quinta-feira, 28 de outubro de 2010

PENSANDO A CAMPANHA PRESIDENCIAL

"Nos deram espelhos
E vimos um mundo doente
Tentei chorar e não consegui."
Índios (Renato Russo)

Estamos chegando ao fim de mais uma corrida a sucessão presidencial. Uma campanha, a meu ver, muito mixuruca para a magnitude do cargo que se disputa e principalmente em função da posição de destaque e visibilidade que o Brasil adquiriu nos últimos anos. Fora o desempenho pífio de ambos os candidatos, que deixaram claro não ter nenhum grande projeto consistente, a campanha pela internet dos correligionários de ambos me encheu a paciência. Muita bobagem, muita falta de informação, e muita gente reproduzindo o discurso da mídia, sem fazer qualquer reflexão ou análise crítica.
Algumas coisas ficaram patentes para mim neste fim de jornada, a gente não sabe discutir ideias (mesmo os ditos escolarizados)  e estamos longe de pensar coletivamente. Recebi e-mails com discursos tão frouxos e tão marcados pelo interesse pessoal que, confesso, algumas vezes fiquei nauseado.
Definitivamente, grande parte das pessoas não está preocupada com os outros, nem com a coletividade, nem com a pobreza, nem em construir um país melhor. Somos uma sociedade onde cada um vive "puxando a brasa pra sua sardinha". Talvez esta seja a origem de muitos problemas que temos.
Seguindo a linha dos candidatos, na falta de propostas, a discussão ficou no plano de quem tinha a conduta moral mais ou menos questionável. Como se existissem escalas de moralidade. A parte que é contrária a que governa “pegou pesado”, usou de expedientes os mais diversificados e paradoxalmente imorais para questionar o moral do oponente, deixou seu “rabo de palha” pra ser queimado.
Tudo isso nos revelou uma única coisa: nós brasileiros, de um modo geral, temos que melhorar muito nossas condutas pessoais no tocante a moral, a honestidade, cidadania e justiça e aí assim poderemos levantar abertamente esta bandeira. Lamentavelmente, somos um país, onde muita gente que se autointitula "boa", não está aqui se falando da grande maioria de desfavorecidos, sonega impostos, não emite recibos pelos serviços que presta, dá e recebe propina, usa do prestígio pessoal para conseguir e fazer concessões, “fura” fila, lava dinheiro através de igrejas, aborta, consome drogas ilícitas e etc. Como se forja um sentimento de nacionalidade numa sociedade assim?
Ao fim desta peleja, a hora solicita que façamos nossa "mea culpa". Limpemos nossa vidraça. Não foi este governo, nem o anterior que inventou isso. Este estado é o próprio reflexo da sociedade que temos e que discursa uma coisa e, nos bastidores, faz exatamente o contrário. Parece que já está no seu DNA. Precisamos mudar isso, mesmo que levem décadas, para que pensemos ser uma nação de verdade. Estamos longe de sê-lo.
Quanto ao pleito, está se definindo. No dissenso, como em qualquer Democracia, prevalecendo aquilo que é melhor para maioria. E para satisfação de uns e desencanto de alguns outros, tem uma parcela grande de cidadãos brasileiros que foi alçada, nos últimos anos, a mínima condição humana. É esta parcela, que atravessou a campanha alheia a estas contendas e que pouco tem a barganhar, que certamente fará a diferença.

domingo, 10 de outubro de 2010

DO ABORTO E OUTRAS QUESTÕES

Tenho lido muito a respeito da campanha política para sucessão do presidente do Brasil e me deixo estarrecer de quão reducionista se tornou a discussão entre seus postulantes. Claro que isto se deve em muito a mentalidade estereotipada do brasileiro, falso moralista e hipócrita, e a imprensa incompetente que forma opinião no país. Esta carente de manchetes e furos, sempre em defesa de interesses próprios, praticando o jornalismo inconsequente, anda muito distante do papel de informar, questionar e educar, refletindo o quanto ainda estamos ignorantes em relação ao processo democrático.
Daqui da Índia, onde estou, li com muita tristeza e decepção o posicionamento de um dos derrotados candidatos a governador da Bahia. Luiz Bassuma declarou apoio a José Serra por ser a candidata Dilma Russeff, segundo ele, a favor da legalização do aborto. Na minha ótica, este cidadão enterrou toda uma história de luta e combatividade que desenvolveu ao longo da sua vida profissional e política. Simplificou ao extremo um pleito que está para muito além das convicções religiosas de quem quer que seja. Cito este exemplo unicamente para ilustrar o que disse anteriormente. Estamos falando do destino de milhões de indivíduos que vivem num país laico e cuja gama de questões estruturais e sociais é infindável.
Gente, nós não podemos esquecer que tem pouquíssimo tempo que vivíamos uma eterna cruzada contra a inflação, ainda não estamos imunes desta que foi ,durante longos anos, a razão dos nossos maiores pesadelos. Havíamos que estar discutindo plataformas para manutenção do crescimento econômico. Sobre a preservação da referencia de valor que nossa moeda ganhou nos últimos anos. Isso reflete direto na qualidade de vida do povo e é fator preponderante pra mitigar a miséria que ainda assola o país. E mais, reduzir a política assistencialista que tanto incomoda a sociedade.
Precisamos discutir a educação com profundidade. A política intervencionista do governo atual é boa e tem colhido algum resultado, mas carece de avanços. Urge-se de uma reforma mais ampla do ensino público. Ações que resgatem a qualidade do ensino e revitalizem a educação. Eu não vejo nenhuma proposta de melhoria ou de ajuste.
Precisamos apresentar propostas para a falta de trabalho para a população ativa que emerge a cada ano. É impossível não associa-la aos índices de criminalidade aterrorizantes que possuímos. E já que falamos em criminalidade, urge-se discutir uma reforma das polícias e do sistema carcerário.
Precisamos discutir uma reforma tributária que desonere o contribuinte dos extorsivos impostos que se paga hoje. Somos bi-tributados em diversas operações comerciais.  Continuamos a ser um dos países que tem o maior encargo mundo. Empregar ainda continua sendo uma penalidade para quem emprega.
Quem tem propostas? Quem tem interesse nesta matéria? Quem se propõe a discutir amplamente esta questão? Que modelo de relação trabalhista querem os trabalhadores hoje? É a CLT o único caminho?
Só estes pontos, feito num apanhado simples, por um cidadão comum, já elevariam em muito o nível da campanha política e a qualidade das discussões acerca do futuro de mais de cem milhões de vidas das quais a maioria carece de informação, de formação e de saber se posicionar, posto que se deixe influenciar por uma imprensa que não se posiciona seriamente, perpetuando a visão rasa e o distanciamento do verdadeiro senso de democracia.
Neste contexto, os candidatos, reféns que são deste poder, escorregam por um caminho igualmente medíocre que não atende nenhuma perspectiva, levando a que se decida um pleito de tão grande importância no detalhe.

