem decepcionado. Afinal, decepção acontece quando existe alguma expectativa acerca de alguma coisa. A realidade é que este time não acalenta em ninguém, corrijo, somente nos fanáticos cuja paixão não permite enxergar, a mínima possibilidade de se esperar alguma coisa. O time é ruim. O elenco é fraco e por incrível que pareça não dá a menor sorte. Tudo que pode dar errado, acontece. Nem lembra o Bahia da minha juventude. Marcado por uma estrela que nenhum time no Brasil tinha igual.

Vocês haverão de perguntar: então o que foi você fazer lá?. Eu respondo. Eu sou apaixonado por futebol. Gosto da improbabilidade do espetáculo. Gosto da manifestação folclórica que se faz em torno de cada evento. Das discussões acaloradas, das quais não participo, mas adoro assistir. Gosto do comportamento surpreendente das pessoas. Da total falta de parcimônia com que as pessoas se aproximam das outras como se conhecem há anos para discutir um lance, um atitude do árbitro, uma substituição no elenco. Futebol não se faz só no palco com seus 25 atores diretos. Faz-se com muitos coadjuvantes e isto é mais que interessante.

Cresci jogando futebol. Cresci, trocando qualquer evento por um bom jogo. Perdi namoradas. Abro um parêntesis. Há 30 anos atrás, quase nenhuma namorada queria ir para os estádios de futebol. Pra felicidade geral, os estádios hoje vivem floridos. Acho muito bonito grupos de garotas no estádio.

Mas tudo isso é balela. Tenho um verdadeiro amor pelo Bahia. Um amor sóbrio, hoje, que já não me faz padecer. Homem maduro, de visão analítica que me tornei. Não me dou mais ao luxo de me aborrecer. Vou ao estádio para prestigiar o esforço de alguns, independente da incompetência gerencial que tem assolado o clube. Gosto de me vestir destas corres que fazem parte do meu imaginário, desde 1969 quando ainda não tinha sequer ido a uma praça de futebol e me fiquei triste quando ele, naquele ano, não conseguiu alcançar o Fluminense de Feira. Gosto do Bahia porque me remonta a momentos mágicos inenarráveis e de uma alegria que me contagiou por toda vida. Vou ao estádio porque quem come a carne rói o ossos, já diziam minhas avós. Porque meu casamento com o Bahia ainda dá certo apesar das sucessivas crises. Vou ao estádio porque lá no fundinho, morro de medo de ver meu time acabar.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

QUANTO VALE A CAMA?

Caros leitores e leitoras, recebi esta mensagem, oportunamente, quando estava elaborando, ainda em pensamento, um texto que discorresse sobre as impressões que me deixou a tal "Liga das Mulheres". Minha proposta de escrever perdeu a função na medida em que li este texto feliz, da professora Malu Fontes, a quem não conheço pessoalmente, e decidi, ainda que sem sua autorização, postá-lo aqui para que vocês possam analisá-lo e tecer os devidos comentários. Boa leitura. Hafif


Por Malu Fontes
O Fantástico de ontem (9) exibiu o quadro Liga das Mulheres, em que um grupo feminino dá uma da babá eletrônica Super Nunny ao ajudar mulheres adultas a resolver problemas. Pôde se ver o quanto há de idealização nessa lenga-lenga segundo a qual, hoje, as mulheres são livres e fazem o que lhes der na telha. Pudesse hoje voltar ao Brasil e ter a oportunidade de assistir Kátia, a moça paulistana protagonista do quadro do programa nesta semana, Simone de Beauvoir ficaria pasma com a deriva aonde foi dar o desejo das mulheres depois de tantas conquistas.

Kátia, a moça casadoira do fantástico, é um tipo comum, nem feia nem linda, de cultura mediana para baixo, economicamente pendendo para a classe média baixa, dessas que trabalham pesado de segunda a sexta, em um banco, em São Paulo. Tem jeito de quem tem uma vida com algum conforto, mas é do tipo que privilegia a aparência e despreza detalhes que costumam dizer muito sobre quem os cultiva. Sai no mínimo três vezes por semana para as baladas nada baratas da noite de Sampa, tem um carro novinho, vermelho reluzente, quem sabe pago em trocentas prestações, mas dorme numa caminha estreita e medonha, dessas tubulares, de ferro, cor de vinho, sobre a qual repousa um bicho de pelúcia xexelento, muito do vencido para quem já circula entre a terceira e a quarta década de vida.

JACOB DO BANDOLIM - Kátia tem um sonho mais velho do que o das mulheres do tempo em que os homens encheram o saco do nomadismo por perceberam que, se não mudassem o modus operandi de habitação, teriam que passar o resto da vida carregando com seus braços fortes os quilos e quilos extras de quinquilharias que toda mulher que se preza acumula ao longo da vida.. Kátia tem como objeto singular de vida encontrar um príncipe encantado que queira levá-la ao altar, sonho que, segundo ela, vai acalentar até os 40 anos. Ao dizer isso, deixa implícito que, se chegar aos 40 sem encontrá-lo, é fim de carreira. Ou fica com o primeiro sapo que achar, ou dará cabo da vida como mulher. Kátia não é apenas o paradoxo do que a mulher contemporânea adora relacionar ao seu perfil nesse início de século XXI, ou seja, é independente, prende e arrebenta, mas chora todos os fins de semana porque ainda não tem marido. É também um paradoxo em si mesma: quer um príncipe encantado, mas costuma procurá-lo nas noitadas madrugadeiras de São Paulo. Mais fácil que encontrá-lo nesse cenário é ouvir Jacob do Bandolim sintonizando emissoras FM de hardcore.

Como uma mulher urbana na faixa dos 30 anos pode sonhar com um homem que a leva a sério se às três horas da madrugada, conforme se deixou filmar pelo Fantástico, fica gritando no ouvido dos restos humanos masculinos que sobraram trôpegos nos bares frases do tipo ‘eu quero pegar você’, ‘você quer namorar comigo’? E como todas as mulheres chatas, vulgares, rasas, inadequadas ou com bafo de onça, quando deprime um fim de semana e outro também, por solidão, têm na ponta da língua o argumento mais clichê do tabuleiro feminista: ‘ah, os homens se assustam comigo, têm medo de mim, ficam intimidados’. O problema é que o susto masculino pode ser ambíguo, ambivalente e seria bom as mulheres levarem isso em conta. Há sustos e sustos, medos e medos, dependendo da categoria de poder que determinada mulher tenha. Há mulheres que assustam mesmo, pelo poder que têm, seja intelectual, de sedução ou financeiro. Mas o que há de moçoilas que assustam por sua inadequação, burrice e vulgaridade... Então, ficou combinado que mulheres que ficam sozinhas é porque são bacanas demais e por isso assustam. Ah, tá. Se pensar assim consola, melhor.

A primeira coisa que Kátia precisa evitar é falar errado. No primeiro dia de quadro soltou algumas pedradas intoleráveis para quem se candidata a um príncipe no horário nobre nacional. Também pudera. A moça tem em casa uma bancada de maquiagem suficiente para maquiar todo o elenco anual de uma companhia de teatro kabuki japonês, mas não se vê em nenhum cômodo ou nos móveis amarelo ovo envernizado nenhum objeto parecido com um livro. Tem um vocabulário primoroso. Diz que nos últimos casamentos que fez pegou todos os ‘buqueres’ (sim, referindo ao bouquet das noivas) e que não gosta de ficar com homens que querem ‘tchutchucar’ (sic). Sim, significa isso mesmo que o leitor imaginou.

