Num país campeão em tributação, um espaço para usufruir o que temos de mais caro e que ainda não foram taxadas: inventividade e capacidade de se indignar.
segunda-feira, 29 de dezembro de 2008
Feliz Recomeço
"Tem gente que machuca os outros
tem gente que não sabe amar
mas eu sei que um dia a gente aprende
Se você quiser alguém em quem confiar
confie em si mesmo
quem acredita sempre alcança"(Mais uma vez, Renato Russo)
Faltam dois dias para acabar o ano da graça de 2008. Este ano é, sem dúvida, um ano que vai ficar marcado para sempre em minha vida. Falo de vida como um fenômeno longo e passivo de gestão, mas a gente sabe que esta pode acabar daqui a instantes. Como diz meu compositor preferido, ”tudo pode estar por um segundo”. Mas retomando a questão, 2008 ficará marcado, pelo tempo que eu viver, por uma simples questão: foi o ano em que meu inconsciente fez contato com a finitude. Não falo de qualquer finitude, falo da minha própria. Deparei-me com a morte e vi suscitar em mim todos os medos a que um ser humano está exposto quando se vê diante do fim. É muito ruim a experiência de ver seus sonhos e projetos se esvaindo sem que você possa fazer algo e, pior que isso, no meu caso, encontrava-me totalmente só, o que aumentou, imensamente, o terror. A sensação de abandono que se apoderou de mim é indescritível. Num grande esforço, saí atrás de socorro. Socorrido por minhas amigas vizinhas, sobrevivi. E, para minha temporária tranqüilidade, não enfartei. Estava “apenas” vivendo um quadro de estafa e depressão. Ufa!
Por que fiz este preâmbulo? Para ressaltar o quão vulneráveis somos? Não. A verdade é que todo ser humano, quando se vê diante desta perspectiva, reascende em si os mais primitivos questionamentos: Quem sou? De onde eu vim? Que estou fazendo aqui? E, talvez, o mais aterrador: Para onde vou? Imagino que daí provém a religiosidade de cada sujeito. Favor não confundir religiosidade com religião. Religiosidade está associada a esta busca de respostas para estes aspectos cosmo-filosóficos do ser humano. O certo é que quando se toma um choque desta dimensão temos, pelo menos, duas escolhas: endurecer e sair desenfreadamente atrás do gozo físico-material ou reavivar conceitos como humildade, simplicidade e amor ao próximo. A escolha está diretamente ligada ao grau de conhecimento que temos de nós mesmos. Por pior que seja a situação, algumas escolhas sabemos não ser capazes de fazer. Em ambas as situações o elemento só se libertará da angústia se estiver inteiro na sua opção.
Estar inteiro, por seu turno, vai implicar em decidir, a partir do que entendemos por vida, o que é melhor: crer que somos animais cuja morte encerra o ciclo transformando-nos em carne podre ou que somos seres providos de espírito em constante evolução e aprendizado. Minhas atuais reflexões me levam a tender para esta segunda proposta. Penso que seria extremamente inútil, despender tanta energia para virar comida de minhocas. Não posso ainda fundamentar minha crença, mas a religiosidade em mim diz que viver é um processo. E que mesmo não estando preparado para a morte, preciso construir um aprendizado, se não para aceitá-la, pelo menos para estar mais sábio para viver um próximo ciclo.
É neste contexto que me preparo para 2009. Mais desapegado. Menos sábio e com mais perguntas do que nunca. Em 2009, necessito conhecer-me e me tornar consciente de quem sou. Quero que meus movimentos surjam sempre de dentro pra fora. Não quero modismo. Quero aprimorar a técnica de ouvir mais, consequentemente, falar menos e o essencial. Aceitar melhor minhas imperfeições e todas as dualidades do meu ser. Quero não sentir culpa. Se eu estou em fase de aprendizado, quero ter o direito de errar. Quero exercer menos controle para ter mais tempo de trocar experiências. Quero explorar meus talentos. Vivenciar encontros construtivos e estabelecer laços autênticos. Talvez compre um carro zero. Um apartamento com vista pro mar. Talvez case de novo. Talvez escreva um livro. Talvez realize aquela sonhada viagem a Paris. Mas com certeza, serei mais condescendente comigo e com o outro. Criarei menos expectativas a cerca das pessoas. Estarei com meus canais mais abertos para captar os sinais e insights que surgem a todo instante. Voltarei a ler mais. Aceitarei a chuva como aceito o sol e não deixarei que ninguém seja responsável pelo meu humor. Aproveitarei este marco cronológico para marcar um novo encontro comigo mesmo.