domingo, 3 de outubro de 2010

DAS RAZÕES PARA VOTAR EM DILMA

Eu tinha me prometido não fazer qualquer manifestação a respeito desta questão, uma vez que este ano, por estar fora do país, desenvolvendo atividades profissionais, estou impossibilitado de exercer ao ato cívico de votar. Mas é muito difícil para mim não me posicionar, dada à importância do assunto: eleições presidenciais.
Assisti a campanha à distância e, sinceramente, não me motivei a mergulhar nesta que foi uma das campanhas políticas mais insossas, marcada pela presença de três candidatos, me refiro aos candidatos potenciais ao cargo, que não trazem a mim qualquer tipo de sentimento de avanço em relação à forma de pensar ou repensar o futuro da nação.
José Serra é o representante de uma burguesia cambaleante, acostumada aos privilégios, que já mostrou quanto é torpe e intolerante quando o assunto é a preservação do seu “status quo”. Marina Silva representa a fatia desencantada com o discurso adotado pelo PT de moralidade, cuja prática a mim e tantos outros frustrou, mas que certamente não a levam a governabilidade neste país corrompido e cheio de situações intrincadas. Vivemos sob uma herança maldita que não se consegue entender, mas que está estabelecida bem antes do governo do PT e ainda precisa ser “politicamente” administrada. Não sei quanto de ingenuidade tem no discurso dela que já conviveu dentro do governo e sabe que a força oculta dos interesses econômicos, ainda não nos permite vislumbrar este país de maravilhas que ela apregoa. Dilma não é uma mulher carismática, não é simpática e tampouco soa com uma figura espontânea. Seu discurso é frouxo como dos demais. Decorou o texto. Mas, eu votaria nela pelo que representa de continuidade nas melhorias que tenho presenciado neste país a despeito da resistência da elite.
Só quem sabe o que é pobreza, conhece-a de perto, sabe que, pela primeira vez, vê-se uma melhoria significativa na condição de vida dos pobres, maioria esmagadora deste país. Por mais que soe assistencialista a bolsa família põe alimento na mesa de milhões de pessoas. Isto é básico.
Passei toda minha mocidade, ouvindo dos governos elitistas que melhorar o salário mínimo era promover a inflação. Nos últimos anos, o salário mínimo teve sua melhor recuperação deste que me entendendo como trabalhador, nisso se vão quase trinta anos. O poder aquisitivo de milhões de pessoas melhorou. Isto é resgatar a dignidade.
Ainda que muito se tenha a fazer pela educação, sem dúvida, as oportunidades de acesso melhoram significativamente. Tenho muita simpatia pelo ProUni, oportuniza a pessoas um acesso tão preterido anteriormente. Um grupo grande de pessoas, ao qual os governos anteriores nunca deu a devida importância, hoje ao menos aspira a uma universidade.
Por último, tem duas coisas que me agradam neste governo, a recuperação do funcionalismo público e a revitalização da indústria. O histórico das negociatas para privatização das empresas brasileiras é algo que não pode ser apagado, nem esquecido jamais. O ônus social ainda reverbera até hoje. Quando eu vejo o “gás” que algumas organizações, ditas combalidas, ganhou no governo atual, eu fico muito perplexo em imaginar que outras tantas foram entregues na bandeja aos interesses de alguém que não era o país e à custa do desemprego e do abandono de milhares de trabalhadores.
Não, definitivamente estes avanços não devem retroceder. São palpáveis e muito embora, todos digam que são capazes de fazer, quando tiveram a oportunidade, em longos trinta anos, foram na mão contrária. Promoveram retrocesso ou avanço nenhum. Não deram a importância à maioria esmagadora que urge de atenção, de respeito e de ter uma vida de gente, gente que é. Se Dilma representa a continuidade, e isto eu espero, votaria nela apesar dos pesares e dos graves tropeços do partido dela. Sem romantismo, sem o falso moralismo dos puritanos, mas certo de que democracia não se faz a partir de interesses individuais, nem é consenso. Se faz no desejo e opção pela maioria.

domingo, 19 de setembro de 2010

NÃO HÁ OUTRO LUGAR POSSÍVEL

"Não há outro lugar possível. Ninguém tem tanta paciência, respeito, reconhecimento e amor pra dar a ela como eu...”.