NOTA À CAMA - Depois que as pessoas começam a apelar para que a TV lhe dê uma cama, no sentido de uma vida sexual em forma de namorado, parceiro ou príncipe, o fundo do poço é o limite. Bons tempos em que Sílvio Santos promovia encontros engraçadinhos kitsch com seu Namoro na TV. Agora, mulheres como Kátia, com cara de Bridget Jones da classe média baixa paulista, que se deixam filmar chorando abraçada a um bicho de pelúcia encardido, numa cama tubular vinho, deprimida nos fins de semana por ainda não terem encontrado um marido, são apenas o desfecho do domingo televisivo. Mais cedo, Faustão convoca maridos e mulheres a atribuírem, ao vivo na TV, notas ao desempenho sexual de seus parceiros na última relação sexual, agora apelidada singelamente de ‘rala e rola’. É essa a versão contemporânea da liberdade sexual: implorar afeto a bêbados em fim de noite sonhando com um casamento e atribuir notas numéricas, de zero a 100, à própria performance na cama em rede nacional.

Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA.
maluzes@gmail.com

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

DA CARTA DE LULA A MERCADANTE




O PT já foi minha esperança. Nossa esperança. Esperança daqueles que criam em mudar este país para melhor. Lógico que ninguém, em sã consciência, acreditava em salvadores da pátria. Talvez uma minoria. Críamos num projeto de recuperação do país enquanto nação. O povo brasileiro tratado com dignidade e respeito. Políticas públicas sérias. Não politicagem e molequeira. Críamos em reordenamento social, ainda que este levasse o mesmo tempo que levou a ditadura. Críamos na consolidação da democracia. Numa revolução que tornasse sólidas as instituições democráticas. A ditadura continua. As concessões dos meios de comunicação continuam. Hoje vivemos uma ditadura branca, sustentada pelas mídias que continuam no controle dos mesmo de antes.Pão e circo era a prática deles e nós as abominávamos. Nada mudou. O povo ganha migalhas, bolsa-escola, bolsa-família, bolsa-puta-que-pariu, em troca de obrigar-se a assistir a esta aliança vergonhosa,com nossos algozes,que nos custa caro financeira,ética e moralmente. Pior, nos impede de avançar. Os índices de miséria continuam. Os da violência maiores a cada dia.Impostos exorbitantes para custear a farra do Senado e ver o nosso erário ser gasto na contratação de afilhados,filhos, sobrinhos, netos, namorados dos mesmos...
Esta talvez fosse uma das poucas oportunidades de acabar com um dos sítios políticos regionais mais imundos que existe. Graças a covardia dos senadores, o Maranhão continua sendo uma capitania hereditária.
O que nos resta. Sarney vitalício no poder. E um dos mais belos sonhos, que o povo brasileiro pode sonhar, sendo esfacelado pelos conchavos, alianças malditas e a negação de tudo que um dia acreditamos. Eu sinto-me envergonhado, triste e descrente de que este país ainda tenha jeito.
No fim, ainda vão aparecer uns "bichos escrotos" atribuindo responsabilidade à imobilidade da sociedade, que de fato é grande, pelo estado de calamidade pública (institucional, moral e ética), pela obscenidade e falta de compostura que assistimos nestas últimas semanas.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

DO BIGODE E SUA DECADÊNCIA


"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantar-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto..."
Ruy Barbosa



Como pode um homem de bigode tão farto não honrá-lo? Que saudade dos meus tempos de criança. Quando os compromissos eram selados por um fio de bigode. É verdade que os homens da minha infância, quando beiravam os quarenta, já eram homens sisudos, de pouco sorriso e muita austeridade, mas de ética forte, de palavra firme e moral elevada. Tinham lá seus atos secretos, não se pode negar, mas estes se resumiam aos atos amorosos. Possuíam siso, como dizia minha avó. Cabelos grisalhos eram sinal de respeito, de maturidade, sobriedade e experiência.
No Brasil existe uma instituição democrática, formada por homens e mulheres, eleitos pelo povo, que não podem ter menos que trinta e cinco anos, cuja principal função, no meu modesto entender, seria assegurar a legitimidade dos atos do Legislativo com vistas a tornar este um país melhor. Esta casa, formada por homens pressupostamente maduros, deveria analisar e validar os atos decisórios ao destino de um país. Entretanto há meses que nada se faz nesta casa a não ser viver uma lamacenta e deplorável comédia de costumes, desenrolada num tom satírico, amoral, de total decadência de valores e, com um agravante, nenhuma sutileza.
Na minha crença, de cidadão comum, honradez, seriedade, moral, caráter, não deveriam nunca ser relativizados, ou flexibilizados a depender de quem estivesse no centro das questões. Valores morais não podem estar hierarquicamente abaixo de uma legenda partidária ou do grau de influência do cidadão que ostenta determinado cargo. O que é que estamos assistindo? O que é que estamos mostrando para os jovens, uma grande maioria, de boa índole, que quer trabalhar honestamente e não tem empregos? Por que estão estes seres “especiais” e imunes acima do Bem e do Mal? Por que já não se importam com a opinião pública? Chegamos no limiar da decadência moral? Ou ainda temos mais algo para vivenciar? Quem está se importando com o cidadão-eleitor? Fizéssemos uma faxina naquela casa para apurar o mau uso do dinheiro público e quantos sobreviveriam? Perguntas que não calam.
Não gostaria de sujar meu blog, que construo com o objetivo de ser algo de entretenimento, reflexão e prazer, com assunto tão feio, tão execrável, mas não consigo assistir a tão grande afronta e permanecer isento. Somos responsáveis por este estado de coisa. Quer por ignorância, quer por omissão. A maioria destes elementos controlam os meios de comunicação e por conseguinte nossas opiniões. Se, ao menos, nós lêssemos mais e assistíssemos menos televisão, talvez tivéssemos uma chance. Mais a maioria é manipulada e continua elegendo delinquentes, pessoas de idoneidade questionável e os sequiosos de poder.
Vem aí mais um 7 de setembro. Minha proposta é de que a gente reflita e, sobretudo, repense que independência nós queremos dar a este país. Quem nós queremos no poder. Qual a nossa parcela de contribuição para varrer e aposentar estas pragas que corroem o sistema democrático e só legislam em causa própria, dos seus filhos, netos e até, pasmem, namorados de netas.
Você não acham que está na hora de dar um basta? Os antigos, que se respeitavam, muito mais que nós seres modernos, diziam: quem muito se abaixa, mostra os fundos. Acho que a sociedade brasileira, mais que isso, está se deixando violentar e achando isso normal.

sábado, 8 de agosto de 2009

DA ARTE PATERNAL


Dedico este texto a Renato Simões, Fernando Correa e Roberto Celestino, pais inspiradores.