sexta-feira, 19 de dezembro de 2008
"Carta Aberta ao Presidente de Cuba / de Carlos Moore"
Carta Aberta ao Presidente de Cuba
Salvador, Bahia, 17 de Dezembro de 2008
Sua Excelência General de Exército Raúl Castro Ruz Presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros
Conferência de Chefes de Estado e de Governo da América Latina e do Caribe,
Costa do Sauípe, Bahia, Brasil
Senhor presidente,
Se me dirijo a V. Ex.ª por meio desta Carta Aberta é porque essa é a única forma que tenho de chegar diretamente a V. Ex.ª, e também porque quero que meus concidadãos e todos aqueles que no mundo se interessam pelos problemas vitais de nossa época, se inteirem do que aqui exponho.
Tanto V. Ex.ª, descendente de europeus nascidos na Espanha, como eu, descendente de africanos nascidos no Caribe, somos Cubanos, mas esse fato não nos confere nenhum privilégio específico como humanos, a não ser o direito de ter uma voz nos destinos do país em que nascemos. Uso desse direito sem apologia.
Sei que um mundo de divergências separam nossas respectivas concepções sobre a vida, as relações sociais, a maneira de conduzir os destinos de nosso país e, enfim, a interpretação daquelas realidades que impactam a vida cotidiana dos cubanos de maneira negativa. Mas, V. Ex.ª, como mandatário de nosso país, e eu como cidadão desse mesmo país, temos em comum o fato de que, sejam quais forem nossas divergências, compartilhamos a responsabilidade de transformar nosso presente social, assim como a responsabilidade de modelar nosso futuro coletivo como nação. Da ação ou inação de cada cubano, seja qual for sua condição social, gênero, raça, orientação sexual, ou convicção política, dependerá o porvir de todos.
Sempre apoiei e respeitei a soberania nacional e, por isso, sempre me opus a qualquer medida, seja o embargo econômico ou as ameaças contra o território nacional, que puderam colocar a independência de Cuba em perigo ou lesar os interesses de sua população. Mas também, e pelas mesmas razões, sempre advoguei pelo direito inalienável do povo de Cuba, ou de qualquer povo, a dirigir seu próprio destino mediante instituições representativas e com dirigentes que sejam eleitos em campanhas livres e verdadeiramente democráticas; isto é, em eleições onde estão colocadas diferentes idéias representadas por movimentos e partidos organizados, com plataformas políticas e propostas sociais realmente independentes e diferentes. Estimo que, só assim, pode um povo exercer seu direito de optar pelo que melhor lhe convenha. Portanto, sou inimigo de qualquer ditadura ou sistema totalitário, seja da chamada direita ou da denominada esquerda, e não compartilho da opinião de que a democracia seja um luxo reservado aos burgueses.
Não vou fazer rodeios para manifestar a V. Ex.ª minha sólida convicção de que o racismo, fenômeno que impera em nosso país e que cada vez cobra novos espaços na vida política, econômica e cultural da nação, é o maior, mais grave e mais tenaz problema que confronta a sociedade cubana.
Se deixarmos de lado os discursos grandiloquentes, mas vazios, e as declarações contundentes, mas enganadoras, sobre a suposta supressão do racismo e da discriminação racial em Cuba, aparecerá diante de nossos olhos um mundo concreto de desigualdades e iniquidades sócio-raciais que foram estruturadas por séculos e séculos de opressão racial e de ódio contra a raça negra. Esse foi o mundo que concretamente herdou a Revolução que chegou ao poder em 1959, mas que os dirigentes desta última se mostraram incapazes de interpretar corretamente, por serem homens e mulheres procedentes, como eram, das classes médias brancas que sempre dominaram o país e monopolizaram sua direção política e econômica.