Desde ontem que estou sentindo um veemente desejo de escrever. As frases acima ficaram reverberando na minha mente todo o fim de semana. Elas vieram-me através de uma mensagem escrita por uma amiga, por quem nutro grande afeto e com quem gosto de me comunicar. O excerto faz parte da resposta a um e-mail que lhe escrevi externando minha preocupação com ela ao saber que sua avó não estava bem de saúde.

O teor do texto não me surpreende vindo de quem vem. Uma pessoa rara em integridade e de uma humanidade incomum. Sinceramente, não esperava posicionamento diferente. Mas me fez refletir sobre a forma como o mundo, particularmente, o ocidental, tem tratado seus idosos.

Eu tive avós maravilhosas, ambas já deixaram este plano. As memórias que tenho delas são as melhores possíveis. Suas partidas deixaram na minha vida uma lacuna e, à época, uma tristeza amplificada, principalmente por não ter, naquele momento, a clara compreensão da nossa finitude e da separação que vem com a morte. Eu queria muito tê-las curtido mais. Aproveitado suas presenças, seus saberes, suas histórias, seus mimos e mesmo seus caprichos e casmurrices. Mas esta é outra história...

O fato é que atitudes, como esta da minha amiga, estão rareando e tornando-se cada vez mais surpreendentes na nossa sociedade que vive cada dia mais, para o momento presente, único, instantâneo. Parece que envelhecer é um “privilégio” às avessas, exclusivo de poucos que tiveram o sortilégio de alcançar à tão almejada longevidade. Para mim, isto é um paradoxo. Como posso eu querer viver cem anos, se eu vejo ao meu redor a forma como as pessoas longevas são tratadas? Que ambiente eu estou construindo para quando eu lá chegar? Queiramos ou não, o envelhecimento físico é algo que ainda nos é inevitável. Nossa fragilização paulatina e, para alguns, nem tão paulatina assim, é algo que, em via de regra, vai se dar com todos, na proporção em que se nos avançarem os anos. Então, por que tanta inospitalidade com nossos “velhinhos”? Por que tanta falta de respeito e paciência? Não é para lá para este “lugar” que estamos todos correndo? Eu queria muito entender.

Todos indistintamente temos uma curva de vida, como se fôssemos nós uma bola em pleno lançamento oblíquo, onde, e isto é verdade absoluta, iniciamos o ciclo numa total dependência dos mais velhos. São eles que nos impulsionam pra desenvolver a trajetória. Alimentamo-nos pelas mãos deles. Vestimo-nos. Calçamo-nos. Caminhamos pelo amparo, pela dedicação, pela paciência de outros. Vem deles a compreensão quando não sabemos ainda expressar o que desejamos. Quando não sabemos dizer onde dói. Quando ainda não estamos prontos para enfrentar as circunstâncias com as quais nos deparamos na vida em sociedade. Vêm deles os valores morais. E a maioria das coisas das quais necessitamos no começo da vida. Acho que é por isso que ficamos loucos para crescer e nos tornar independente. Seguimos como se o tempo estivesse sobre o nosso controle, mas à medida que avançamos, na mesma medida cronológica, os nossos mais velhos, aqueles que fundaram os nossos alicerces, vão caminhando também. Já chegaram onde tinham que chegar. Realizaram-se ou não. Passaram pelo ápice da curva e fazem um caminho de volta. Caminham de volta para a terra. Vão ficando mais esquecidos. Com mãos menos hábeis. Com dificuldades motoras. Sem equilíbrio. Voltando a ser criança...

Nós também, se a nossa curva não for interrompida “precocemente”, iremos chegar lá. Vamos necessitar da presença daqueles de quem cuidamos, às vezes só da presença. Quando não tivermos mais condição de nos locomovermos, necessitaremos de uma mão amiga para nos dar apoio ou mesmo guiar. Alguém que caminhe conosco para os últimos dias com “paciência, respeito, reconhecimento e amor pra dar...”.