Para mim, ser pai não é nenhum sacerdócio. Muito embora envolva alguns sacrifícios, não, necessariamente, envolve renúncias, batismos, atos divinos. Ser pai é antes de tudo um exercício de prazer. De desenvolvimento intelectual e moral no maior grau que um homem pode experimentar. De intervenção benévola no mundo.
Achei bom ser pai dos meus quando ainda eram crianças e acho melhor ainda sê-lo agora quando estão, transitoriamente, na fase mais inquietante da vida, adolescência. Fico muito grato ao universo por tê-los posto em minha vida e, principalmente, por que eles em nenhum momento cometeram o erro de cálculo de crer que viveriam melhor sem mim. Sem minhas cobranças, minhas repreensões, minha chatice e, sobretudo, minha amizade. Ao contrário, é nesta fase mais crítica que parecem mais perto. E fico muito vaidoso disso.
Este dia dos pais é o meu primeiro sem meu pai, que fez a passagem deste plano há três meses. Meu pai, infelizmente, não descobriu o valor deste ofício. Bom operário. Homem disposto. Trabalhador. Não gozou dessa benesse. Não gozou do prazer de agasalhar. De matar a fome. De passar uma noite em claro zelando por um filho doente para, ao amanhecer, receber um sorriso de gratidão impagável. De acompanhar o rico mundo de um ser que está em formação todo o tempo, o tempo todo. Ainda assim, me fez e faz falta. Pai faz falta.
Pai tem e precisa usar do seu poder para semear valores verdadeiros. Para ensinar a caridade e desestimular o consumismo banal. Pai tem que orientar suas crias a se defender do mundo sem ter que arrastá-los pela mão a vida inteira. Pai é para encorajar os filhos a se tornarem autônomos. Para cuidar da higiene interna dos seus filhos. Mostrar-lhes que eles já vem prontos e não precisam de estímulos externos para serem aceitos e bem quistos. Precisam ser apenas quem e o que são. Pai é para estimular a verdade, muito embora saiba que ,muitas vezes, dizer a verdade dói. Pai é para incentivar a autoconfiança. Para aumentar a autoestima. Para respeitar o direito a alegria e a tristeza de seus filhos. É dever do pai dar mais que instrução. Dotá-los de armas contra a exclusão, o preconceito. Pai é transitar na mais completa dualidade humana. Ser duro e terno. Ser bom e exigente. Ser flexível sem "dar mole". Encorajar, mesmo que tenha medo do filho se esborrachar.
Pai tem medo. Medo de não dar conta. De não estar pronto para as demandas. De não ser competente na formação dos indivíduos que pôs no mundo. De falhar na comunicação. De se deixar corromper emocionalmente. Isto é o que faz do ser pai algo de tão grande fascínio. Fico feliz de poder estar vivo hoje, neste momento do mundo, onde muitos tabus se quebraram, e poder não ter vergonha de vir a público externar a minha felicidade.
Aos pais, eu peço que não percam a oportunidade de desfrutar desta sublime arte. Aos filhos, principalmente os meninos, que não exijam eficiência máxima desta figura emblemática. Pais são homens, falíveis, suscetíveis ao erro e que estão, constantemente, aprendendo nesta troca que é conviver com vocês.

domingo, 2 de agosto de 2009

À VONTADE (do futebol ao samba)


Há tempos que eu quero escrever sobre esta questão. Nosso acanhamento nordestino. Nossa dificuldade em fazer frente ao sudeste do Brasil, mais especificamente Rio e São Paulo. Parece algo vinculado à baixa autoestima. Isto se dá no campo dos negócios, no campo das ciências, no campo cultural, no campo dos esportes.
Eu muito embora, ainda atue como um homem de negócios, sou apaixonado por futebol e por samba e dentro destes, talvez, eu encontre as maiores evidencias do que quero ilustrar.
Mesmo quando eu era criança, ficava irritado com os times daqui da Bahia, meu Bahia e mesmo o outro, pois a rivalidade pra mim só vale localmente, com seus esquemas tímidos quando saíam para jogar fora da nossa região. Assisti muitas partidas onde tínhamos um time competitivo e perdemos, uma grande maioria de jogos, pelo medo de se portar como “gente” grande. O Esporte Clube Bahia, nos anos setenta e oitenta, sempre conseguia montar times com bom elenco, diferente da sua situação neste novo século onde cada ano o quadro é pior que o antecessor, mas que sempre que se defrontava com os chamados grandes do futebol brasileiro, se revestia de um humildade excessiva, de esquema táticos que de tão defensivos já iam para campo encurralados, naturalmente fadados à derrota. Faço uma ressalva para, o time do Bahia de 1988/9, capitaneado pela sutil elegância de Bobô, este sim um sujeito arrojado, que peitou a todos e chegou onde chegou. Historicamente, fala-se muito do time de 1959, mas este eu não ainda não era nascido.
No campo da música, vou me deter ao samba, que é onde transito, logo, excetue-se deste contexto os então poderosos do Axé, tem uma coisa que tem mexido comigo desde o dia em que fui a um show de uma boa cantora local, num pequeno teatro de Salvador, e me deparei com um espetáculo que tinha tudo para ser excelente, mas que não o foi por duas razões: o público presente era incipiente e a cantora parecia sentindo-se fora do seu habitat. A sensação com que eu saí era de que o público de samba de Salvador, que é muito grande, haja vista o crescimento “astronômico” dos blocos de samba no Carnaval, não se acha digno de frequentar e introduzir o nosso mais genuíno produto musical nos teatros. Durante alguns meses, fiquei pensando sobre esta questão. Sobre o que nos inibe. Não cheguei a uma conclusão que não seja este senso de inadequação provocado pela nossa baixa autoestima. É como se o samba que é gênero maior, cuja a base de sua existência foi construída aqui, graças a nossa ancestralidade, não tivesse espaço, como grande espetáculo que é, nos palcos “nobres” desta cidade.
Acolhemos, comparecemos, pagamos caro para assistir atrações do “sul maravilha” , expressão pela qual tenho verdadeira ojeriza, mas não nos sentimos à vontade, de pagar preços módicos para prestigiar ao samba local, quanto mais para promover eventos. Quando falo de samba não estou me referindo a este movimento de pagode, de letras chulas, pornográficas e harmonia paupérrima. Posso e tenho propriedade para elencar uma série de compositores (as) que sabem compor e fazer sambas, que nada ficam devendo aos que nós “importamos”, que não sobressaem graças a uma mídia interesseira a serviço das grandes companhias e do dinheiro fácil.
Penso que está na hora de entendermos que quando um cálice está pela metade, ele não está meio vazio. Ao contrário, se a gente conseguir perceber que ele está meio cheio e que esta metade contém algo de qualidade, independente de quantidade, começaremos a rever esta postura que vimos adotando secularmente. Somos imensamente duros e exigentes com os nossos e altamente condescendentes com os que vem de fora. Poderia até fazer ilustrações diversas sobre isso, mas não me deterei. O objetivo é que comecemos a rever estas questões. Que valorizemos aquilo que temos, elogiando criticamente, valorizando a nossa herança cultural, que é sem dúvida a mais original, não entregá-la de bandeja. Acreditemos mais em nós mesmos.
Durante mais de um século,temos nascido aqui e vamos crescer na terra dos outro, o samba é só um exemplo,jogadores de futebol extremamente talentosos, só tiveram seu trabalho reconhecido quando saíram daqui. Alguma coisa está fora de ordem. Somos a terra da felicidade.Felicidade pra quem?
Só com autoestima alta, com empreendimento, torcendo pelo sucesso uns dos outros, apoiando-nos, que seremos realmente um povo melhor. Chega de repetir os mesmos círculos.Nossa vocação é ser feliz e ajudar o nosso igual, aquele que está ao nosso entorno, a sê-lo.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

