domingo, 29 de agosto de 2010

DA IMPLOSÃO E SEUS EFEITOS


É impossível ficar imune às postagens dos meus amigos falando sobre a implosão do Estádio Otávio Mangabeira (Fonte Nova) no Facebook. Hoje é um dia triste? Não sei ao certo. Para mim encerra um ciclo. A partir de hoje, o museu de memórias do futebol se reserva às minhas recordações e não mais terá referência física. Seja como for que este novo estádio venha a ser, mesmo cercado de conforto e modernidades, ele já não me dirá nada. Primeiro por que o futebol já não tem a mesma importância para mim como no passado. Segundo, porque a beleza, a genialidade e a criatividade foram banidas desde que futebol virou uma atividade comercial em detrimento do desporto. O que fica são os bons registros dos quais aquele lugar foi palco, num tempo em que tudo tinha uma “cor” diferente aos meus olhos.
Hoje, lembrei de muitas pessoas. A primeira delas, Seo Tati para quem abro um parágrafo cheio. Foi ele quem me tomou pela mão, aí pelos idos de 1971, e me levou a Fonte Nova pela primeira vez. Inesquecível dia, inesquecível Izaltino, este era seu nome. Além de ser uma pessoa generosa, era um sujeito dos mais democráticos que já conheci. Nos tempos em que ser homem adulto era símbolo de austeridade e autoritarismo, pelo menos, naquela época, assim via meus tios e meu pai, Ele, não. Era leve, espirituoso. O único que eu achava divertido mesmo quanto tomava umas cervejas a mais. Lá íamos nós, eu, ele e Periquito, seu filho. Torcedor do Vitória, nas diversas vezes que fomos ao estádio, jamais me incitou a trocar de time, mesmo sabendo que eu era um torcedor adversário. Naqueles tempos, era o Bahia hegemônico e quase sempre eu era quem voltava pra casa com o coração pipocando de alegria. Ele não se importava. Faça-se uma ressalva ao ano de 1972 no qual o Vitória armou um time maravilhoso de se ver e difícil de se encarar. Foi sua grande revanche naqueles tempos... Seo Tati fez a passagem num tempo em que, como hoje, eu morava fora da Bahia. Embora tenhamos mantido uma relação de carinho e respeito por muitos anos, acho que nunca lhe demonstrei toda a gratidão por aqueles momentos de felicidade...
Um dia, minha mãe achou que eu já tinha "maturidade" suficiente para ir por aí, por minha conta e risco, e foi a Fonte Nova um dos meus destinos mais certeiros dos domingos e quartas-feiras. Amante do futebol era, sobretudo, amante da atmosfera que circundava o estádio e todos os rituais que marcavam ir a uma partida de futebol naquele “santuário”. Foi lá que rezei com a mais forte devoção e fé. Fiz grandes amigos ali dentro. Quase uma família. Colecionei uns poucos desafetos, geralmente motivados pela paixão. Por causa dela, perdi namorada. Tomei bronca de chefe. Colecionei emoções. Chorei. Senti-me humilhado algumas vezes, mas ri muitos dos meus melhores sorrisos. Soltei os meus gritos mais sonoros. Esqueci a rigidez do meu corpo e dancei a dança da espontaneidade. Abracei desconhecidos sem medo de ser censurado. Cantei a plenos pulmões. Fui testemunha do jogo bem jogado, da lealdade de vários atletas, da fidelidade masculina ...
Esta Fonte Nova que hoje se vai, talvez não fosse mesmo mais digna de ser arena do que se tornou o futebol. Não existe mais a máxima “encarnar a camisa”. Não se persegue mais o gol, muito menos o jogo bonito. Empurra-se uma bola pra dentro da rede do adversário e fecha-se em bloco pra alcançar o resultado mixuruca e ganhar a peleja. Não existe mais a ânsia pelo gol. Acabaram-se as partidas de encher os olhos e mesmo o curvar-se em respeito ao adversário quando este se mostrou tecnicamente superior.
A nova Fonte Nova pode ser chamada de qualquer outro apelido, pois ela não resgata estes quase 60 anos de beleza dos quais fui testemunha ocular em quase quarenta. A “nossa” Fonte Nova agora faz parte de um imaginário cheio de fantasias que só quem viveu sabe o valor. Hoje eu tenho certeza que muita gente está triste. Respeito muito as lágrimas de quem chora a implosão, mas, a despeito desta hora de dor, muita lembrança bonita passou no meu pensamento. Meus amigos, tantos que não dá para mencionar sem cometer a injustiça de esquecer algum nome.. Meus ídolos. Minhas namoradas as quais se permitiram compartilhar comigo este prazer. Meus tios. Meu pai Ypiranguense. O Avô de meus filhos que os intimou, veementemente, a torcerem pelo Vitória. O churrasquinho de gato. O pastel no Chinês da Carlos Gomes. O cachorro-quente na porta do Colégio Águia. A algazarra no ônibus coletivo. O sarro com os adversários. A inexistência desta violência injustificada que ceifa vidas. No ferver do sangue, rolava até algumas porradas, mas tudo acabava ali, na mão, na hora.  Os trio-elétricos que de lá partiam rumo à “colina”. Ventilador, meu vizinho que me tratava tão bem, mas que em certo BAVI fez um dos 3, que o Bahia levou, e eu fiquei com raiva dele e troquei “de mal”. Seu Juvêncio... de quem ouvi pela primeira vez, "vumbora Baêa, minha porra"... Farta e rica memória...
Outros tempos. Outra arena. Outra forma de ver. Tudo se transforma.

Mumbai, 29 de agosto de 2010.

http://www.youtube.com/watch?v=OUw3UNhh_jU



quinta-feira, 26 de agosto de 2010

A BAHIA FOI BEM (OU COMO ERA GRANDE O MEU AMOR POR VOCÊ)


Eu tenho visto várias pessoas fazerem apologia aos governos do antigo PFL da Bahia e penso quão curta é a memória dessa gente. Ao longo de quase 40 anos de gestão, este partido, com suas lideranças, deixou o maior e pior legado para um povo: a ignorância. Esta gente, por razões óbvias, esfacelou a escola pública e formou pelo menos três a quatro gerações de analfabetos funcionais neste estado. Tem algo pior para uma sociedade do que isso?
Compreendo esta postura reativa de muita gente que mamou nas tetas do erário público, anos a fio, e que sente saudades dos privilégios. Mas ouvir isso do "povão" que foi tratado a pão, carnaval e desinformação, muito me entristece...