domingo, 29 de agosto de 2010

DA IMPLOSÃO E SEUS EFEITOS


É impossível ficar imune às postagens dos meus amigos falando sobre a implosão do Estádio Otávio Mangabeira (Fonte Nova) no Facebook. Hoje é um dia triste? Não sei ao certo. Para mim encerra um ciclo. A partir de hoje, o museu de memórias do futebol se reserva às minhas recordações e não mais terá referência física. Seja como for que este novo estádio venha a ser, mesmo cercado de conforto e modernidades, ele já não me dirá nada. Primeiro por que o futebol já não tem a mesma importância para mim como no passado. Segundo, porque a beleza, a genialidade e a criatividade foram banidas desde que futebol virou uma atividade comercial em detrimento do desporto. O que fica são os bons registros dos quais aquele lugar foi palco, num tempo em que tudo tinha uma “cor” diferente aos meus olhos.
Hoje, lembrei de muitas pessoas. A primeira delas, Seo Tati para quem abro um parágrafo cheio. Foi ele quem me tomou pela mão, aí pelos idos de 1971, e me levou a Fonte Nova pela primeira vez. Inesquecível dia, inesquecível Izaltino, este era seu nome. Além de ser uma pessoa generosa, era um sujeito dos mais democráticos que já conheci. Nos tempos em que ser homem adulto era símbolo de austeridade e autoritarismo, pelo menos, naquela época, assim via meus tios e meu pai, Ele, não. Era leve, espirituoso. O único que eu achava divertido mesmo quanto tomava umas cervejas a mais. Lá íamos nós, eu, ele e Periquito, seu filho. Torcedor do Vitória, nas diversas vezes que fomos ao estádio, jamais me incitou a trocar de time, mesmo sabendo que eu era um torcedor adversário. Naqueles tempos, era o Bahia hegemônico e quase sempre eu era quem voltava pra casa com o coração pipocando de alegria. Ele não se importava. Faça-se uma ressalva ao ano de 1972 no qual o Vitória armou um time maravilhoso de se ver e difícil de se encarar. Foi sua grande revanche naqueles tempos... Seo Tati fez a passagem num tempo em que, como hoje, eu morava fora da Bahia. Embora tenhamos mantido uma relação de carinho e respeito por muitos anos, acho que nunca lhe demonstrei toda a gratidão por aqueles momentos de felicidade...
Um dia, minha mãe achou que eu já tinha "maturidade" suficiente para ir por aí, por minha conta e risco, e foi a Fonte Nova um dos meus destinos mais certeiros dos domingos e quartas-feiras. Amante do futebol era, sobretudo, amante da atmosfera que circundava o estádio e todos os rituais que marcavam ir a uma partida de futebol naquele “santuário”. Foi lá que rezei com a mais forte devoção e fé. Fiz grandes amigos ali dentro. Quase uma família. Colecionei uns poucos desafetos, geralmente motivados pela paixão. Por causa dela, perdi namorada. Tomei bronca de chefe. Colecionei emoções. Chorei. Senti-me humilhado algumas vezes, mas ri muitos dos meus melhores sorrisos. Soltei os meus gritos mais sonoros. Esqueci a rigidez do meu corpo e dancei a dança da espontaneidade. Abracei desconhecidos sem medo de ser censurado. Cantei a plenos pulmões. Fui testemunha do jogo bem jogado, da lealdade de vários atletas, da fidelidade masculina ...
Esta Fonte Nova que hoje se vai, talvez não fosse mesmo mais digna de ser arena do que se tornou o futebol. Não existe mais a máxima “encarnar a camisa”. Não se persegue mais o gol, muito menos o jogo bonito. Empurra-se uma bola pra dentro da rede do adversário e fecha-se em bloco pra alcançar o resultado mixuruca e ganhar a peleja. Não existe mais a ânsia pelo gol. Acabaram-se as partidas de encher os olhos e mesmo o curvar-se em respeito ao adversário quando este se mostrou tecnicamente superior.
A nova Fonte Nova pode ser chamada de qualquer outro apelido, pois ela não resgata estes quase 60 anos de beleza dos quais fui testemunha ocular em quase quarenta. A “nossa” Fonte Nova agora faz parte de um imaginário cheio de fantasias que só quem viveu sabe o valor. Hoje eu tenho certeza que muita gente está triste. Respeito muito as lágrimas de quem chora a implosão, mas, a despeito desta hora de dor, muita lembrança bonita passou no meu pensamento. Meus amigos, tantos que não dá para mencionar sem cometer a injustiça de esquecer algum nome.. Meus ídolos. Minhas namoradas as quais se permitiram compartilhar comigo este prazer. Meus tios. Meu pai Ypiranguense. O Avô de meus filhos que os intimou, veementemente, a torcerem pelo Vitória. O churrasquinho de gato. O pastel no Chinês da Carlos Gomes. O cachorro-quente na porta do Colégio Águia. A algazarra no ônibus coletivo. O sarro com os adversários. A inexistência desta violência injustificada que ceifa vidas. No ferver do sangue, rolava até algumas porradas, mas tudo acabava ali, na mão, na hora.  Os trio-elétricos que de lá partiam rumo à “colina”. Ventilador, meu vizinho que me tratava tão bem, mas que em certo BAVI fez um dos 3, que o Bahia levou, e eu fiquei com raiva dele e troquei “de mal”. Seu Juvêncio... de quem ouvi pela primeira vez, "vumbora Baêa, minha porra"... Farta e rica memória...
Outros tempos. Outra arena. Outra forma de ver. Tudo se transforma.

Mumbai, 29 de agosto de 2010.

http://www.youtube.com/watch?v=OUw3UNhh_jU



quinta-feira, 26 de agosto de 2010

A BAHIA FOI BEM (OU COMO ERA GRANDE O MEU AMOR POR VOCÊ)


Eu tenho visto várias pessoas fazerem apologia aos governos do antigo PFL da Bahia e penso quão curta é a memória dessa gente. Ao longo de quase 40 anos de gestão, este partido, com suas lideranças, deixou o maior e pior legado para um povo: a ignorância. Esta gente, por razões óbvias, esfacelou a escola pública e formou pelo menos três a quatro gerações de analfabetos funcionais neste estado. Tem algo pior para uma sociedade do que isso?
Compreendo esta postura reativa de muita gente que mamou nas tetas do erário público, anos a fio, e que sente saudades dos privilégios. Mas ouvir isso do "povão" que foi tratado a pão, carnaval e desinformação, muito me entristece...