MITOS DE UMA ADOLESCÊNCIA


A semana passada foi marcada pelo trágico desaparecimento, deste plano, de dois ícones da minha adolescência. O pop star Michael Jackson e a belíssima, no ponto de vista do menino, atriz Farrah Fawcett. O primeiro dispensa apresentações e continua, passada uma semana, sendo o grande mote da mídia mundial e ainda será por algum tempo. Como todo adolescente dos 70’s, eu não era diferente, amava-o num misto de admiração e inveja. Todos os meninos da minha geração, negros ou não, nem que seja pelo um menos uma vez, nutriram este sentimento. Meu fascínio pelo artista perdura agora e perdurará por todo o tempo. Poucos encarnaram a figura de um astro como ele. Talentoso, inteligente, criativo, completo. Como ninguém é perfeito, a figura do cidadão, que para nós, principalmente os negros, poderia ser uma legenda para muitas gerações, ficou ofuscada pelo fraqueza de espírito e a renúncia à sua ancestralidade. Michael, aos olhos de muitos, renegou, transgrediu, subverteu os valores da sua raça na busca de se sentir e ser aceito. Isto pode ter lhe custado um alto preço. Não o julgo, consequentemente não o culpo. Acho que em algum nível, a nossa geração, onde uma certa quantidade de negros passou a ascender socialmente, este medo de não ser aceito era algo muito marcado. Eu cansei de ouvir de parentes: nós somos pobres, feios e pretos temos que procurar o nosso lugar. Empreender, Vencer, Poder, Brilhar, NÃO faziam parte do nosso vocabulário.Crescíamos e vivíamos, enquanto muitos morreriam, sobre o paradigma de sermos inferiores. Não posso afirmar, mas , às vezes, tive a impressão que todo este processo de desfiguração pelo qual o Michael passou, em parte, é norteado por esta abordagem. Li certa vez, que o próprio pai dele o insultava quando criança pela sua aparência, chamando-o de “feio”.
Eu, próprio, quando criança, me sentia muito incomodado com esta sensação de inferioridade. Na minha classe tinha um garoto branco de classe média alta, cuja performance escolar e comportamental não eram ruins, mas não chegavam perto das minhas, porém era ele paparicado por todos: professores, auxiliares de disciplina, coordenadora, porteiro.Sem sombra de dúvidas, houve momentos que desejei estar no lugar dele.
É nesta parte da “história” que entra Farrah Fawcett. Farrah representava, na minha adolescência, meu melhor referencial de mulher: branca, charmosa, esguia, loira, cabelos lisos, dentes perfeitos, olhos verde-azulados. Ela fazia parte de Os Anjos de Charlie (As Panteras). Não saberia recordar uma história da série, mas posso assegurar que não perdia um episódio para ver Jill Monroe, sua personagem, em ação. A mim, bastava ver aquela mulher quase deusa, anjo mesmo, que me encantava e enchia minha cabeça de fantasias...Nesta época, inconscientemente, tinha uma baixíssima autoestima e só via afirmação através do meu sonho de ser rico e ter uma mulher como ela. No meu pensamento de menino de 12 para 13 anos, pobre, preto e “feio”, esta seria a chave para ser aceito socialmente quando homem adulto me tornasse: trabalharia incansavelmente, ganharia muito dinheiro e teria uma “pantera” igual àquela ao meu lado.
Coincidência, ou coisa do destino, ela ter partido no mesmo dia que Michael. Farrah, apesar de já desenganada, fez a passagem quase que despercebida, foi vitimada de uma das mais atrozes doenças, de todas que a humanidade experimenta, e ao mesmo tempo a mais democrática e justa. Uma doença que não elege idade, cor da pele, posição social, menos ainda aparência física, antes, e em geral, esta particularmente definha junto com o paciente. Pra ser sincero, já não lembrava dela, foi a trágica notícia que me trouxe à memória, já não tão eficiente, a lembrança desta fantasia. Cabível na cabeça de um menino, ficou aonde deveria ter ficado, no passado de alguém que não precisou pular etapas, foi encontrando gradativamente seu lugar e seus reais valores. Arrisco o palpite de que Michael não teve esta mesma sorte. Morreu subitamente. Viveu num mundo de fantasia, embora só lhe fosse permitido fantasiar no palco, onde, sem sombra de dúvida, foi genial e único. Na vida, não deixaram-no ser criança, logo também não conseguiu ser adulto, percebe-se que entre uma fase e outra constituiu-se o abismo. Tão ilhado no seu universo não observou se quer as mudanças do mundo. Assim como o câncer que consegue atingir a qualquer pessoa, Michael não se deu conta de que todos alcançamos também o direito à liberdade, à prosperidade, ao estrelato e a sermos nós mesmos. Alcançamos o direito cidadão de ir e vir, sem curvar a cabeça ou se transmutar. Descobrimos nossa própria beleza, reforçamos nossa identidade racial e tornamo-nos reconhecidamente agentes de mudança social.
Sim, nós podemos, Michael. Podemos muito mais. Só não poderemos preencher a lacuna que se criou com a precoce extinção do seu inigualável talento em fazer a Terra balançar, cantar e dançar.

Velocimetro RJNET

sexta-feira, 26 de junho de 2009

De PARACURU/CE a IRARÁ/BA (Lições de Civilidade e Cidadania)


