quarta-feira, 21 de julho de 2010

DO NOSSO JEITO DE SER


A vida é mais que um prazer
Mas como vem aceito
Não trago nos olhos meus
Nenhum amor desfeito
A ausência não é um adeus
Mas causa o mesmo efeito
(VERNIZ, Sérgio Santos e Paulo César Pinheiro)



Ela não trazia nada. Não falava inglês. Nada sabia. Não contava vantagens. Nunca ingeriu bebida alcoólica. Nunca foi a um restaurante italiano. Não usava roupas de grife, nem tampouco maquiagem. Não tinha sequer um corpo escultural, nunca entrara numa academia ou salão de beleza. Certamente, era mais jovem do que denotava seu corpo. Muito embora, este fosse flexível e macio.
Só sei que ela me veio. Por não saber quem era no contexto, talvez por não se importar, também, nada perguntou sobre mim. Não perguntou onde eu morava. Não perguntou quanto eu ganhava, nem se eu tinha carro. Não. Ela não tinha o ar dissimulado das cosmopolitas de inquirir com desfaçatez, na busca de um “bom partido”. Relacionava-se com dinheiro apenas como energia que chega, vai, se transforma na forma fluida e volta e segue o ciclo. Nada acumulando. Não conhecendo estabilidade, não pensou em futuro. Não ela não queria “segurança”, nada de material. Não queria desempenhar papel algum em minha vida. Não tinha esta visão tosca de felicidade que nos acomete e nos faz buscar um “não sei bem o que” pela vida afora. Desejava apenas se aproximar. Aproximou-se... Demorei um tempo para admitir que a presença dela me fizesse bem.
Ela tinha um olhar compassivo de quem tem a chave, mas que permite ao outro pensar que sabe o segredo. Cheia de sutilezas nos gestos e um sorriso misto de desprendimento e sensualidade. Tinha a compreensão exata das ínfimas nuances que fazem a diferença entre o homem e a mulher... Num tempo em que ser gente se tornou algo difícil, ela sabia portar-se na máxima dignidade do humano ser...
No fundo, ela só queria me vir por ela ereto, mas não usou agir como uma femme fatale. Foi perseguindo, sutilmente, uma intimidade que, no princípio, neguei meio de susto, meio por preconceito. Seus olhos perceberam. Ela não problematizou a situação. Massageou-me o ego. Ofereceu-se e massageou-me os pés. Pediu-me um afago e a afaguei. Chegou mais perto. Tomei-a em meus braços. Ela retribuía inteira como se todo o ser reverberasse ao contato. Sentia sua pulsação. Desejou massagear meu corpo. Eu consenti. Então o contato físico tornou-se irreversível...
Fui eu quem falou de relacionamento. Fui eu quem falou de ir embora em algum momento. Fui eu quem falou de diferenças. Fui eu quem me disse preocupado. Fui eu quem teve medo. Fui eu que me prendi na malha dos apegos e disse não.
A ela restou dizer: sim, o senhor é o sabedor das coisas, vamos uma vez mais e te prometo nunca mais apareço... Gozou... Reiterou seu apreço... Desapareceu.