sexta-feira, 31 de outubro de 2008

LÁBIOS QUE NÃO BEIJEI...


"Faz um tempão
Que eu não dou asas
A minha emoção
Passear, distrair
E me achar lá no fundo de ti..." (Que nem maré, Jorge Vercilo)

Várias vezes, a desejei e adorei estar na presença dela. Muito embora não soubesse ao certo. Não era um desejo carnal. Amor platônico. Um sentimento revestido de fantasia e idealizações. Sentar ao seu lado. Sentir seu cheiro. Receber um aceno. Um olhar mais terno. Andar ao seu lado ou em sua direção. Exercer possibilidades. A vida me ofereceu múltiplas.
Ela há tempos, está sempre ao lado de outro. Queria ser amado por ela, mas no fundo acho que nunca me encorajei em seduzi-la. Persegui-la. Sei lá. Nunca tive o amadurecimento de revelar-me. E conseqüentemente, nunca tive a experiência de desfrutar do convívio íntimo dela. No fundo, acho até que ela sabe dos meus desejos. Conhece bem meus meio-discursos. Flerta. E deve se rir de mim enquanto sigo envelhecendo e ela cada dia mais bela.
Todos pensam que a tive ou a tenho a todo tempo, não afirmo, nem nego. Sigo oscilando entre a dúvida e o remorso. Será pecado desejá-la tanto? Querer tê-la minha? Querer seguir com ela lado a lado pela vida? Que faria se ela se me apresentasse agora e dissesse eu sou sua? Que caminhos eu iria inventar? Que faria eu com tamanha disponibilidade? Acho que me aprisionaria de tão intensamente liberto. Pouco inventivo que sou, não saberia lidar com sua majestosidade. Ainda mais, que não sou afeito a renúncias e me acho tão cartesiano.
Sendo muito sincero, eu nem a conheço direito, não sei muito dela. Não conheço seus humores, nem anseios, nem nada. Sou livre para amá-la, desejá-la, mas sequer sei lidar com o que ela representa. Se a escolho, acho que é pela remota chance de que tenho de tomá-la nos meus braços rígidos. Escolhê-la é em si a grande desculpa para não atingi-la. É escolher não fazer escolha alguma. Até porque, escolhê-la é buscar encontrá-la. E isto desorienta. É neste ponto que no fundo, prefiro-me sentir amado por quem me oferece algo suficientemente bom, que nem sempre é amor, mas que me faz sentir “liberto e seguro”. Por isso, vez por outra, volto ao certo, quando me defronto com a multiplicidade de alternativas que é lidar com ela. Ela me assusta. Atormenta na falta e na presença. É tão tênue e emancipada que, talvez intimamente, nem eu nem ninguém esteja pronto para cortejá-la. Moldá-la. Inventá-la...

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

REFLEXÃO ACERCA DO DIA DO PROFESSOR


Se partirmos do pressuposto de que “importante” significa algo que tem caráter essencial e entender “prioritário” como tudo que é muito importante, concluiremos que este segundo vocábulo se aplica como uma luva à questão da educação no nosso país. Sendo prioritária, deveria estar à frente de diversas outras questões que nos saltam aos olhos a toda hora que assistimos um noticiário ou abrimos uma página na internet. Esta é uma questão maior que a política de salvamento de bancos falidos a que assistimos alguns anos atrás, maiores que a da comercialização, ou não, de armas de fogo e munição e ouso afirmar que de relevância superior ao problema do tráfico de drogas, essa mazela social que degenera a sociedade brasileira. Afinal, não precisa ser um cientista social para depreender que, afora as questões morais e político-partidárias, a maioria das nossas mazelas tem origem no esfacelamento da educação.
Ao longo destes anos, ouviu-se uma gama de críticas ao sistema educacional, muitas delas respaldadas em índices verídicos e sofríveis, o que tem suscitado, em contrapartida, uma avalanche de políticas que tentam curar o sintoma estatístico, sem erradicar a causa. Claro que é importante a distribuição gratuita de livros, projetos da natureza do Bolsa Escola, políticas reparadoras, mas é prioritário se estabelecer uma política de longo prazo, assegurando o desenvolvimento educacional e que seja, sobretudo, desvinculada do caráter assistencialista que estas ações tendem a adotar a despeito de educação ser um direito constituído.
É prioritário rever a situação do alfabetizado, que hoje, na prática, retrata aquele que aprendeu o alfabeto e sabe assinar o nome, fazendo com que tenhamos um número significativo de cidadãos que não possuem o domínio pleno da leitura e da escrita e, consequentemente, não estão preparados para competir no mercado de trabalho.
Resgatar a qualidade da escola pública fundamental, uma vez que ela é o alicerce para construção do conhecimento posterior. Assim sendo, mais que estimular a freqüência ou minimizar a repetência e evasão, precisamos rever forma e conteúdos de modo que o educando, estimulado, passe pela escola, aprenda e acumule conhecimentos essenciais ao seu desenvolvimento sócio-cultural.
Resgate igualmente prioritário na consecução de resultados, em qualquer política que se venha a adotar, é o do papel do professor. Não existe tecnologia, sistema de informação que exclua do processo educacional este profissional, esteja ele na sala de aula, esteja no vídeo de um aparelho de televisão, esteja por detrás de um computador. Equipamentos não se vinculam afetivamente às pessoas, não cuidam, sequer adotam papéis de relevância emocional na vida dos estudantes. Este papel cabe ao docente. Não se está aqui minimizando o papel de facilitador e estimulador do conhecimento, mas acima de tudo valorizando aquilo que tem de mais humano na relação professor-aluno: os laços de afeto. Educar é um gesto essencialmente humano, não podemos perder isso de vista. Pelo contrário, precisamos reconsiderar isto definitivamente e trazer o professor para o lugar de relevância que ele exerce neste processo. Mais que uma política de salários decentes, urge-se que recuperemos a auto-estima dessa categoria, que lhe aparelhemos continuadamente e reconheçamos sua participação decisiva no futuro.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Procurando bem. Todo mundo tem...


