quarta-feira, 26 de agosto de 2009

QUANTO VALE A CAMA?

Caros leitores e leitoras, recebi esta mensagem, oportunamente, quando estava elaborando, ainda em pensamento, um texto que discorresse sobre as impressões que me deixou a tal "Liga das Mulheres". Minha proposta de escrever perdeu a função na medida em que li este texto feliz, da professora Malu Fontes, a quem não conheço pessoalmente, e decidi, ainda que sem sua autorização, postá-lo aqui para que vocês possam analisá-lo e tecer os devidos comentários. Boa leitura. Hafif


Por Malu Fontes
O Fantástico de ontem (9) exibiu o quadro Liga das Mulheres, em que um grupo feminino dá uma da babá eletrônica Super Nunny ao ajudar mulheres adultas a resolver problemas. Pôde se ver o quanto há de idealização nessa lenga-lenga segundo a qual, hoje, as mulheres são livres e fazem o que lhes der na telha. Pudesse hoje voltar ao Brasil e ter a oportunidade de assistir Kátia, a moça paulistana protagonista do quadro do programa nesta semana, Simone de Beauvoir ficaria pasma com a deriva aonde foi dar o desejo das mulheres depois de tantas conquistas.

Kátia, a moça casadoira do fantástico, é um tipo comum, nem feia nem linda, de cultura mediana para baixo, economicamente pendendo para a classe média baixa, dessas que trabalham pesado de segunda a sexta, em um banco, em São Paulo. Tem jeito de quem tem uma vida com algum conforto, mas é do tipo que privilegia a aparência e despreza detalhes que costumam dizer muito sobre quem os cultiva. Sai no mínimo três vezes por semana para as baladas nada baratas da noite de Sampa, tem um carro novinho, vermelho reluzente, quem sabe pago em trocentas prestações, mas dorme numa caminha estreita e medonha, dessas tubulares, de ferro, cor de vinho, sobre a qual repousa um bicho de pelúcia xexelento, muito do vencido para quem já circula entre a terceira e a quarta década de vida.

JACOB DO BANDOLIM - Kátia tem um sonho mais velho do que o das mulheres do tempo em que os homens encheram o saco do nomadismo por perceberam que, se não mudassem o modus operandi de habitação, teriam que passar o resto da vida carregando com seus braços fortes os quilos e quilos extras de quinquilharias que toda mulher que se preza acumula ao longo da vida.. Kátia tem como objeto singular de vida encontrar um príncipe encantado que queira levá-la ao altar, sonho que, segundo ela, vai acalentar até os 40 anos. Ao dizer isso, deixa implícito que, se chegar aos 40 sem encontrá-lo, é fim de carreira. Ou fica com o primeiro sapo que achar, ou dará cabo da vida como mulher. Kátia não é apenas o paradoxo do que a mulher contemporânea adora relacionar ao seu perfil nesse início de século XXI, ou seja, é independente, prende e arrebenta, mas chora todos os fins de semana porque ainda não tem marido. É também um paradoxo em si mesma: quer um príncipe encantado, mas costuma procurá-lo nas noitadas madrugadeiras de São Paulo. Mais fácil que encontrá-lo nesse cenário é ouvir Jacob do Bandolim sintonizando emissoras FM de hardcore.

Como uma mulher urbana na faixa dos 30 anos pode sonhar com um homem que a leva a sério se às três horas da madrugada, conforme se deixou filmar pelo Fantástico, fica gritando no ouvido dos restos humanos masculinos que sobraram trôpegos nos bares frases do tipo ‘eu quero pegar você’, ‘você quer namorar comigo’? E como todas as mulheres chatas, vulgares, rasas, inadequadas ou com bafo de onça, quando deprime um fim de semana e outro também, por solidão, têm na ponta da língua o argumento mais clichê do tabuleiro feminista: ‘ah, os homens se assustam comigo, têm medo de mim, ficam intimidados’. O problema é que o susto masculino pode ser ambíguo, ambivalente e seria bom as mulheres levarem isso em conta. Há sustos e sustos, medos e medos, dependendo da categoria de poder que determinada mulher tenha. Há mulheres que assustam mesmo, pelo poder que têm, seja intelectual, de sedução ou financeiro. Mas o que há de moçoilas que assustam por sua inadequação, burrice e vulgaridade... Então, ficou combinado que mulheres que ficam sozinhas é porque são bacanas demais e por isso assustam. Ah, tá. Se pensar assim consola, melhor.

