segunda-feira, 29 de junho de 2009

MITOS DE UMA ADOLESCÊNCIA


A semana passada foi marcada pelo trágico desaparecimento, deste plano, de dois ícones da minha adolescência. O pop star Michael Jackson e a belíssima, no ponto de vista do menino, atriz Farrah Fawcett. O primeiro dispensa apresentações e continua, passada uma semana, sendo o grande mote da mídia mundial e ainda será por algum tempo. Como todo adolescente dos 70’s, eu não era diferente, amava-o num misto de admiração e inveja. Todos os meninos da minha geração, negros ou não, nem que seja pelo um menos uma vez, nutriram este sentimento. Meu fascínio pelo artista perdura agora e perdurará por todo o tempo. Poucos encarnaram a figura de um astro como ele. Talentoso, inteligente, criativo, completo. Como ninguém é perfeito, a figura do cidadão, que para nós, principalmente os negros, poderia ser uma legenda para muitas gerações, ficou ofuscada pelo fraqueza de espírito e a renúncia à sua ancestralidade. Michael, aos olhos de muitos, renegou, transgrediu, subverteu os valores da sua raça na busca de se sentir e ser aceito. Isto pode ter lhe custado um alto preço. Não o julgo, consequentemente não o culpo. Acho que em algum nível, a nossa geração, onde uma certa quantidade de negros passou a ascender socialmente, este medo de não ser aceito era algo muito marcado. Eu cansei de ouvir de parentes: nós somos pobres, feios e pretos temos que procurar o nosso lugar. Empreender, Vencer, Poder, Brilhar, NÃO faziam parte do nosso vocabulário.Crescíamos e vivíamos, enquanto muitos morreriam, sobre o paradigma de sermos inferiores. Não posso afirmar, mas , às vezes, tive a impressão que todo este processo de desfiguração pelo qual o Michael passou, em parte, é norteado por esta abordagem. Li certa vez, que o próprio pai dele o insultava quando criança pela sua aparência, chamando-o de “feio”.
Eu, próprio, quando criança, me sentia muito incomodado com esta sensação de inferioridade. Na minha classe tinha um garoto branco de classe média alta, cuja performance escolar e comportamental não eram ruins, mas não chegavam perto das minhas, porém era ele paparicado por todos: professores, auxiliares de disciplina, coordenadora, porteiro.Sem sombra de dúvidas, houve momentos que desejei estar no lugar dele.
É nesta parte da “história” que entra Farrah Fawcett. Farrah representava, na minha adolescência, meu melhor referencial de mulher: branca, charmosa, esguia, loira, cabelos lisos, dentes perfeitos, olhos verde-azulados. Ela fazia parte de Os Anjos de Charlie (As Panteras). Não saberia recordar uma história da série, mas posso assegurar que não perdia um episódio para ver Jill Monroe, sua personagem, em ação. A mim, bastava ver aquela mulher quase deusa, anjo mesmo, que me encantava e enchia minha cabeça de fantasias...Nesta época, inconscientemente, tinha uma baixíssima autoestima e só via afirmação através do meu sonho de ser rico e ter uma mulher como ela. No meu pensamento de menino de 12 para 13 anos, pobre, preto e “feio”, esta seria a chave para ser aceito socialmente quando homem adulto me tornasse: trabalharia incansavelmente, ganharia muito dinheiro e teria uma “pantera” igual àquela ao meu lado.
Coincidência, ou coisa do destino, ela ter partido no mesmo dia que Michael. Farrah, apesar de já desenganada, fez a passagem quase que despercebida, foi vitimada de uma das mais atrozes doenças, de todas que a humanidade experimenta, e ao mesmo tempo a mais democrática e justa. Uma doença que não elege idade, cor da pele, posição social, menos ainda aparência física, antes, e em geral, esta particularmente definha junto com o paciente. Pra ser sincero, já não lembrava dela, foi a trágica notícia que me trouxe à memória, já não tão eficiente, a lembrança desta fantasia. Cabível na cabeça de um menino, ficou aonde deveria ter ficado, no passado de alguém que não precisou pular etapas, foi encontrando gradativamente seu lugar e seus reais valores. Arrisco o palpite de que Michael não teve esta mesma sorte. Morreu subitamente. Viveu num mundo de fantasia, embora só lhe fosse permitido fantasiar no palco, onde, sem sombra de dúvida, foi genial e único. Na vida, não deixaram-no ser criança, logo também não conseguiu ser adulto, percebe-se que entre uma fase e outra constituiu-se o abismo. Tão ilhado no seu universo não observou se quer as mudanças do mundo. Assim como o câncer que consegue atingir a qualquer pessoa, Michael não se deu conta de que todos alcançamos também o direito à liberdade, à prosperidade, ao estrelato e a sermos nós mesmos. Alcançamos o direito cidadão de ir e vir, sem curvar a cabeça ou se transmutar. Descobrimos nossa própria beleza, reforçamos nossa identidade racial e tornamo-nos reconhecidamente agentes de mudança social.
Sim, nós podemos, Michael. Podemos muito mais. Só não poderemos preencher a lacuna que se criou com a precoce extinção do seu inigualável talento em fazer a Terra balançar, cantar e dançar.