De repente me vem um verso da letra de Chico, musicada por Edu Lobo do qual vou fazer mal uso, mas não me sobrou alternativa.
“Não livra ninguém” somos uma sociedade cretina.
É comovente a alegria do palhaço a serviço do jogo imundo da política partidária. A escola esfacelada. O bispo enriquecido. O herdeiro do império tirânico. Um César que nunca reinou. Todos rendidos à popularidade da bailarina sem postura. Chicotadas de cabelo, gritinhos histéricos, rebolados. Quem manipula quem? Quem é marionete de quem?
Treze mil votos. Pensemos: que eleitorado compõe esta massa? Respondo: pessoas que não possuem informação e que não buscam obtê-la. Massa sem consciencia crítica ou política, movida por um comportamento moldado e induzido.
Antevejo um desfecho triste: legislar, fiscalizar, apresentar projetos de lei, participar de comissões, aprovar, rejeitar, emendar orçamento. Logo, logo alguém estará ditando a dança da eleita. O que dizer. O que fazer. Que ritmo dançar. Quais bandeiras defender.
Que pelo menos não matem o sonho de Alecsandro de levar uma vida alegre, despojada, dançante e feminina. Que deixem-na exercer seu carisma, isto já demonstrou que tem, que a tratem e a ensinem a exercer este papel com a dignidade que nem mesmo os mais escolarizados tem demonstrado ao longo dos anos. Muito pelo contrário. Em sua maioria, quanto mais esclarecidos menos possuem qualquer exemplo a dar, maus políticos, interesseiros, ganaciosos, ótimos negociadores de interesses pessoais e péssimos legisladores.
Fato consumado, só nos resta esperar que o pior não aconteça, que esta brincadeira de mau gosto converta-se numa surpresa onde a eleita consiga se engajar na luta pelas prioridades básicas e interessses coletivos desta cidade onde a população menos favorecida só goza de um único direito: o de rebolar.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

HOJE, EU QUERO ESTAR SÓ


“Mudaram as estações
Nada mudou
Mas eu sei que
Alguma coisa aconteceu
Está tudo assim
Tão diferente...”
(Por enquanto, Renato Russo)










Porque eu nunca vi tanta dor naqueles olhos e, sobretudo, amor. Vinte oito anos. A vã poesia não explica porque depois de tantos outonos. Fico atônito. Quem lhes autorizou?
Ainda os vejo, janeiros, juntos, exemplificando aquilo que eu nunca aprendi: acasalar. Perco o sono. Expio. A vida não sabe mais de nada. A dor nos olhos dela não me sai do estômago, aonde o frio chegou junto com a notícia. Eu os amo tanto. Quisera que meus olhos não estivessem lá para ouvi-la. Quisera inventar um jeito de remendar o beijo primeiro lá nos catorze anos, onde residia a felicidade do encontro. Noites intermináveis. Sexo vida amor foda. Vínculos profundos... E um estado de pertencimento... Cheguei muito depois, mas eu sei o que se desfrutou...
Eu a olho nos olhos. Ela é tão dele. Deve conhecê-lo em cada dobra, cara ruga, cada suspiro, as linhas da palma da mão, o gosto advindo da sua ressaca. Mulher, puta, amiga de infância, ela mesma. Libertação? Os olhos marejam e eu confundo dor e geografia. Que abismo é esse? Por que se rompe o istmo que liga estas duas grandes porções de terra, água, fogo e ar, onde eu me confino como se a buscar segurança?
Posso imaginá-la, pensamento solto: nascimentos. Nome, batismo, cocô, escola, útero, dentição, sabonete, menstruação, virgindade. Tudo ao mesmo tempo e sem qualquer ordem.
Sofro de assalto com a notícia e sofreria mesmo se esta fosse boa pra eles. Pra mim será sempre má. Tem coisas que não cabem depois de tantas estações de trem e colheitas.
Os olhos dela... Fingem conter um equilíbrio delicado e generoso, mas que se desfaz, se desmente e desmancha na voz embargada, no rubor da face, enquanto persegue o argumento perfeito... Que eu rejeito e não quero que exista.
Desculpem-me a devoção ignorante de quem ainda está na total falta de luz, mas se eu fosse vocês recolheria os cacos esparramados e reconstituiria o vaso da existência. Ferimentos quando não matam, cicatrizam.