quarta-feira, 21 de julho de 2010

DO NOSSO JEITO DE SER


A vida é mais que um prazer
Mas como vem aceito
Não trago nos olhos meus
Nenhum amor desfeito
A ausência não é um adeus
Mas causa o mesmo efeito
(VERNIZ, Sérgio Santos e Paulo César Pinheiro)



Ela não trazia nada. Não falava inglês. Nada sabia. Não contava vantagens. Nunca ingeriu bebida alcoólica. Nunca foi a um restaurante italiano. Não usava roupas de grife, nem tampouco maquiagem. Não tinha sequer um corpo escultural, nunca entrara numa academia ou salão de beleza. Certamente, era mais jovem do que denotava seu corpo. Muito embora, este fosse flexível e macio.
Só sei que ela me veio. Por não saber quem era no contexto, talvez por não se importar, também, nada perguntou sobre mim. Não perguntou onde eu morava. Não perguntou quanto eu ganhava, nem se eu tinha carro. Não. Ela não tinha o ar dissimulado das cosmopolitas de inquirir com desfaçatez, na busca de um “bom partido”. Relacionava-se com dinheiro apenas como energia que chega, vai, se transforma na forma fluida e volta e segue o ciclo. Nada acumulando. Não conhecendo estabilidade, não pensou em futuro. Não ela não queria “segurança”, nada de material. Não queria desempenhar papel algum em minha vida. Não tinha esta visão tosca de felicidade que nos acomete e nos faz buscar um “não sei bem o que” pela vida afora. Desejava apenas se aproximar. Aproximou-se... Demorei um tempo para admitir que a presença dela me fizesse bem.
Ela tinha um olhar compassivo de quem tem a chave, mas que permite ao outro pensar que sabe o segredo. Cheia de sutilezas nos gestos e um sorriso misto de desprendimento e sensualidade. Tinha a compreensão exata das ínfimas nuances que fazem a diferença entre o homem e a mulher... Num tempo em que ser gente se tornou algo difícil, ela sabia portar-se na máxima dignidade do humano ser...
No fundo, ela só queria me vir por ela ereto, mas não usou agir como uma femme fatale. Foi perseguindo, sutilmente, uma intimidade que, no princípio, neguei meio de susto, meio por preconceito. Seus olhos perceberam. Ela não problematizou a situação. Massageou-me o ego. Ofereceu-se e massageou-me os pés. Pediu-me um afago e a afaguei. Chegou mais perto. Tomei-a em meus braços. Ela retribuía inteira como se todo o ser reverberasse ao contato. Sentia sua pulsação. Desejou massagear meu corpo. Eu consenti. Então o contato físico tornou-se irreversível...
Fui eu quem falou de relacionamento. Fui eu quem falou de ir embora em algum momento. Fui eu quem falou de diferenças. Fui eu quem me disse preocupado. Fui eu quem teve medo. Fui eu que me prendi na malha dos apegos e disse não.
A ela restou dizer: sim, o senhor é o sabedor das coisas, vamos uma vez mais e te prometo nunca mais apareço... Gozou... Reiterou seu apreço... Desapareceu.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

MICHAEL

Há um tempo na vida da gente que nossos ícones são deixados de lado. Nós vamos para vida prática, na ilusão que as coisas se realizam no mundo da materialização de bens, quando na verdade a gente só está se aprimorando na arte de consumir, enquanto nossos sonhos, nossas fantasias, nossos símbolos ficam meio esquecidos.
Assim foi comigo em relação a muitas ideologias que eu tive na juventude e a alguns ídolos que fui renegando com o passar do tempo, em nome desta coisa que é ficar adulto e perseguir posicionar-se socialmente.
Muitas vezes e em incontáveis momentos, eu fui mais feliz pelo o que o dinheiro não pode me dar. As melhores aquisições para minha vida pessoal não vieram na minha ascensão social. São marcas de um tempo onde eu era menos estressado, menos solicitado, mais tolerante e que cria e entendia melhor as pessoas.
Não estou fazendo apologia à pobreza. Sei o valor do dinheiro. Sei quanto custa ganhá-lo e sei, sobretudo, quanto minha força de trabalho gera de riqueza para uma casta que secularmente vive de explorar a mão de obra, de forma imoral, respaldada por um regime que esmaga a maioria da humanidade. Mas esta é outra discussão.
Falava de ídolos. E porque fiz este preâmbulo? Porque ontem quando Michael Jackson completava um ano de passagem deste plano, me pus a refletir sobre sua importância, sua genialidade, sua brevidade e quanto ele fez parte de minha vida e de toda uma geração numa época da qual não podemos esquecer.
Em tempos de jornalismo sem ética, a grande maioria dos jornais, pelo menos na Internet, não o noticiou e se o fizeram, foi de forma simplória. Manchetes acerca da sua polêmica morte não faltaram, mas poucos lembraram da sua contribuição em vida. Esqueceram do quanto este Michael era genial, enquanto ser iluminado com uma criatividade singular, que compunha, cantava, dançava, produzia, dirigia. Não fora tão laureado ao acaso. Tem um retrospecto inquestionável. Tem registros dignos de torná-lo imortal. Números, para quem gosta de estatística, que levaram todas as mídias se curvarem diante da sua grandeza artística. Sequer reverenciaram a figura generosa e disponível quando se tratava de solidariedade.