A primeira coisa que Kátia precisa evitar é falar errado. No primeiro dia de quadro soltou algumas pedradas intoleráveis para quem se candidata a um príncipe no horário nobre nacional. Também pudera. A moça tem em casa uma bancada de maquiagem suficiente para maquiar todo o elenco anual de uma companhia de teatro kabuki japonês, mas não se vê em nenhum cômodo ou nos móveis amarelo ovo envernizado nenhum objeto parecido com um livro. Tem um vocabulário primoroso. Diz que nos últimos casamentos que fez pegou todos os ‘buqueres’ (sim, referindo ao bouquet das noivas) e que não gosta de ficar com homens que querem ‘tchutchucar’ (sic). Sim, significa isso mesmo que o leitor imaginou.

NOTA À CAMA - Depois que as pessoas começam a apelar para que a TV lhe dê uma cama, no sentido de uma vida sexual em forma de namorado, parceiro ou príncipe, o fundo do poço é o limite. Bons tempos em que Sílvio Santos promovia encontros engraçadinhos kitsch com seu Namoro na TV. Agora, mulheres como Kátia, com cara de Bridget Jones da classe média baixa paulista, que se deixam filmar chorando abraçada a um bicho de pelúcia encardido, numa cama tubular vinho, deprimida nos fins de semana por ainda não terem encontrado um marido, são apenas o desfecho do domingo televisivo. Mais cedo, Faustão convoca maridos e mulheres a atribuírem, ao vivo na TV, notas ao desempenho sexual de seus parceiros na última relação sexual, agora apelidada singelamente de ‘rala e rola’. É essa a versão contemporânea da liberdade sexual: implorar afeto a bêbados em fim de noite sonhando com um casamento e atribuir notas numéricas, de zero a 100, à própria performance na cama em rede nacional.

Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA.
maluzes@gmail.com

2 comentários:

Nara Santos disse...

Talvez o Credicard ou o Visa possam dar o preço mais real. Malu Fontes faz comentários na Rádio Metropole são bons..
Meu caro não sei se fico envergonhada, se com raiva, resolvi me preparar para entender. Não desculpar mas compreender a ignorância dos minhas semelhantes. Como diz bem o artigo as mulheres estão tão ocas pobres de conhecimento que é impossivel uma comunicação entre algumas. Quando vi a chamada do programa tive a impressão de rever namoro na TV. Afinal é isso que vende no fantastico. Mas a coisa está ficando pior. Seria otimo que essas criaturas só vivessem até 40 anos pois assim teriamos a benção de que acima 40 seria o faixa da inteligência do auto-conhecimento quando penso que vejo semelhantes como a nossa Pedagoga(ultima dançarina baiana) preciso respirar e contar até 100 pois 10 é pouco.
Chego a conclusão que os homens estão assustados com toda razão pois ser obrigado a suportar tantas Ofelias, tantas cobranças é preferivel sumir. Afinal grandes romances só no horario nobre.
Um grande beijo
Desejo muito coragem para sobreviver neste circo de horrores onde as Mongas tem tanta evidência
Nara

Nara Santos disse...

Olá, fiz um comentário sobre este tema que me fez repensar. Gostaria de complementa-lo. Me sentir um tanto presunçosa quando falei de minhas semelhantes mas não era essa minha real intenção. Mas como o Cosmo sempre nos permite aprender Li vários artigos que me fizeram repensar.
"Na sociedade capitalista, onde o lucro impera acima de todos os valores, o padrão machista de cultura associa erotismo e mercadoria. A isca é a imagem
estereotipada da mulher. Sua autoestima é deslocada para o sentir-se desejada; seu corpo é violentamente modelado segundo padrões consumistas de beleza; seus atributos físicos se tornam onipresentes.
Onde há oferta de produtos - TV, internet, outdoor, revista, jornal, folheto, cartaz afixado em veículos, e o merchandising embutido em telenovelas - o que se vê é uma profusão de seios, nádegas, lábios, coxas etc. É o açougue virtual. Mulher é castrada em sua inteligência, em seus
talentos e valores subjetivos, e agora dilacerada pelas conveniências do mercado. É sutilmente esfolada na ânsia de atingir a perfeição."

O que escrevi ou melhor tentei passar no comentário anterior não era inverdades. Só não falei da falta de oportunidade que nós mulheres não criamos ou não acreditamos existir.
Na verdade mulher é mulher em qualquer situação e para exemplificar vou comparar com Morangos.
Morango na feira tem um valor na torta de Morango (que Carol faz nas festas da casa dela) tem outro. Assim os principios do valor está associado a oportunidade de se adquirir algo.
Como toda mulher quer um lugar ao Sol ou a Lua vai se tentando não analisando muitas vezes as consequências.
Um beijo