Se eu tivesse escrito este texto alguns dias atrás, ele teria a mesma conotação, mas seria ilustrado por um único exemplo. É muito bom a gente se ver de fora do círculo.Vou dizer o porque. Tinha eu acabado de retornar a Salvador , vindo de Paracuru, Ceará, onde fui realizar um trabalho e passei dezoito longos dias. Digo longos, não por que fossem entediantes, mas simplesmente pelo fato de, ao me desconectar do ritmo frenético que levo aqui, comecei a me dar conta da sensação de que a vida pode ser tocada num ritmo mais lento. Em Paracuru, acordava cedo, tomava café cedo, ia trabalhar, cumpria uma jornada de oito horas, voltava a tempo de caminhar na praia, prosear com as pessoas do lugar, jantar, ir a uma lan house ler e-mails e ainda conseguia dormir cedo, por volta das 22 horas. Horário que só experimento, quando em “casa”, em caso de estar doente.
Paracuru é uma cidade linda. As pessoas detêm uma naturalidade singular. Desprovida desta malícia e falta de educação próprias de cidade grande. Só para ilustrar o que digo, cito o motorista do táxi que elegemos para nos conduzir. Ele, travava-nos por “minha joia”, sem nenhuma preocupação de ser mal interpretado, de ter sua sexualidade questionada ou discutida, muito pelo contrário, dando uma lição de consciência da importância que seu cliente tem. Ao tratar-nos assim, ele não só nos fidelizou. Mais que isso, demonstrou que nós que vivemos teorizando, treinando, fazendo workshop, na prática, não sabemos nada de qualidade e satisfação. Carregamos tantas máscara e papéis, que a gente incorpora na “civilidade”, que não nos permitimos viver o simples, o humano das relações. Quem por mais “brucutu” que seja, não quer ser tratado como uma joia ao requerer um serviço? Seja este qual for. Em Paracuru, as pessoas atendem bem por excelência, de muitos estabelecimentos que necessitei frequentar, apenas uma única vez não fui tratado com a devida deferência que merece o consumidor. Mas constatei, com o passar dos dias, que tratava-se de uma exceção.
Por falar em civilidade, Paracuru é uma cidade muito limpa. Não que o serviço de limpeza urbana seja algo de ponta. A consciência das pessoas é que é desenvolvida. Vi, lojistas varrendo a porta de sua loja, e o entorno dela, ao fim do dia, antes de fechar seu estabelecimento. As pessoas comuns varrem suas portas e recolhem o lixo, não deixando ir para a sarjeta entupir os bueiros...
Comecei o texto dizendo do quanto é bom a gente se ver de fora do círculo em que estamos inseridos. Vou tentar justificar. Há uns poucos anos adotei, como minha segunda cidade na Bahia, a cidade de Irará. Nunca achei motivos razoáveis para isso, mas me afeiçoei por esta cidade e como desenvolvi amizades , sempre que me dou conta já estou a caminho de lá.
O fato é que até conhecer Paracuru, nunca tinha me apercebido de como e por que Irará me cativou. Com exceção do mar lindo de Paracuru, Irará tem todas as qualidades desta primeira. Engraçado que eu precisei ir tão longe para me dar conta disso. A única coisa que divisa estas cidades é que a Geografia fez de uma litorânea e a outra não. Irará é uma cidade gentil com quem chega. É igualmente limpa. As pessoas são cidadãs. Como em Paracuru, nunca ouvi ninguém falando mal da sua cidade. Até a queixa que ouvi em uma é a mesma da outra: falta de emprego. Nos mais, não há queixas, se há, lavam a roupa suja dentro de casa.
Passei o São João em Irará e quando acordei no dia seguinte à festança, a cidade estava limpa a despeito de ter tido bloco na rua até próximo das 23 horas e de ter chovido muito no dia 24. Presenciei as pessoas juntando os resíduos de suas fogueiras e cuidando da parte que lhe cabia da via pública com o mesmo cuidado de quem cuida do seu quintal. As pessoas traziam um semblante leve de quem aproveitou a festa, mas a consciência de que a vida continua. Tudo tinha voltado ao normal. Os serviços, a gentileza, a simplicidade, o lugar.
Desejei que Irará, assim como Paracuru, permanecessem no atual estágio. Que não "involuíssem" querendo ser como as metrópoles. Pois estas estão humanamente falidas.


"Menina , amanhã de manhã
Quando a gente acordar quero te dizer
Que a felicidade vai desabar sobre os homens
Vai, desabar sobre os homens
Vai, desabar sobre os homens..."

(Tom Zé / Perna)

sábado, 6 de junho de 2009

PARACURU, 06 de junho de 2009.


Há dias que não escrevo. Estava ainda tomado pela emoção de ter realizado um sonho, quando, abruptamente, me vi levado a viajar para um destino que que até então ainda não tinha passado pelo meu pensamento sequer a existência. Estou em Paracuru, no Ceará, ainda meio aturdido pelas circunstâncias e muito mexido por querer saber as razões pelas quais a vida me fez vir parar aqui.
A cidade é linda, litorânea. As pessoas são hospitaleiras e gentis. Recebem infinitamente melhor do que recebemos hoje na Bahia. Lembra uma Bahia da minha infância, que não existe mais.
Parti num sentimento só. Queria ter trocado algumas ideias com minha professora de canto, que eu amo de graça, sobre meu desempenho no show. Queria curtir os comentários, lindos e generosos, dos amigos que me assistiram e entre surpresos e felizes, me escreveram parabenizando e inflando meu ego. Queria esperar por minha afilhadazinha linda, que se encontrava em Irará, para me despedir, cobri-la de beijos e rir das suas estripulias. Minha filha, estava vibrante com o show e toda cumplicidade. Por que tive que sair asim do prazer? O que preciso aprender ainda sobre isso? Eu que nunca me permiti senti-lo.
Daqui donde estou, tive que desacelerar. O ritmo não é nem um pouco frenético, não há engarrafamentos, nem sirenes da Samu soando o tempo todo na Av. Paralela. Nem mesmo o trabalho que vim desenvolver, anda... As mulheres-meninas sorriem num misto de flerte e curiosidade, numa terra onde negros são escassos. Sujeito-me até ser chamado de "moreno", pois sei que não o fazem por mal. Estão apenas desacostumados a esta negritude latente e assumida que de mim aflora e é legítima de onde eu vim.
Anteontem, foi aniversário de minha mãe. Fiquei triste. Estamos vivendo o melhor de nossa relação e não desejava passar seu ingresso na melhor idade longe dela. Paro, penso, sofro um pouquinho. Não troquei com meu amigo, que me dirigiu, as devidas considerações. Não rendi a ele a devida gratidão e vim embora para Paracuru. Não recolhi as fotos que mandei fazer e vim para Paracuru. Nem reverenciei minha amiga psiquiatra, tão responsável por mim.
Fosse para Passárgada e todo mundo, inclusive eu, entenderia...
Aqui não sou amigo do rei, nem conheço o prefeito, aliás não conheço ninguém, sigo em busca de resposta. Eu tão afeito à solidão do meu lar... Reluto contra ela neste momento, infinitamente, cheio de abismos e de falta de sentido.
Escrevo como que num apelo: imprescindivelmente, me diga alô... Poste um comentário... Diga que sente saudade de mim... Faça-me sentir qualquer emoção.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

O ABRAÇO DE MÃE

A cada fase da vida, vamos cortando e refazendo o cordão umbilical. A cada nova fase, uma nova perda e um novo ganho, para os dois lados, mãe e filho. Porque o amor é um processo de libertação permanente e esse vinculo não para de se transformar ao longo da vida.
Até o dia em que os filhos se tornam adultos, constituem a própria família e recomeçam o ciclo. O que eles precisam é ter certeza de que estamos lá, firmes, na concordância e na divergência, no sucesso ou no fracasso, com peito aberto para o aconchego, o abraço apertado, o conforto nas horas difíceis.
Pai e mãe - solidários - criam filhos para serem livres. Esse é o maior desafio e a principal missão. Ao aprendermos a ser desnecessários, nos transformamos em porto seguro para quando eles decidem atracar. (Marcia Neder)



