Michael foi. Michael é e sempre será magnífico.
Durante boa parte da minha adolescência e juventude ele embalou minha vida. Era um dos poucos a quem meu nacionalismo verde-amarelo se curvava. Mas não gratuitamente. Ele era maravilhoso, uma multidão de pessoas ganhava voz através da dele. Cada grupo empresarial que se curvava a seu talento, estava reconhecendo nele o potencial único que ele trouxe para esta existência.
Michael talvez tenha tido uma breve passagem, mas cumpriu sua missão. Mesmo levando uma vida conturbada, o que é natural a todo gênio que necessita se adaptar a esta falsa organização social e moral da qual ele já se encontra num outro plano. Deu mais que recebeu. Ofertou muito ao mundo e recebeu pouco dele em compreensão, em gratidão e em reconhecimento. Deram-lhe dinheiro. Mas nem mesmo o dinheiro lhe valeu. Tanto que partiu financeiramente endividado. Mas, ainda assim, deixou tanta riqueza para os nossos olhos e ouvidos que ainda ficamos lhe devendo e muito.
Do meu turno, expio minha culpa. Michael nos últimos anos andava no meu rol dos esquecidos. Ele que foi trilha de muitos bons e felizes momentos da minha juventude. Que eu admirava pela luz que trazia. Pela revolução que causou no show business, mesmo sendo “negro” e dentro de um mundo apodrecido... Por tudo que ofertou a minha geração. Ele não andava na ordem do dia da minha vida atribulada. Foi sua passagem que o trouxe para perto de mim outra vez. Que me fez refletir sobre sua dimensão e importância...
Quando assisti THIS IS IT eu pude crer: agora não é mais a imagem daquele homem que faz a diferença, sim seu espírito criativo/criador. É o símbolo. O ícone. Ídolo majestoso, generoso e dócil rei... Cujo reinado está para ontem, hoje e sempre.

Leia: http://hamiltonhafif.blogspot.com/2009/06/mitos-de-uma-adolescencia.html

domingo, 20 de junho de 2010

DAS MANIFESTAÇÕES JUNINAS II



Coração-bôbo
Coração-bola
Coração-balão
Coração-São-João
A gente
Se ilude, dizendo:
"Já não há mais coração!"...

Coração Bobo (ALCEU VALENÇA)

E depois, vieram meus amigos do Povo Pediu e me mostraram uma outra forma de festejar este ciclo de festas। Uma outra igualmente lúdica, criativa e muito amorosa। Disso também tenho sentido uma imensa falta e falo em outra oportunidade. Mas as festas juninas têm um impacto em minha vida desde que eu me reconheço como pessoa. É uma época que sempre me trouxe muita alegria. Os cheiros desta época estão todos guardados na minha memória e sempre que respiro um aroma semelhante, este me reporta a uma série de lembranças gostosas... Porque assim como o cheiro das pessoas nos marca, o cheiro que fica na atmosfera, em determinadas ocasiões, parece que entranha na gente.

Quando eu era pequeno, o cheiro de pólvora que me enchia minhas narinas e minha alma de curiosidade। Os estalidos das bombinhas, dos traques, o serpentear das cobrinhas e o fogo dos foguetes eram coisas que me acendiam por dentro um fascínio que não consigo mensurar। Aliás, fogos de artifício me encantam e fascinam até hoje। Minha mãe, toda temerosa, mas travestida de autoritária, adiou ao máximo meu contato com estes artefatos। Pensava ela। Como esta coisa do proibido nos atrai desde sempre, a gente ia à cata do amigo, cuja mãe ou o pai era menos preocupado, para filar pelo menos uma única bombinha para satisfazer aquele desejo de se arriscar. Sabia claramente que se eu me queimasse ainda levaria umas “porradas”. Periquito, meu amigo solidário e cúmplice, ainda que isso me custasse uma dívida futura de encobrir seus malfeitos, sempre esteve a postos para saciar este desejo pueril. Era na casa dele que se rezava Santo Antônio, três noites de rezas, três dias de ambiente de festa, de cheiro bom de canjica, mungunzá, bolo de aipim e carimã. Eram bom que a gente podia dormir mais tarde neste período, minha mãe ficava mais complacente. Dia treze, a noite sempre acabava num samba na cozinha regado a uma comida típica bem feita, farta e, sobretudo cheirosa.



Quando adolescente, os hormônios em plena fase de ebulição, via na festa uma boa oportunidade de chegar às garotas। Licores saborosos, tomados “às escondidas”, quebravam o gelo para que pudéssemos tirar as meninas pra dançar। O cheiro das meninas, que cheiro bom। Mistura de cheiro de roupa nova com perfume e seus hálitos. Aliás, faço um aparte, a música de festa Junina nos convida a aconchegar, a acender a fogueira dos corpos, a trazer pra perto o objeto do nosso desejo. E ainda que aquele desejo, naquele tempo, não se consolidasse em sua plenitude, a chance de ter sua paixão nos braços, naquele corpo a corpo, naquele rela-rela iria acalentar a fantasia juvenil por um bom par de dias.



Assim cresci, adorando este período, quebrando coco, indo para feira comprar os ingredientes, enfeitando a rua de bandeirolas। Vendo balões, quando ainda eram permitidos. Colando de balão/bolo, depois de balão/beijo. Comendo milho, amendoim, pamonha, chupando laranja de umbigo...