Velocimetro RJNET

sexta-feira, 26 de junho de 2009

De PARACURU/CE a IRARÁ/BA (Lições de Civilidade e Cidadania)


Se eu tivesse escrito este texto alguns dias atrás, ele teria a mesma conotação, mas seria ilustrado por um único exemplo. É muito bom a gente se ver de fora do círculo.Vou dizer o porque. Tinha eu acabado de retornar a Salvador , vindo de Paracuru, Ceará, onde fui realizar um trabalho e passei dezoito longos dias. Digo longos, não por que fossem entediantes, mas simplesmente pelo fato de, ao me desconectar do ritmo frenético que levo aqui, comecei a me dar conta da sensação de que a vida pode ser tocada num ritmo mais lento. Em Paracuru, acordava cedo, tomava café cedo, ia trabalhar, cumpria uma jornada de oito horas, voltava a tempo de caminhar na praia, prosear com as pessoas do lugar, jantar, ir a uma lan house ler e-mails e ainda conseguia dormir cedo, por volta das 22 horas. Horário que só experimento, quando em “casa”, em caso de estar doente.
Paracuru é uma cidade linda. As pessoas detêm uma naturalidade singular. Desprovida desta malícia e falta de educação próprias de cidade grande. Só para ilustrar o que digo, cito o motorista do táxi que elegemos para nos conduzir. Ele, travava-nos por “minha joia”, sem nenhuma preocupação de ser mal interpretado, de ter sua sexualidade questionada ou discutida, muito pelo contrário, dando uma lição de consciência da importância que seu cliente tem. Ao tratar-nos assim, ele não só nos fidelizou. Mais que isso, demonstrou que nós que vivemos teorizando, treinando, fazendo workshop, na prática, não sabemos nada de qualidade e satisfação. Carregamos tantas máscara e papéis, que a gente incorpora na “civilidade”, que não nos permitimos viver o simples, o humano das relações. Quem por mais “brucutu” que seja, não quer ser tratado como uma joia ao requerer um serviço? Seja este qual for. Em Paracuru, as pessoas atendem bem por excelência, de muitos estabelecimentos que necessitei frequentar, apenas uma única vez não fui tratado com a devida deferência que merece o consumidor. Mas constatei, com o passar dos dias, que tratava-se de uma exceção.
Por falar em civilidade, Paracuru é uma cidade muito limpa. Não que o serviço de limpeza urbana seja algo de ponta. A consciência das pessoas é que é desenvolvida. Vi, lojistas varrendo a porta de sua loja, e o entorno dela, ao fim do dia, antes de fechar seu estabelecimento. As pessoas comuns varrem suas portas e recolhem o lixo, não deixando ir para a sarjeta entupir os bueiros...
Comecei o texto dizendo do quanto é bom a gente se ver de fora do círculo em que estamos inseridos. Vou tentar justificar. Há uns poucos anos adotei, como minha segunda cidade na Bahia, a cidade de Irará. Nunca achei motivos razoáveis para isso, mas me afeiçoei por esta cidade e como desenvolvi amizades , sempre que me dou conta já estou a caminho de lá.
O fato é que até conhecer Paracuru, nunca tinha me apercebido de como e por que Irará me cativou. Com exceção do mar lindo de Paracuru, Irará tem todas as qualidades desta primeira. Engraçado que eu precisei ir tão longe para me dar conta disso. A única coisa que divisa estas cidades é que a Geografia fez de uma litorânea e a outra não. Irará é uma cidade gentil com quem chega. É igualmente limpa. As pessoas são cidadãs. Como em Paracuru, nunca ouvi ninguém falando mal da sua cidade. Até a queixa que ouvi em uma é a mesma da outra: falta de emprego. Nos mais, não há queixas, se há, lavam a roupa suja dentro de casa.
Passei o São João em Irará e quando acordei no dia seguinte à festança, a cidade estava limpa a despeito de ter tido bloco na rua até próximo das 23 horas e de ter chovido muito no dia 24. Presenciei as pessoas juntando os resíduos de suas fogueiras e cuidando da parte que lhe cabia da via pública com o mesmo cuidado de quem cuida do seu quintal. As pessoas traziam um semblante leve de quem aproveitou a festa, mas a consciência de que a vida continua. Tudo tinha voltado ao normal. Os serviços, a gentileza, a simplicidade, o lugar.
Desejei que Irará, assim como Paracuru, permanecessem no atual estágio. Que não "involuíssem" querendo ser como as metrópoles. Pois estas estão humanamente falidas.