Por diversas vezes na adolescência, desejei me emancipar para me livrar da “tirania” exercida pela minha mãe em minha vida. Dizia para mim mesmo que iria crescer, sair de casa e conquistar a minha “independência” sem que tivesse que ouvir: “ faça isso, não faça aquilo; isso pode, aquilo não”. Minha mãe era, naquele tempo, uma mulher que coibia minhas atitudes só com o olhar e, se por um lado isso me freava, muito me enfurecia. Houve um período em que nossa relação foi muito difícil...
Lembro que ela não nos abraçava, não sabia carinhos gestuais. O medo de demonstrar fraquezas era tão grande, que seu carinho se resumia em nos manter “bem comportados”, asseados (extremamente limpos, ainda que na roupa puída que quase já não dava na gente) e alfabetizados. Ensinou o alfabeto, a gramática normativa e todas as operações matemáticas a seus filhos, antes de irmos para escola.
O tempo, pródigo e senhor de todas as coisas, deu-me sabedoria, foi me ensinando a compreendê-la, até que certo dia, não lembro em qual episódio, comecei a me dar conta que por trás daquela austeridade, havia uma mulher que morria de medo. Medo dos filhos se desvirtuarem na vida, medo da responsabilidade de educar cinco filhos sem pai, medo da pressão que a sociedade impunha a uma mulher separada, medo de ter que sair para enfrentar o mundo do trabalho depois de anos sob o subjugo de um homem que não lhe permitia ganhar seu sustento... Medos... Medos. Essa era a minha mãe...
Se minha ideia no início era cair no mundo, o próprio mundo foi me trazendo para perto dela... Casei, separei, fui morar em casa separada e a vida nos tornando mais próximos, se é que estivemos separados em algum momento.
Com o tempo fui quebrando o gelo e fui reconstruindo nela o jeito de abraçar, fui me aninhando devagar para que ela me desse colo, quando, por diversas vezes, eu fiz “merdas” e me socorresse das dores que o mundo causa e que só o abraço de uma mãe pode curar.
Atualmente, fico muito feliz quando a vejo transitando pelo afeto, hoje muito menos rígida, com minha filha e seus outros netos, de sangue ou não. Fico bobo de ver como ela se deixa envolver e se comover com eles, abraçá-los e declarar verbalmente seu amor...
Amo demais essa mãe e, com a base na religiosidade que com ela aprendi a exercitar, oro todos os dias por ela e ela por mim, tenho certeza. Reivindico seu abraço em todas as oportunidades para que não tenhamos no que nos arrepender quando partirmos deste plano.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

DIVINA MAJESTADE

Este é meu primeiro texto com imagens de vídeo. E talvez bastassem as imagens, pois elas falam por si. Eu nasci no ano do Bi. 1962. Acho que em pouco mais de quatro anos, já desenvolvia a minha paixão por este bólido esférico que me encantava (encanta a até hoje) e atrás do qual eu corria tentando dominar, sem conseguir. Se conseguia alcançá-la, agarrava-a entre os braços, como se abraça uma amante. E ela era. Uma amante tão especial que em 1970, uns meses depois da conquista do Tri, fui atropelado por um Fusca, quando ia para a praia com uma tia, e nem o choque do carro e as raladuras provocadas pelo asfalto nos meus pontiagudos joelhos e cotovelos me fez abandoná-la. Aço que morreria abraçado com ela. Sorte que em 1970, os Fuscas andavam a 30 ou 40 km/h. Sorte grande que me permitiu viver esta paixão o resto da minha existência. Foi ela quem me proporcionou alguns dos momentos mais belos da vida. Conheci suas manhas, sua intimidade, o gosto de bater nela. Bem na cara. Aprendi a compartilhá-la com os seus outros também admiradores. Muitos dos quais invejei por tê-la conseguido dominar com precisão cirúrgica. Com maestria. Com a flexibilidade de um bailarino e executaram com ela um verdadeiro balé. Pintaram quadros belíssimos que ficarão na minha mente ainda que eu viva 200 anos. Conheci muitos dos santuários onde ela virou deusa e forjou ídolos eternos. Onde ela nos fez regredir a meninos, mesmo aqueles cujos cabelos já teimavam em querer ficar brancos. Ela é soberana. Caprichosa. Permite o máximo de intimidade a poucos. Faz com que os demais ainda que a invejar estes poucos, por serem quase divinos, os reverencie. É a magia dela quem faz isso. Faz a gente se arrepiar. Se alegrar. Se emocionar numa catarse coletiva. Gritar: Gol! Qualquer um, em qualquer lugar deste planeta, conhece esta linguagem. O planeta é dela e, nós, súditos deslumbrados, continuaremos a sobreviver a atropelos, tristezas, rompimento de núpcias, a tudo. Em nome do imprevisível. Em nome da plasticidade. Em nome da dança. Em nome da utopia. Em nome do fenômeno. Em nome dos momentos de majestosidade a que ela nos remete.


terça-feira, 7 de abril de 2009

A IMAGEM ATRAVÉS DO ESPELHO


"Toda imagem no espelho refletida
Tem mil faces que o tempo ali prendeu
Todos tem qualquer coisa repetida
Um pedaço de quem nos concebeu(...)"
ALÉM DO ESPELHO
João Nogueira e Paulo César Pinheiro



Acredito que, só agora, me acho pronto para te escrever. Do ponto de observação onde me encontro, posso me reconhecer e te enxergar, objeto criado a partir de um lugar onde a distância entre mim e ti se equivalem e se refletem. Somos quase iguais. Você tinha paixão pelo mar e eu respeito e temor. Você só sabia cantar uma música, eu as componho aos montes. Você torcia pelo Ypiranga, eu sou Bahia. Você não gostava de crianças, elas tiravam-lhe a paciência, e  eu me valho do sorriso, da balbúrdia e do frescor delas para dar sentido a minha alguma alegria. Nossas semelhanças não cessam aí. Você nunca foi afeito ao diálogo; eu oral de demais. Para cada grito seu, transformei minha voz em balbucio, tremi e, por vezes, me senti a mais insegura das pessoas.


Em pouco tempo, me fiz mais que sua imagem, assumi seu papel, quando agistes como menino, não assumindo a família que constituístes. Coube a mim, menino, virar o "homem" da casa. Carrego, em algum nível, esta responsabilidade até hoje. Parece que se tornou perene à minha natureza, cuidar, zelar, dar amor. Acho que é por isso que eu te amo tanto. Foi na falta, na inversão da imagem que construí o que sou. Amo-te por que não sou melhor nem pior que você, talvez nem mesmo seja diferente. E amo porque agora no fim, pude perceber a sua humanidade e a fragilidade de ser só, igual a todos os homens. Amo-te não porque te vi chorar de dor, mas por que te vi chorar e não preciso mais sentir vergonha de chorar na frente de um filho, seja de alegria ou de dor. Amo-te pela referência antitética de não lhe ter aprendido o modelo e por esta razão saber perdoar. 

Existe uma lei no estudo da ótica que diz que para cada ponto do objeto será criado um ponto imagem equivalente atrás do espelho. Hoje, sou menos orgulhoso, mas ainda sou. Tenho o joelho inchado como o seu. A tua calvície. O lábio grosso e um nariz nem chato, nem "afilado" como o seu. Trago seu nome. Trago o hábito de acordar cedo qualquer dia da semana e a coragem para trabalhar. Muito embora, não entenda qual a vantagem em se trabalhar tanto...

