Tempo de ser feliz
O tempo é sábio
O tempo é tudo
O tempo é surdo
Está nas lendas
O tempo encerra as contendas
Faz a gente repensar
Nossas verdades e valores
Nossos amores moram lá
Somos cantores, meros atores
Brincando de nos encontrar
É tanta história, de tanto amor
Feliz daquele que o tempo abençoou
E não há jeito desse tempo apressar
Existe tempo de colher e de plantar
De semear alegria
Fazer o povo cantar
Reinventando a utopia
De se eternizar
(Lula Gazineu, Fernando Correa, Hafif)
No ano de 2009, lá bem no comecinho, compus com meus grandes amigos Fernandinho e Gazina uma canção cuja temática é o tempo das coisas. Paradoxalmente, se tem uma coisa que me causou angústia em 2009, foi a espera. A minha ansiedade por acontecimentos, por mudanças e, principalmente, pela resolução de alguns entraves me tornou altamente ansioso. É doloroso saber que você plantou, regou, adubou, mas que a colheita não se dará no tempo da sua expectativa e, muitas das vezes, da sua necessidade. Em alguns momentos não sabia ao certo, se quer se haveria colheita. Pensava: o tempo é tão louco. Ou será que nós é que enlouquecemos ele?
Passei o ano a blasfemar inúmeras vezes contra ele, negando o que dissemos na canção. A sensação que experimentei, em muitas ocasiões, era de que o tempo das coisas acontecerem pra mim era retardado. Assim sofri pelo que não aconteceu, pelo que aconteceu quando já não tinha mais tesão, visto que houvera gasto minha energia quase que completamente na manutenção da perseverança ou, ainda, pelo que acontecera completamente diferente do que planejei. Findei o ano com uma grande certeza: muitos eventos que nos envolvem não estão nas nossas mãos decidir. Aquele jargão, “quem sabe faz a hora” parece não querer surtir qualquer efeito quando a gente vai envelhecendo...
Iniciei 2010, decidido a ansiar menos e viver mais. Esperar menos e aproveitar as oportunidades que surgem fora do script. Dar mais tempo ao tempo para ver se o tempo achava um tempo para olhar para coisas que eu almejava... Foi neste movimento que me mudei para a Índia. Meio sem saber ao certo por que estava indo, quando dei por mim já estava fazendo este movimento. Já contei, em outro momento, como foi que fui parar do outro lado da terra.
Já comentei os contrastes e as coisas que me agradam ou desagradam pelas bandas de lá. Mas não falei da injeção de entusiasmo que experimento neste processo.
Hoje, passados mais de noventa dias, a sensação que tenho é que estou renascendo... Aprendendo a falar, a comer, a me expressar e até a atravessar a rua. Novos cheiros, novos ritmos, quebra de paradigmas, a desconstrução de certos mitos, a construção de outros... Tudo isso tem emprestado um novo sabor a minha vida. Posto em movimento, me vejo reciclando conceitos de vida, bem-estar, poder e trabalho...
Talvez algumas pessoas estejam especulando a cerca do quanto eu possa ganhar. Eu coloco o seguinte: Eu, felizmente, não tenho esta sanha de ganhar dinheiro. Não que não goste de dinheiro.No frigir dos ovos, acho mesmo que este "arame" que se ganha com o sacrifício de deixar seu lar, seus afetos e sua terra, tem um preço que não há nada que pague. Nenhum valor monetário justifica tanta renúncia. Por que fui trabalhar fora do país? Em primeiro lugar, porque tinha uma relação de trabalho que extrapolava o profissional, criei um vínculo emocional com a cooperativa, onde trabalhei nos últimos vinte anos, que não conseguiria quebrar, estando tão perto e vendo pessoas pouco capacitadas desconstruir o meu trabalho de anos de dedicação. Em segundo lugar, fui lembrado por um amigo que havia trabalhado comigo anos atrás, como uma pessoa adequada ao projeto que ele estava desenvolvendo e isso me fez sentir valorizado num momento onde vivia uma enorme desmotivação profissional. Em terceiro lugar, porque passei dos quarenta e cinco e no Brasil, por mais que tenhamos muita bagagem, começamos a perder espaço. Vislumbrei neste projeto uma forma de me manter e melhorar meu currículo e ter uma porta de saída para falta de oportunidades futuras. Claro que tudo isso num nível racional... O que eu não sabia, era que tinha outras buscas menos tangíveis e menos mensuráveis por trás desta minha resolução. Explico-me:
A gente, queira ou não admitir, a chegada na casa dos quarenta anos representa um rito de passagem, tal qual se sucede no fim da adolescência, com uma diferença, temos mais experiência, mas não temos, supostamente, o mesmo vigor e força para reconstruir da juventude com o agravante de parecer que corremos contra o tempo.
É natural que cheguemos a este estágio da vida contabilizando tudo que fizemos, pesando o que ganhamos e o que perdemos e em geral este balanço nos é perturbador. Seres naturalmente insatisfeitos, muitas vezes vemos nossas verdades caírem por terra. Muitas de nossas renúncias se esvaziarem em sentido, independentemente de tudo que realizamos de bom enquanto profissionais e seres humanos. Neste ponto se estabelece um grande vazio existencial. É como se precisássemos de problemas novos que possam nos por à prova. De interesses novos e, principalmente, de impulsos novos. Eu não escapei deste processo...
Intimamente, passado algum período, acho que é isso que me levou a topar este desafio, que não é nada fácil, mas que tem um valor terapêutico significativo em minha vida. Que bom que o tempo me reservou esta colheita em hora tão apropriada...
http://www.youtube.com/watch?v=aC65Z3QegB4