"Menina , amanhã de manhã
Quando a gente acordar quero te dizer
Que a felicidade vai desabar sobre os homens
Vai, desabar sobre os homens
Vai, desabar sobre os homens..."

(Tom Zé / Perna)

sábado, 6 de junho de 2009

PARACURU, 06 de junho de 2009.


Há dias que não escrevo. Estava ainda tomado pela emoção de ter realizado um sonho, quando, abruptamente, me vi levado a viajar para um destino que que até então ainda não tinha passado pelo meu pensamento sequer a existência. Estou em Paracuru, no Ceará, ainda meio aturdido pelas circunstâncias e muito mexido por querer saber as razões pelas quais a vida me fez vir parar aqui.
A cidade é linda, litorânea. As pessoas são hospitaleiras e gentis. Recebem infinitamente melhor do que recebemos hoje na Bahia. Lembra uma Bahia da minha infância, que não existe mais.
Parti num sentimento só. Queria ter trocado algumas ideias com minha professora de canto, que eu amo de graça, sobre meu desempenho no show. Queria curtir os comentários, lindos e generosos, dos amigos que me assistiram e entre surpresos e felizes, me escreveram parabenizando e inflando meu ego. Queria esperar por minha afilhadazinha linda, que se encontrava em Irará, para me despedir, cobri-la de beijos e rir das suas estripulias. Minha filha, estava vibrante com o show e toda cumplicidade. Por que tive que sair asim do prazer? O que preciso aprender ainda sobre isso? Eu que nunca me permiti senti-lo.
Daqui donde estou, tive que desacelerar. O ritmo não é nem um pouco frenético, não há engarrafamentos, nem sirenes da Samu soando o tempo todo na Av. Paralela. Nem mesmo o trabalho que vim desenvolver, anda... As mulheres-meninas sorriem num misto de flerte e curiosidade, numa terra onde negros são escassos. Sujeito-me até ser chamado de "moreno", pois sei que não o fazem por mal. Estão apenas desacostumados a esta negritude latente e assumida que de mim aflora e é legítima de onde eu vim.
Anteontem, foi aniversário de minha mãe. Fiquei triste. Estamos vivendo o melhor de nossa relação e não desejava passar seu ingresso na melhor idade longe dela. Paro, penso, sofro um pouquinho. Não troquei com meu amigo, que me dirigiu, as devidas considerações. Não rendi a ele a devida gratidão e vim embora para Paracuru. Não recolhi as fotos que mandei fazer e vim para Paracuru. Nem reverenciei minha amiga psiquiatra, tão responsável por mim.
Fosse para Passárgada e todo mundo, inclusive eu, entenderia...
Aqui não sou amigo do rei, nem conheço o prefeito, aliás não conheço ninguém, sigo em busca de resposta. Eu tão afeito à solidão do meu lar... Reluto contra ela neste momento, infinitamente, cheio de abismos e de falta de sentido.
Escrevo como que num apelo: imprescindivelmente, me diga alô... Poste um comentário... Diga que sente saudade de mim... Faça-me sentir qualquer emoção.