sábado, 28 de março de 2009

CARTA DO AMOR SEM FIM


Dedico este texto a Samila Marina e Nara Martins*, que nem soteropolitanas são, mas encarnam a “cor” da cidade.

Agora quando fazes anos, aproveito para reiterar o meu amor. Amo-te desde criança e é agora como homem que mais te desejo amada, liberta e digna de seres possuída por mim. Fosse possível, eu te beijaria toda, cada artéria, cada, cada curva, cada fio de cabelo. Diria cara a cara, amo-te perdidamente. Teu jeito eternamente jovem. Teu colo acolhedor. Amo-te patética e anonimamente. Possuo-te só em me reconhecer parte de ti. Incesto. Platonismo. Amo-te, ainda que senhora, mesmo na certeza que já não a desnudaria como fizera quando era mais moço. Talvez nem saibas, mas assumes o comando de minha vida através deste teu encanto e magnetismo e, muito embora, eu tenha conhecido outras, é sempre pra teus braços que eu retorno. És linda, cheia de mistérios, cheia de luz e detentora de um carisma inigualável. Agora que  conheço algumas estrangeiras, tenho certeza que como tu não existe. Talvez por isso os gringos te assediem veementemente e morro de ciúmes. Deve ser por conta desta negritude linda que possues, generosa, farta, de boca carnuda, cabelos em pé, tua naturalidade e tua fertilidade. Nem preciso falar do teu cheiro. Tuas indumentárias. Tua elegância, meio desastrada. Ah! Como tudo isso representa teu modo de vida. Quando jovem, perseguia-te em busca do prazer e da luxúria, hoje busco em ti o conforto de tua casa. A tua sobriedade e tua tão imensa capacidade de te renovares.

Lógico, que sei que nem tudo são flores na tua existência, como todas as outras, também tens tuas feridas, teus queixumes, tuas mazelas, tuas lamúrias, caprichos. Mas quem não as tem? Teu espírito superior te permite ir driblando os infortúnios e criar teus filhos na alegria e na grandeza. Tua fé é enorme, espiritualizada, segues cultuando teus orixás com sabedoria, zelo e devoção. Tenho certeza que eles te abençoam. Tenho certeza que são eles que te fazem tão guerreira, tão batalhadora e, ao mesmo tempo, tão hospitaleira, gentil e nobre...

Agora quando fazes anos, aproveito para reiterar o meu amor. Amo-te mesmo quando me golpeia. Quando te entregas em mãos erradas e eu tenho que assistir a tudo passivamente, imobilizado e sem voz. Amo-te ainda quando és dura com teus filhos. Contudo, sei que os quer bem, que os impulsiona e quer dar-lhes o melhor. A tua casa é a nossa casa. É onde me encontro e me identifico. Teus guias são meus guias e são eles que me ajudam a seguir, prosperar, viver. Se em outros momentos fui de outras, conheci, me enamorei, hoje sou completamente teu. Celebro tua existência como quem celebra a própria alma. Celebro com tuas bebidas, com teus quitutes, teus aromas, tuas entidades, teu axé. E te afirmo com toda certeza que, esteja eu onde estiver, meu amor será sempre teu. Quando não mais vida tiver, a ti quero entregar minhas cinzas. E enquanto vivo, seguirei vivendo, soteropolitanamente, o amor do qual me constituo, o amor que tu és.

*Nara Martins, na verdade, é soteropolitana e nasceu na Maternidade Sagrada Família no bairro do Bomfim.


6 comentários:

Aline Najara disse...

Bela homenagem a esta cidade! Fundada estrategicamente para proteger e abrigar, continua desempenhando seu papel - eu mesma fui abrigada por ela, como sabes... Contudo, como foi dito por ti, nem tudo são flores na terra do São Salvador.Quem dera que todos os seus filhos,naturais ou adotivos, cuidassem dela como deveria! Quem dera que todos fossem cuidados tb!!! Talvez suas feridas fossem mais brandas e as nossas também. Todavia,como palco de resistência que tem sido desde a sua origem, aqui estamos nós: filhos guerreiros e persistentes, por um lado, encantados com a magia acolhedora das suas ladeiras e casarões,por outro, assustados com a agressividade crescente em seus contornos, contudo, alegres ou tristes, estamos todos cheios de Histórias pra contar...

Anônimo disse...

Fiquei tão honrada ao ver que esse maravilhoso texto foi dedicado a mim, não sabe a alegria que se instalou em meu coração. E não podiam ser outras palavras a serem usadas. Realmente você tem a chave, aquela que Drummond cita em seu maravilhoso poema, rs. Salvador é minha casa, não troco essa cidade por nada...Tem a minha cara, é a cidade em que as minhas raízes são cultivadas de fato, o astral, a ginga dos capoeiras, das baianas de acarajé, das negras do Ilê, dos brancos, índios..., enfim dessa mistura, da qual somos frutos. Minha Bahia, minha Salvador, apesar de existir muita desigualde, miséria, poluição, como o senhor mesmo disse, a beleza dessa cidade faz com que seus filhos amem cada vez mais a sua casa... Agradeço mais uma vez a dedicatória, e digo o quão emocionante foi esse texto.

Parabéns, Salvador!

Um beijo da sobrinha!

Anônimo disse...

Inicio o meu comentário perguntando; Você se considera um homem romântico?
A palavra romântica está frequentemente associada a um conjunto de comportamento e valores, como: dar e receber flores, gostar de ler e escrever poemas, e viver histórias de amor, emocionar-se facilmente, ser gentil e delicado com a pessoa amada e com todos em geral.Considero você amigo Hafif um homem romântico. Porque nem todos sabem, expressar-se de forma clara e concisa o sentimento ligado a natureza e a beleza da vida.
Assim como, na literatura brasileira e portuguesa tiveram escritores que se destacaram com seus versos e poemas, temos também escritores baianos que versam, cantam e encatam a todos leitores.
Além dos outros, é de você que estou me referindo. Lindo..lindo.
Sucesso e muita inspiração para as novas escritas.
Beijinho no seu coração, saúde, Paz.
Da amiga que te gosta muito.

fernando disse...

Parceiro, que linda declaração de amor! Só quem tem o privilégio de conhecer os mistérios, a cadência, os encantos, os sabores e os aromas de nossa cidade pode compreender suas palavras!

Nara Santos disse...

É com grande alegria que revelo que sou soteropolitana nascida na colina sagrada(Sagrada Familia Bonfim). Salvador sem dúvida é tudo de bom. E está lembrança vou guardar com todo carinho pela minha existência pois salvador para mim é o meu grande amor. Já tive oportunidade de conhecer e viver em outras cidades mas a ansiedade de retornar a Salvador é sempre maior.
Reconheço todas as mazelas que ofendem minha cidade e me sinto no direito de pedir desculpas por não poder excluir os problemas. Salvador é a mistura de muitos.....
A Você meu adorável só tenho que agradecer e me deliciar com um texto tão bonito.
Desejando dias melhores para minha querida cidade.

Hamilton Hafif disse...

Com todos os problemas que enfrenta hoje. É você, ainda, o lugar onde me sinto melhor. Onde está meu pertencimento. Sinto enorme saudade e para onde retorno todas as oportunidades que tenho.
A gente tem o dever e ainda vai cuidar melhor de você.
Te amo minha cidade!