Este é meu primeiro texto com imagens de vídeo. E talvez bastassem as imagens, pois elas falam por si. Eu nasci no ano do Bi. 1962. Acho que em pouco mais de quatro anos, já desenvolvia a minha paixão por este bólido esférico que me encantava (encanta a até hoje) e atrás do qual eu corria tentando dominar, sem conseguir. Se conseguia alcançá-la, agarrava-a entre os braços, como se abraça uma amante. E ela era. Uma amante tão especial que em 1970, uns meses depois da conquista do Tri, fui atropelado por um Fusca, quando ia para a praia com uma tia, e nem o choque do carro e as raladuras provocadas pelo asfalto nos meus pontiagudos joelhos e cotovelos me fez abandoná-la. Aço que morreria abraçado com ela. Sorte que em 1970, os Fuscas andavam a 30 ou 40 km/h. Sorte grande que me permitiu viver esta paixão o resto da minha existência. Foi ela quem me proporcionou alguns dos momentos mais belos da vida. Conheci suas manhas, sua intimidade, o gosto de bater nela. Bem na cara. Aprendi a compartilhá-la com os seus outros também admiradores. Muitos dos quais invejei por tê-la conseguido dominar com precisão cirúrgica. Com maestria. Com a flexibilidade de um bailarino e executaram com ela um verdadeiro balé. Pintaram quadros belíssimos que ficarão na minha mente ainda que eu viva 200 anos. Conheci muitos dos santuários onde ela virou deusa e forjou ídolos eternos. Onde ela nos fez regredir a meninos, mesmo aqueles cujos cabelos já teimavam em querer ficar brancos. Ela é soberana. Caprichosa. Permite o máximo de intimidade a poucos. Faz com que os demais ainda que a invejar estes poucos, por serem quase divinos, os reverencie. É a magia dela quem faz isso. Faz a gente se arrepiar. Se alegrar. Se emocionar numa catarse coletiva. Gritar: Gol! Qualquer um, em qualquer lugar deste planeta, conhece esta linguagem. O planeta é dela e, nós, súditos deslumbrados, continuaremos a sobreviver a atropelos, tristezas, rompimento de núpcias, a tudo. Em nome do imprevisível. Em nome da plasticidade. Em nome da dança. Em nome da utopia. Em nome do fenômeno. Em nome dos momentos de majestosidade a que ela nos remete.
Num país campeão em tributação, um espaço para usufruir o que temos de mais caro e que ainda não foram taxadas: inventividade e capacidade de se indignar.
segunda-feira, 27 de abril de 2009
terça-feira, 7 de abril de 2009
A IMAGEM ATRAVÉS DO ESPELHO
"Toda imagem no espelho refletida
Tem mil faces que o tempo ali prendeu
Todos tem qualquer coisa repetida
Um pedaço de quem nos concebeu(...)"
ALÉM DO ESPELHO
João Nogueira e Paulo César Pinheiro
Acredito que, só agora, me acho pronto para te escrever. Do ponto de observação onde me encontro, posso me reconhecer e te enxergar, objeto criado a partir de um lugar onde a distância entre mim e ti se equivalem e se refletem. Somos quase iguais. Você tinha paixão pelo mar e eu respeito e temor. Você só sabia cantar uma música, eu as componho aos montes. Você torcia pelo Ypiranga, eu sou Bahia. Você não gostava de crianças, elas tiravam-lhe a paciência, e eu me valho do sorriso, da balbúrdia e do frescor delas para dar sentido a minha alguma alegria. Nossas semelhanças não cessam aí. Você nunca foi afeito ao diálogo; eu oral de demais. Para cada grito seu, transformei minha voz em balbucio, tremi e, por vezes, me senti a mais insegura das pessoas.
Em pouco tempo, me fiz mais que sua imagem, assumi seu papel, quando agistes como menino, não assumindo a família que constituístes. Coube a mim, menino, virar o "homem" da casa. Carrego, em algum nível, esta responsabilidade até hoje. Parece que se tornou perene à minha natureza, cuidar, zelar, dar amor. Acho que é por isso que eu te amo tanto. Foi na falta, na inversão da imagem que construí o que sou. Amo-te por que não sou melhor nem pior que você, talvez nem mesmo seja diferente. E amo porque agora no fim, pude perceber a sua humanidade e a fragilidade de ser só, igual a todos os homens. Amo-te não porque te vi chorar de dor, mas por que te vi chorar e não preciso mais sentir vergonha de chorar na frente de um filho, seja de alegria ou de dor. Amo-te pela referência antitética de não lhe ter aprendido o modelo e por esta razão saber perdoar.
Existe uma lei no estudo da ótica que diz que para cada ponto do objeto será criado um ponto imagem equivalente atrás do espelho. Hoje, sou menos orgulhoso, mas ainda sou. Tenho o joelho inchado como o seu. A tua calvície. O lábio grosso e um nariz nem chato, nem "afilado" como o seu. Trago seu nome. Trago o hábito de acordar cedo qualquer dia da semana e a coragem para trabalhar. Muito embora, não entenda qual a vantagem em se trabalhar tanto...
De acordo com as leis da Física sobre reflexão para espelhos planos, a distância com relação ao espelho de cada ponto do objeto será igual à distância do seu ponto imagem ao espelho. Deste modo, concluo que fomos distantes o bastante para nos ver refletidos um no outro. Diz a Física, também, que a imagem refletida em um espelho plano tem o seu lado direito trocado com o esquerdo, isto é, existe uma inversão direito-esquerdo. Olhando por este prisma, acredito que cumprimos nossos papéis.
Eu ainda tenho algumas culpas a expiar, enfermidades a curar no meu espírito, neste plano de desenvolvimento talvez, mas tenho a certeza de que até agora tudo valeu. Valeu muito ter você nesta vida. Até logo. Até breve. Quem sabe teremos a oportunidade de outra passagem por este plano,ou em um outro, onde não precisemos inverter os papéis.
Siga em Paz. Muita Luz!
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