A hegemonia branca, com seu concomitante racismo, é uma realidade histórica que o governo revolucionário, longe de destruir, contribuiu para solidificar e estender quando declarou a inexistência do racismo, o fim da discriminação racial e o advento de uma sociedade de “democracia pós-racial” socialista. Isso significa que tanto os dirigentes da Revolução que tantas transformações sociais benéficas trouxeram para nosso país, como o povo que lhes deu seu apoio ao processo revolucionário, eram reféns do mesmo passado brutal nascido do ventre da escravidão racial que impuseram os europeus nestas terras americanas. Desse ventre monstruoso surgiu uma sociedade racista. Por tanto, Cuba é hoje um país que fala com duas vozes totalmente distintas, uma branca e outra negra, ainda que, às vezes, essas tenham se fundido, temporariamente, em momentos específicos de nossa história comum.
Senhor presidente,
É um fato sabido que a Cuba socialista foi o único país no mundo que proclamou, publicamente, que havia eliminado o racismo e a discriminação racial, e que havia empoderado a população negra. Consequentemente, o governo revolucionário reprimiu, perseguiu e forçou ao exílio todos aqueles negros, intelectuais ou trabalhadores, que sustentaram o contrário. Para esses últimos, foram reservados os campos de trabalho forçado, as prisões, o manicômio ou o exílio. Eles foram tidos como “racistas ao contrário”, “racistas negros”, “contra-revolucionários”, “agentes do imperialismo”, e até como “instrumentos da CIA”.
Grandes pensadores negros, como o Dr. Juan René Betancourt Bencomo ou o professor Waltério Carbonell, pagaram um preço muito alto por haverem se levantado contra a doutrina racial que foi erigida em política de Estado durante cinco décadas e que consistiu em negar a existência da opressão racial e do racismo em Cuba sob a Revolução. É por essa razão que hoje os olhos do mundo se voltam cada vez mais para nossa suposta “democracia pós-racial” para saber por que o regime revolucionário destruiu aqueles que se negaram a conviver com essa Grande Mentira.
Cuba é um país onde uma revolução conseguiu derrubar os velhos privilégios de uma oligarquia republicana corrupta e submissa ao estrangeiro, mas onde, até o dia de hoje, a população de raça negra, majoritária no país, está confinada a jogar um papel de subalternidade. As honrosas exceções negras que ascendem à cúpula do poder o fazem unicamente com o beneplácito da elite dominante, predominantemente de origem européia, e confirmam assim a realidade, também dominante, baseada na subalternidade da raça negra em Cuba, depois de meio século de revolução socialista. Essa é a realidade. E negá-la seria persistir na Grande Mentira.
O racismo é a última fronteira do ódio entre humanos, precisamente porque raça é a mais profunda e duradoura linha divisória que determina quem tem acesso privilegiado e protegido aos recursos da sociedade, e a quem é vedada qualquer oportunidade de usufruto desses mesmos recursos. O racismo é uma estrutura de distribuição diferenciada, racialmente seletiva, dos recursos da sociedade e do planeta, que se perpetua através do monopólio do poder político. Portanto, trata-se de um modus operandi permanente, não de uma aberração; de uma estrutura de poder total que funciona maravilhosamente bem para garantir a permanência do domínio de uma raça especifica em detrimento das outras, e não um mero reflexo das simpatias e antipatias que surgem do jogo interpessoal.