Depois a gente chega à fase adulta, estas coisas ficam ressoando dentro... A gente viaja, experimenta novos aromas, novos paladares, novos afetos, novas amizades, ganha dinheiro, mas o que vale mesmo é esta memória que é impagável, forte, viva e que consubstancia tudo mais que vem depois...





sábado, 5 de junho de 2010

Oi, MENINO!!! QUE FAZES?


"Se por acaso um dia você for embora
Leve o menino que você é."
(MEU MENINO, Ana Terra e Danilo Caymmi)

Ainda sigo sonhando
Cara ao vento, empinando arraia.
Às vezes, na beira da praia.
Às vezes, um morro escalar.

Pensando em feijão com arroz
Pesquisando: o que é longevidade?
Sigo morrendo de vontade
De não ir onde tenho que chegar

Correndo atrás de bola
Arrancando a cabeça do dedo
No fundo só tenho Um medo: O de perder minha mãe
Subindo em toda mangueira.Fruta quente, sol a pino.
Quebrei a cabeça de um menino
Não me importa que eu apanhe

Sigo matando passarinhos
Num tempo sem crueldades
Quebrando os vidros da cidade
Escondendo-me no pomar

Fazendo do mundo um folguedo
Banho de mar. Banho de bica.
Mulher do padre é quem fica
Eu não quero aprender a rezar...

sábado, 22 de maio de 2010

NOTA DE RODAPÉ



Quando na arena

um touro me matar
não me socorram,
pois ninguém socorre
o touro quando o mato.
(DAMÁRIO DA CRUZ In Segredo das Pipas)






Desperta-nos este ar de consternação

Quando passa o poeta.

Tantas vezes tropeçamos na sua presença

Escrita, dita, impressa

E na nossa pressa

Quase nenhuma deferência

Reservamos-lhe

Sequer lhe pedimos desculpas.

Para toda poesia

O ostracismo é coisa certa

Disso bem sabia aquele que se foi

“Cada pássaro na rota, sabe-se pássaro”

Sabe-o bem, o que “fica”

Então porque choramos ao que parte?

Nesta fração incerta de segundo

Neste beco sem para onde

Publicamos nossa dor solúvel

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Ao poeta...

quinta-feira, 6 de maio de 2010

SOBRE O TEMPO E SUA PASSAGEM

Tempo de ser feliz
O tempo é sábio
O tempo é tudo
O tempo é surdo
Está nas lendas
O tempo encerra as contendas
Faz a gente repensar
Nossas verdades e valores
Nossos amores moram lá
Somos cantores, meros atores
Brincando de nos encontrar
É tanta história, de tanto amor
Feliz daquele que o tempo abençoou

E não há jeito desse tempo apressar
Existe tempo de colher e de plantar
De semear alegria
Fazer o povo cantar
Reinventando a utopia
De se eternizar

(Lula Gazineu, Fernando Correa, Hafif)


No ano de 2009, lá bem no comecinho, compus com meus grandes amigos Fernandinho e Gazina uma canção cuja temática é o tempo das coisas. Paradoxalmente, se tem uma coisa que me causou angústia em 2009, foi a espera. A minha ansiedade por acontecimentos, por mudanças e, principalmente, pela resolução de alguns entraves me tornou altamente ansioso. É doloroso saber que você plantou, regou, adubou, mas que a colheita não se dará no tempo da sua expectativa e, muitas das vezes, da sua necessidade. Em alguns momentos não sabia ao certo, se quer se haveria colheita. Pensava: o tempo é tão louco. Ou será que nós é que enlouquecemos ele?
Passei o ano a blasfemar inúmeras vezes contra ele, negando o que dissemos na canção. A sensação que experimentei, em muitas ocasiões, era de que o tempo das coisas acontecerem pra mim era retardado. Assim sofri pelo que não aconteceu, pelo que aconteceu quando já não tinha mais tesão, visto que houvera gasto minha energia quase que completamente na manutenção da perseverança ou, ainda, pelo que acontecera completamente diferente do que planejei. Findei o ano com uma grande certeza: muitos eventos que nos envolvem não estão nas nossas mãos decidir. Aquele jargão, “quem sabe faz a hora” parece não querer surtir qualquer efeito quando a gente vai envelhecendo...
Iniciei 2010, decidido a ansiar menos e viver mais. Esperar menos e aproveitar as oportunidades que surgem fora do script. Dar mais tempo ao tempo para ver se o tempo achava um tempo para olhar para coisas que eu almejava... Foi neste movimento que me mudei para a Índia. Meio sem saber ao certo por que estava indo, quando dei por mim já estava fazendo este movimento. Já contei, em outro momento, como foi que fui parar do outro lado da terra.
Já comentei os contrastes e as coisas que me agradam ou desagradam pelas bandas de lá. Mas não falei da injeção de entusiasmo que experimento neste processo.
Hoje, passados mais de noventa dias, a sensação que tenho é que estou renascendo... Aprendendo a falar, a comer, a me expressar e até a atravessar a rua. Novos cheiros, novos ritmos, quebra de paradigmas, a desconstrução de certos mitos, a construção de outros... Tudo isso tem emprestado um novo sabor a minha vida. Posto em movimento, me vejo reciclando conceitos de vida, bem-estar, poder e trabalho...
Talvez algumas pessoas estejam especulando a cerca do quanto eu possa ganhar. Eu coloco o seguinte: Eu, felizmente, não tenho esta sanha de ganhar dinheiro. Não que não goste de dinheiro.No frigir dos ovos, acho mesmo que este "arame" que se ganha com o sacrifício de deixar seu lar, seus afetos e sua terra, tem um preço que não há nada que pague. Nenhum valor monetário justifica tanta renúncia. Por que fui trabalhar fora do país? Em primeiro lugar, porque tinha uma relação de trabalho que extrapolava o profissional, criei um vínculo emocional com a cooperativa, onde trabalhei nos últimos vinte anos, que não conseguiria quebrar, estando tão perto e vendo pessoas pouco capacitadas desconstruir o meu trabalho de anos de dedicação. Em segundo lugar, fui lembrado por um amigo que havia trabalhado comigo anos atrás, como uma pessoa adequada ao projeto que ele estava desenvolvendo e isso me fez sentir valorizado num momento onde vivia uma enorme desmotivação profissional. Em terceiro lugar, porque passei dos quarenta e cinco e no Brasil, por mais que tenhamos muita bagagem, começamos a perder espaço. Vislumbrei neste projeto uma forma de me manter e melhorar meu currículo e ter uma porta de saída para falta de oportunidades futuras. Claro que tudo isso num nível racional... O que eu não sabia, era que tinha outras buscas menos tangíveis e menos mensuráveis por trás desta minha resolução. Explico-me:
A gente, queira ou não admitir, a chegada na casa dos quarenta anos representa um rito de passagem, tal qual se sucede no fim da adolescência, com uma diferença, temos mais experiência, mas não temos, supostamente, o mesmo vigor e força para reconstruir da juventude com o agravante de parecer que corremos contra o tempo.
É natural que cheguemos a este estágio da vida contabilizando tudo que fizemos, pesando o que ganhamos e o que perdemos e em geral este balanço nos é perturbador. Seres naturalmente insatisfeitos, muitas vezes vemos nossas verdades caírem por terra. Muitas de nossas renúncias se esvaziarem em sentido, independentemente de tudo que realizamos de bom enquanto profissionais e seres humanos. Neste ponto se estabelece um grande vazio existencial. É como se precisássemos de problemas novos que possam nos por à prova. De interesses novos e, principalmente, de impulsos novos. Eu não escapei deste processo...
Intimamente, passado algum período, acho que é isso que me levou a topar este desafio, que não é nada fácil, mas que tem um valor terapêutico significativo em minha vida. Que bom que o tempo me reservou esta colheita em hora tão apropriada...