De acordo com as leis da Física sobre reflexão para espelhos planos, a distância com relação ao espelho de cada ponto do objeto será igual à distância do seu ponto imagem ao espelho. Deste modo, concluo que fomos distantes o bastante para nos ver refletidos um no outro. Diz a Física, também, que a imagem refletida em um espelho plano tem o seu lado direito trocado com o esquerdo, isto é, existe uma inversão direito-esquerdo. Olhando por este prisma, acredito que cumprimos nossos papéis. 


Eu ainda tenho algumas culpas a expiar, enfermidades a curar no meu espírito, neste plano de desenvolvimento talvez, mas tenho a certeza de que até agora tudo valeu. Valeu muito ter você nesta vida. Até logo. Até breve. Quem sabe teremos a oportunidade de outra passagem por este plano,ou em um outro, onde não precisemos inverter os papéis. 

Siga em Paz. Muita Luz!

sábado, 28 de março de 2009

CARTA DO AMOR SEM FIM


Dedico este texto a Samila Marina e Nara Martins*, que nem soteropolitanas são, mas encarnam a “cor” da cidade.

Agora quando fazes anos, aproveito para reiterar o meu amor. Amo-te desde criança e é agora como homem que mais te desejo amada, liberta e digna de seres possuída por mim. Fosse possível, eu te beijaria toda, cada artéria, cada, cada curva, cada fio de cabelo. Diria cara a cara, amo-te perdidamente. Teu jeito eternamente jovem. Teu colo acolhedor. Amo-te patética e anonimamente. Possuo-te só em me reconhecer parte de ti. Incesto. Platonismo. Amo-te, ainda que senhora, mesmo na certeza que já não a desnudaria como fizera quando era mais moço. Talvez nem saibas, mas assumes o comando de minha vida através deste teu encanto e magnetismo e, muito embora, eu tenha conhecido outras, é sempre pra teus braços que eu retorno. És linda, cheia de mistérios, cheia de luz e detentora de um carisma inigualável. Agora que  conheço algumas estrangeiras, tenho certeza que como tu não existe. Talvez por isso os gringos te assediem veementemente e morro de ciúmes. Deve ser por conta desta negritude linda que possues, generosa, farta, de boca carnuda, cabelos em pé, tua naturalidade e tua fertilidade. Nem preciso falar do teu cheiro. Tuas indumentárias. Tua elegância, meio desastrada. Ah! Como tudo isso representa teu modo de vida. Quando jovem, perseguia-te em busca do prazer e da luxúria, hoje busco em ti o conforto de tua casa. A tua sobriedade e tua tão imensa capacidade de te renovares.

Lógico, que sei que nem tudo são flores na tua existência, como todas as outras, também tens tuas feridas, teus queixumes, tuas mazelas, tuas lamúrias, caprichos. Mas quem não as tem? Teu espírito superior te permite ir driblando os infortúnios e criar teus filhos na alegria e na grandeza. Tua fé é enorme, espiritualizada, segues cultuando teus orixás com sabedoria, zelo e devoção. Tenho certeza que eles te abençoam. Tenho certeza que são eles que te fazem tão guerreira, tão batalhadora e, ao mesmo tempo, tão hospitaleira, gentil e nobre...

Agora quando fazes anos, aproveito para reiterar o meu amor. Amo-te mesmo quando me golpeia. Quando te entregas em mãos erradas e eu tenho que assistir a tudo passivamente, imobilizado e sem voz. Amo-te ainda quando és dura com teus filhos. Contudo, sei que os quer bem, que os impulsiona e quer dar-lhes o melhor. A tua casa é a nossa casa. É onde me encontro e me identifico. Teus guias são meus guias e são eles que me ajudam a seguir, prosperar, viver. Se em outros momentos fui de outras, conheci, me enamorei, hoje sou completamente teu. Celebro tua existência como quem celebra a própria alma. Celebro com tuas bebidas, com teus quitutes, teus aromas, tuas entidades, teu axé. E te afirmo com toda certeza que, esteja eu onde estiver, meu amor será sempre teu. Quando não mais vida tiver, a ti quero entregar minhas cinzas. E enquanto vivo, seguirei vivendo, soteropolitanamente, o amor do qual me constituo, o amor que tu és.

*Nara Martins, na verdade, é soteropolitana e nasceu na Maternidade Sagrada Família no bairro do Bomfim.


domingo, 8 de março de 2009

MULHER...MULHER...MULHER


Tudo me cativa na mulher. Mulher pra mim não tem idade, etnia, estatura, posição social, estado civil. São simplesmente mulheres. Adoro seus cheiros, hábitos, hálitos, perfumes, olhares, a pele de seus corpos, a respiração. Adoro seus mistérios. Sim, toda mulher é um mistério a ser desvendado. Cheia de enigmas, mapas, charadas, humores e surpresas, algumas se tornam indecifráveis.
Uma boa parte da minha vida, minhas melhores companhias têm sido as mulheres, sejam como amantes, sejam como amigas, alicerce, confidentes, ouvintes e, às vezes, tudo junto. Penetrei o coração de muitas, assim como em seus corpos. Varei noites filosofando. Fiz sambas e poemas de amor. Velei seus sonos em contemplação. Dei até conselhos e não as conheço.
A mulher é feita de uma substância diferente, parece frágil e tem a resistência que nós não temos, sua firmeza é muito mais firme e não bruta. Sua matéria tem propriedades não especificadas. Ou será sua alma?
Levamos séculos para entender a inteligência emocional, coisa que as mulheres sempre demonstraram e, sobretudo, exercitaram.
Tudo me cativa na mulher, mas já que não posso desvendá-la, prefiro amá-la, vou curtindo seu sorriso, suas curvas, sua presença, carícias, sobriedade, chiliques, seu poder de nos amedrontar, mesmo as indecisas. Sua capacidade de seduzir e nos reduzir a cavalos. Pena que, muitas vezes, cavalos monogâmicos...
Em meio a tudo isso, desfaço-me de todas as metáforas para dizer literalmente: eu não vivo sem você.
No fundo, acho que mulher tem muito de Deus. Um ser envolto de questões sem respostas, mas que a gente ama e não passa sem sua presença em nossas vidas.

Que seus dias sejam todos!

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

QUANDO BATE UMA SAUDADE!




















Há anos que não conseguia sentir saudades de um carnaval. Desde que me entendo por carnavalesco, só me abstive de participar do carnaval num ano em que um amigo querido, do fim da adolescência, faleceu e eu mais seis amigos pactuamos que não brincaríamos naquele ano. Fomos pra Ilha de Vera Cruz. Eu com o coração dividido entre a palavra empenhada e o desejo de brincar, lembro-me que quando não aguentei mais, os convenci a retornar e ainda aproveitei o que me foi possível daquele “último dia”. Vale lembrar que até meados dos anos 90, o carnaval acabava na terça-feira, mais tardar às seis horas da matina da quarta quando as igrejas começam a badalar os seus sinos anunciando a Quaresma e os trios da Praça Castro Alves batiam em retirada. Naquele tempo éramos todos, pelo menos os carnavalescos, católicos praticantes ou não, mas respeitávamos os ditames da igreja católica. Isto me lembrou um fato interessante da minha infância, única vez em que apanhei da minha avó materna, quando numa manhã de quarta-feira de Cinzas, eu insistia em usar uma máscara de papelão, em total desrespeito aos valores de uma avó amorosa e que me enchia de vontades, mas que não admitia que ninguém tripudiasse sua crença. Não deu outra: caí no "sarrafo".