A maioria dos dirigentes cubanos, revolucionários e marxistas, é branca num país onde a maioria da população é negra. Qual seria a razão para isso? E porque razão o racismo persiste e se expande constantemente, abarcando cada vez mais espaços da sociedade cubana, e impregnando as estruturas mentais individuais e coletivas em Cuba? O poder é branco em Cuba, e a discriminação racial contra os negros cubanos se mostra cada vez com mais força, unicamente por causa do racismo. O racismo se reforça constantemente, não somente em Cuba, mas em todos os países, precisamente pela mesma razão: porque funciona positivamente para aqueles que, em função de sua raça, se beneficiam do acesso racialmente seletivo aos recursos da sociedade. Se não fosse assim, o racismo teria desaparecido há milhares de anos, como desapareceram tantas realidades que surgiram da imaginação criativa do ser humano.
Senhor presidente,
O objetivo desta carta é contribuir com o debate que está sendo levado a cabo em nosso país sobre o rumo que haverá de tomar a nação num momento crucial de sua existência; momento que deverá enfrentar os desafios do novo milênio com políticas novas e verdadeiramente inovadoras que resolvam os problemas que atingem nossa sociedade. Com esse objetivo, quero propor a V. Ex.ª um conjunto de medidas mínimas que me parecem necessárias para começar o processo que nos leve, posteriormente, todos os cubanos anti-racistas e nacionalistas, a desafiar e superar a herança do passado. Esse passado se manifesta hoje nas desigualdades raciais que debilitam a unidade nacional, particularmente em momentos em que Cuba tem a possibilidade, pela primeira vez em cinquenta anos, de resolver seu litígio com os Estados Unidos de maneira pacífica.
Mas seria hipócrita e imoral pedir o cessar do embargo/bloqueio que os Estados Unidos injustamente impuseram a Cuba, sem que os dirigentes de Cuba se comprometam, também, a levantar o embargo/bloqueio que o regime revolucionário impôs à população majoritária do país desde o início da Revolução. Ambos os embargos/bloqueios devem ser levantados, simultaneamente, sem pré-condições de nenhum dos dois lados. E, por meio desta carta, quero contribuir para que nosso país, atualmente sob seu comando, encontre a melhor maneira de alcançar esse objetivo em meio a um consenso formado na unidade nacional. .
Concretamente, sugiro, como um primeiro passo, que seu governo tome, sem demora, as seguintes medidas:
• Estabelecimento de um estado social de direito como pré-condição do exercício democrático da cidadania cubana; prescrição de todas as práticas discriminatórias, sejam de natureza política, de gênero, de raça, de orientação sexual ou de confissão religiosa; libertação de todos os presos políticos em Cuba e dos presos de consciência.
• Extinção da proibição que foi colocada judicialmente contra as “Sociedades de Cor”, instituições históricas que formam parte do patrimônio cultural dos negros cubanos e que são indispensáveis como esferas diferenciadas de organização da raça negra em Cuba; restauração do direito de existência e de organização dessas Sociedades, conforme a existência em Cuba de organizações do mesmo tipo a favor de outras etnias (tais como, as organizações de cubanos de origem chinesa, basco, galego, hebreu, árabe); autorização de qualquer organização propriamente negra (cultural, social, desportiva, estudantil, política ou artística) cuja finalidade seja a luta contra o racismo e a discriminação racial.
• Reabilitação de todas as figuras históricas e pensadores negros proscritos e/ou silenciados ao longo da história de Cuba, antes e depois da Revolução, assim como a publicação das obras de militantes negros que lutaram pelo fim do racismo e da discriminação racial (Rafael Serra, Evaristo Estenoz, Pedro Ivonnet, Ramón Vasconcelos, Gustavo Urrutia, Juan René Betancourt Bencomo, Walterio Carbonell ….).
• Condenação oficial do genocídio perpetrado pelo Estado cubano em 1912, contra a população negra, fato que, até hoje, o Estado não reconheceu de maneira oficial; reabilitação do programa político do Partido Independente de Cor (PIC) e de seus lideres históricos (Evaristo Estenoz, Pedro Ivonnet e outros), visando o restabelecimento da memória histórica nacional.
• Autorização para a criação de um organismo nacional autônomo de Negros Cubanos, na forma de uma Fundação Nacional para Fomento do Desenvolvimento Econômico da População Negra (FUNAFEN), para atender aos graves problemas sócio-econômicos que enfrenta a população negra e com atribuições para obter fundos de caráter nacional e internacional para melhorar as condições de vida nos bairros mais pobres; criar novos programas específicos para a capacitação profissional de jovens afro-cubanos que os prepare para as demandas da economia nacional e global.
