"Faz um tempão
Que eu não dou asas
A minha emoção
Passear, distrair
E me achar lá no fundo de ti..." (Que nem maré, Jorge Vercilo)
Várias vezes, a desejei e adorei estar na presença dela. Muito embora não soubesse ao certo. Não era um desejo carnal. Amor platônico. Um sentimento revestido de fantasia e idealizações. Sentar ao seu lado. Sentir seu cheiro. Receber um aceno. Um olhar mais terno. Andar ao seu lado ou em sua direção. Exercer possibilidades. A vida me ofereceu múltiplas.
Ela há tempos, está sempre ao lado de outro. Queria ser amado por ela, mas no fundo acho que nunca me encorajei em seduzi-la. Persegui-la. Sei lá. Nunca tive o amadurecimento de revelar-me. E conseqüentemente, nunca tive a experiência de desfrutar do convívio íntimo dela. No fundo, acho até que ela sabe dos meus desejos. Conhece bem meus meio-discursos. Flerta. E deve se rir de mim enquanto sigo envelhecendo e ela cada dia mais bela.
Todos pensam que a tive ou a tenho a todo tempo, não afirmo, nem nego. Sigo oscilando entre a dúvida e o remorso. Será pecado desejá-la tanto? Querer tê-la minha? Querer seguir com ela lado a lado pela vida? Que faria se ela se me apresentasse agora e dissesse eu sou sua? Que caminhos eu iria inventar? Que faria eu com tamanha disponibilidade? Acho que me aprisionaria de tão intensamente liberto. Pouco inventivo que sou, não saberia lidar com sua majestosidade. Ainda mais, que não sou afeito a renúncias e me acho tão cartesiano.
Sendo muito sincero, eu nem a conheço direito, não sei muito dela. Não conheço seus humores, nem anseios, nem nada. Sou livre para amá-la, desejá-la, mas sequer sei lidar com o que ela representa. Se a escolho, acho que é pela remota chance de que tenho de tomá-la nos meus braços rígidos. Escolhê-la é em si a grande desculpa para não atingi-la. É escolher não fazer escolha alguma. Até porque, escolhê-la é buscar encontrá-la. E isto desorienta. É neste ponto que no fundo, prefiro-me sentir amado por quem me oferece algo suficientemente bom, que nem sempre é amor, mas que me faz sentir “liberto e seguro”. Por isso, vez por outra, volto ao certo, quando me defronto com a multiplicidade de alternativas que é lidar com ela. Ela me assusta. Atormenta na falta e na presença. É tão tênue e emancipada que, talvez intimamente, nem eu nem ninguém esteja pronto para cortejá-la. Moldá-la. Inventá-la...