Ao longo deste tempo, eu assisti o nascimento dos blocos afro, a decadência dos blocos de índios, o surgimento do macacão e depois do abadá, o fim da mortalha e do Bloco do Jacu, para mim a manifestação mais legítima que existiu no carnaval da minha mocidade: “Ele não tem corda por que tem coração, cabe todo mundo pra brincar no seu cordão (...)”. Ah! Jacu...

Em 1992, não havia ainda carnaval na Barra. Naquele domingo, eu e mais alguns amigos armamos uma brincadeira e ficamos subindo e descendo do Farol para o Cristo e vice-versa, cantando sambas e marchinhas antigas e arrastando o pessoal que fez a opção de não ir ao centro da cidade. Neste mesmo dia, apareceu um fusca velho com umas caixas de som em cima e uns caras com uns timbaus tocando e cantando. Como não tínhamos como competir, nós ficamos alternando, quando os caras subiam a gente descia, até que ficou insustentável e escolhemos um bar numa rua entre a Marques de Leão e Afonso Celso e ficamos brincando até cansarmos. No ano seguinte não saímos mais, pois estava instituído o carnaval da Barra. Quanto aos caras dos timbaus, já começavam a ganhar notoriedade, transformando-se num movimento musical que viria a ganhar o Brasil e posteriormente o mundo.

No meado dos anos 90, começaram os primeiros sinais de que o carnaval espontâneo não mais teria vez. Os empresários descobriram o veio comercial desta manifestação, as emissoras de televisão idem e começaram a forjar seus ícones, privilegiados e milionários (são eles que ganham muito para mandar dar a volta no trio, mandar bater palminhas, sair do chão e beijar na boca). Começava o investimento financeiro e segregador. Os blocos passaram a ser parte de um negócio onde o folião local começou a ser desprezado, perdendo seu espaço em favor dos que vinham de outros centros mais afortunados ou trazendo moeda estrangeira. Os trios elétricos, nascidos para o povo ir atrás, foram cercados de corda e só passaria a desfrutá-los quem pagasse caro por um pedaço de pano chamado ironicamente de “fantasia”. Assisti a blocos nascidos na cidade baixa, criado por jovens de classe média baixa, segregando e selecionando pessoas pela sua posição social e aparência. Passamos de foliões a cordeiros. Não achando suficiente, criaram os camarotes espremendo o que sobrou da população nativa entre a corda e estes suntuosos estabelecimentos de lazer. O povo levado a reagir a esta violência passou a ser “porrado” pela polícia, que como sempre está a serviço dos poderosos. Tudo em nome do espetáculo!

Vocês haverão de dizer que existem os blocos afro, sim é verdade. Estes desfilam quando não há mais holofotes, depois que as estrelas já passaram saudando os governantes, anunciantes e representantes da mídia. Depois que os trios potentes, estridentes, luxuosos em recursos tecnológicos, já desfilou aquilo que convém ser mostrado... Tudo asséptico, esbranquiçado e politicamente correto. E eu desgostando do carnaval...

Mas iniciei este texto afirmando que este ano vou sentir saudade do carnaval. Vou desfiar algumas razões. Primeiro, na quarta-feira a Barra estava tomada de bandinhas de grupos espontâneos brincando e promovendo o verdadeiro carnaval folião, onde pessoas dispostas a brincar e festejar se divertiam na mais completa falta de padronização, sem horário, sem hits, nem grito de ordem e ninguém almejando auferir lucros da alegria alheia. Até o grupo cuja ideia era só concentrar, saiu e ganhou as ruas. E lá fui eu com eles. Pessoas de todas as idades e etnias divertindo-se, nenhuma confusão. Na quinta-feira, fui ver o bloco Os Mascarados e me surpreendi com a riqueza das fantasias, descontração, alegria e recuperação da criatividade dos foliões. A corda não comportou tanta inventividade e tenho certeza que no próximo ano não haverá corda, rememorando os bons tempos do Jacu, mencionado antes. Fiquei contagiado pela felicidade das pessoas e a alegria da cantora, que embora midiática, é quem tem a cara mais autêntica do povo baiano.

Para a sexta-feira, eu reservo um parágrafo especial. Em 2000, fui apresentado a O Povo Pediu por um amigo-irmão, naquele ano acompanhei à distância e só no ano seguinte passei a integrar o grupo. Levei meu cavaquinho e fui muito bem recebido. O Povo Pediu tinha tudo que eu entendia de ser folião, estavam todos ali por querer estar, com exceção da camisa nada mais era padronizado, tudo transcorria dentro de uma anarquia positiva e benéfica. Senti-me folião outra vez. Desde então, este passou a ser o meu carnaval. Fiz amigos maravilhosos. Construí laços muito saudáveis. Recebi gestos de afetos imensuráveis. Também divergimos, trocamos farpas, reatamos, mas sempre juntos partilhando do ideal de fazer o carnaval que sai dentro das pessoas. Há dois anos abolimos as camisas padronizadas e optamos em escolher uma padronagem de tecido a partir do qual cada um faz a fantasia ao seu bel prazer como, os mais antigos foliões contam, era no início. Não posso afirmar que foi isso, mas o certo é que se estabeleceu uma nova sinergia que culminou neste ano com um dos nossos melhores carnavais. Cantamos, sorrimos, abraçamos, cultuamos o Deus da folia. Nem a chuva, nem o apagão promovido no Pelourinho a partir de uma hora da manhã, certamente para economizar energia elétrica para os grandes circuitos, ofuscou nosso brilho, nossa felicidade e nossa alegria. Mostramos que ainda é possível viver os grandes carnavais.
Após esta culminância da festa de Momo, ainda tive o privilégio de, no domingo, seguir o trio alternativo da Secretaria da Cultura trazendo três excelentes cantoras, Cláudia Cunha, Manuela Rodrigues e Sandra Simões que desfilaram um repertório muito rico de letras, melodias e ideias com suas belas vozes. Seguindo este trio, tinham umas quinze pessoas, todas felizes e sabendo por que estavam ali e certamente sentindo-se privilegiadas com eu. Não lembro quando segui um trio por toda a extensão do circuito carnavalesco. Surpreendentemente, duas garotas de aproximadamente dezoito anos, que pareciam não ser daqui da cidade, pois não tinha o jeito pasteurizado dos cosmopolitas, seguiram também até o fim e sorriam como sem entender o que estavam fazendo ali, mas achando tudo muito bom. Um senhor solitário e simpático de uns setenta anos sambava ao som de “comigo ninguém pode” com se celebrasse a existência. Em certo ponto do percurso, me ofereceu uma cerveja e disse: Carnaval é isso! Parecia que todos estavam movidos por um mesmo sentimento e cumplicidade, as cantoras, os músicos, a produtora, a fotógrafa, nós foliões. Recebi até convite para subir ao trio, mas eu queria mesmo era me sentir no chão da minha cidade. Cidadão-folião. Fui até a dispersão... Meu carnaval estava completo.
Era o reviver de um amor antigo cujo prazer do beijo permanecera inalterado.