• Adoção, por parte do Estado, de novas medidas com relação às remessas que seus cidadãos recebem do exterior (e estimadas em 1.5 bilhões de dólares por ano, dos quais menos de 15% chegam às mãos da população negra); adoção de uma carga impositiva sobre essas remessas, que deveria estabelecer 10% ao invés dos 20% atuais; e o 50% deste último imposto, recolhido pelo governo, deverá ser incorporado automaticamente à FUNACEN, atendendo ao fato de que as remessas do exterior favorecem o incremento vertiginoso das desigualdades raciais em Cuba.
• Autorização para a convocação, por organizações autônomas dentro de Cuba, e sem interferência dos órgãos do poder, de um Congresso Nacional sobre o Racismo e a Discriminação Racial; autorização para que intelectuais e militantes Afro-cubanos independentes, residentes em Cuba, possam participar de uma Mesa Redonda de Nacionalistas Cubanos do interior e da Diáspora, com a finalidade de discutir estratégias de combate ao racismo em Cuba.
• Autorização para a criação de um Observatório Nacional para monitorar a situação racial em Cuba e trabalhar a favor da eliminação das práticas racialmente discriminatórias de qualquer tipo, seja no domínio público como no privado.
• Adoção de medidas e políticas concretas que dignifiquem e façam respeitar o fenótipo associado à raça negra e que é objeto em Cuba de rejeição e de ridicularização, especialmente no caso da mulher negra; projeção positiva do fenótipo do afro-cubano em todos os meios de comunicação de massa, manifestações culturais e formas de representações artísticas, com o fim de combater o escárnio racista dirigido maciçamente às características raciais da população de herança africana (nariz, lábios, cor, cabelo crespo, morfologia…).
• Criminalização formal do racismo e da discriminação racial em todas as esferas da vida nacional sem direito a fiança, conforme já existe no Brasil (Lei Caó); proposta à Assembléia Nacional de novas legislações especificamente designadas para punir qualquer tipo de manifestação de discriminação ou humilhação racial na esfera pública ou privada.
• Reconhecimento pleno da mulher negra cubana como protagonista extraordinária da dignidade nacional, mas que sofreu e continua sofrendo duplamente a discriminação; lançamento de uma campanha nacional em prol da revalorização do fenótipo específico da mulher afro-cubana; autorização para a criação de uma Organização de Mulheres Afro-cubanas, totalmente independente da Federação de Mulheres Cubanas (FMC) e com capacidade para buscar financiamento externo.
• Reconhecimento da existência de maiorias orgânicas no país, atendendo principalmente aos parâmetros de sexo e raça, que deverão refletir equitativamente em todos os órgãos de decisão política, econômica e cultural, considerando que mais de 60% da população cubana atual é de origem africana; estabelecimento de um mecanismo de representatividade progressiva que garanta a presença efetiva da população Afro-cubana em todos os níveis e em todas as instâncias do país, e que, para começar, deverá alcançar nos próximos cinco anos 35% das posições-chave do Partido, do Governo, do Parlamento, das Organizações Populares, da direção das Forças Armadas e do Ministério do Interior, dos meios de difusão de massa (em especial o cinema e a televisão), da indústria turística, e das empresas mistas criadas com capital estrangeiro.
• Reconhecimento oficial e respeito efetivo das religiões Afro-cubanas, em pé de igualdade com as demais religiões em Cuba, mediante a instauração de um mecanismo de diálogo permanente da direção política do país com as referidas religiões, como se fez com as religiões cristãs, conferindo-as, assim, o lugar que legitimamente lhe é de direito, e que impulsionaria o processo de consolidação da identidade nacional e cultural; interrupção imediata de todas as práticas oficiais ou extra-oficiais que resultem na interferência, folclorização e exploração para fins turísticos das religiões de origem africana, adotando-se medidas penais adequadas que impeçam sua discriminação, como deve ser em um estado laico.
• Imposição de lei, em todos os níveis do sistema educativo, do ensino da História da África e dos povos de origem africana nas Américas, como já fez o Brasil (Lei 10639/03); publicação das obras de referência mundial que elucidam a história da África em todos os seus aspectos, e daquelas obras que evidenciam a história do próprio racismo; desenvolvimento dos estudos e pesquisas sobre a problemática afro-cubana na história e na sociedade, a fim de fortalecer a identidade nacional e levantar a auto-estima da pessoa negra; criação de disciplinas de estudos afro-cubanos nas universidades e de centros de estudos étnico-raciais extra-muros.
• Implementação de políticas públicas de ação afirmativa, como uma estratégia global capaz de conduzir a uma equiparação sócio-econômica daqueles cidadãos que, por causa de sua origem racial, sofrem desvantagens historicamente construídas, como consequência de serem descendentes das populações africanas que foram escravizadas em Cuba, e que, por tanto, seriam uma forma concreta de reparação moral para a população negra.
• Realização de um censo nacional baseado em parâmetros científicos modernos como base para avaliar a extensão das injustiças sociais que afetam desproporcionalmente a população Afro-cubana, e atendendo ao fato de que os resultados dos censos realizados nos últimos cinquenta anos merecem total desconfiança.
Senhor presidente,
Pessoalmente, estou convencido de que V. Ex.ª tem consciência da gravidade do momento e da pouca margem de manobra que teria qualquer dirigente em sua posição. Contudo, a seu favor, acorrem certas circunstâncias próprias que devem ser aproveitadas, se o objetivo é salvar as conquistas sociais que o povo de Cuba obteve através da Revolução de 1959. Considero como algo benéfico, para V. Ex.ª e para Cuba, precisamente, o fato de que V. Ex.ª não seja um líder carismático tradicional, o que lhe permite ser, em contrapartida, um dirigente realista e pragmático, capaz de reconhecer o perigo quando o vê.
Estou convencido de que os numerosos dispositivos de inteligência que V. Ex.ª tem sob seu comando, a grande quantidade de institutos de pesquisa social que o regime revolucionário criou ao longo das décadas para analisar a realidade social e tomar o pulso da população, proporcionou suficientes dados sociológicos, empíricos e abstratos, que permite concluir que algo novo está acontecendo na consciência coletiva da população negra majoritária e que esse “algo” não poderá ser satisfeito a não ser com um empoderamento efetivo, a partir de formas de organização legitimamente populares e surgidas de baixo.
Chegou o momento de mudar drasticamente, e num tempo mais rápido possível, a situação da população negra em Cuba, atendendo tanto à urgência que sentem aqueles que nunca tiveram o poder, e aos problemas gigantescos com os quais têm de se confrontar. Mudanças profundas devem ser feitas agora, sem qualquer pretextos ou estratégia de retardos, sem demora, para modificar de maneira radical, permanente e abrangente o panorama sócio-racial da sociedade cubana. Não há tempo a perder: cada minuto de espera é uma porta aberta a situações imprevistas e difíceis de serem controladas, na medida em que apareçam.
Seria perigoso continuar a pensar que “aos negros não interessa o poder”, e continuar postergando aquelas medidas sem as quais não pode acontecer o empoderamento verdadeiro da população que é maioria em Cuba. É por isso que nas mãos de V. Ex.ª está atualmente a possibilidade de fazer uma ruptura completa com o passado e fazer o que nenhum dirigente que o precedeu se atreveu a fazer: trabalhar a favor do empoderamento efetivo daqueles que, há mais de trezentos anos, vivem em um estado permanente de Período Especial.
Falei a V. Ex.ª em meu nome, e só em meu nome. No entanto, sei que as opiniões emitidas nesta carta têm eco naquelas que cada vez mais estão sendo formuladas no país. E eu sei que V. Ex.ª sabe disso.
Com muita deferência e saudações nacionalistas,
Carlos Moore
Etnólogo e Professor de Relações Internacionais
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