http://www.youtube.com/watch?v=aC65Z3QegB4

sábado, 1 de maio de 2010

GUERREIRO MENINO - 1º de MAIO





Trabalho é a saída que nós inventamos pra nos manter em movimento. Trabalho é coisa séria, a partir dele que nos sentimos vivos, incluídos, auto-realizados, ou, simplesmente, sobreviventes.
Sorte de quem realiza o seu trabalho com prazer, aí o trabalho se torna uma grande brincadeira...
Mas faço uma ressalva, trabalho é brincadeira de adultos, NÃO aplicável às crianças!

Nesta data simbólica possamos repensar esta situação.

domingo, 7 de março de 2010

ONTEM EU VI O MAR E NÃO ERA AZUL


Enfim, folguei um sábado. Após quase quarenta dias aqui, eu vi o mar, não era azul nem cristalino como meu o Porto da Barra, mas era mar. Mesmo quando as águas são plúmbeas como as daqui, o mar exerce certa magia sobre as pessoas. Comigo não é diferente. Ontem, constatei que menos pela beleza que pela força, é o mar algo que faz parte mim. Foi a melhor sensação que tive nos últimos dias.

Tive uma difícil e desgastante semana que culminou com minha mudança de hotel. Descubro a cada dia que os indianos gostam mesmo é de dinheiro. Tudo aqui passa por negociação e eles querem mesmo é a prosperidade a qualquer custo. A religiosidade fica para os miseráveis, aos moldes da igreja católica: aquele que se resignar e se deixar explorar agora, ganham o reino da glória. A sensação que tenho no convívio com as pessoas é que dinheiro não é tudo, mas só para aqueles que não o possuem ou não tem como consegui-lo. Não que no Brasil seja diferente, mas a imagem que está no nosso inconsciente ocidental é de que este aqui é um país onde prevalece a espiritualidade. O que há aqui, na verdade, é uma diversidade de deuses e cultos. Muita superstição. Nada mais que isso. Só o fato de acreditar que a situação financeira tem a ver com karma, já dá pra ter uma ideias de como este povo é.

Ontem conheci Colaba uma espécie de “zona sul” de Mumbai, de fato vê-se muita suntuosidade para aqueles lados, carros importados, prédio modernos misturados aos de arquitetura Vitoriana, aliás, diga-se de passagem, os prédios antigos são muito belos, principalmente os do hotel Taj Mahal Palace, que por sinal está reforma e o prédio da Estação Rainha Vitória. Vi uma igreja metodista com arquitetura igualmente bonita. Como tudo aqui o que estraga a beleza é a falta de conservação e sujeira. Fui ao Leopold Bar, point dos turistas ocidentais, aliás, é muito interessante como os orientais são minorias neste tipo de espaço, marcado pelo mau atendimento e pela higiene duvidosa. O lugar ainda tem traços da tragédia promovida pelos terroristas paquistaneses em 2008. Marcas de balas no teto, paredes, vidros parecem não incomodar a ninguém, a minha sensação foi de desconforto. Colaba talvez seja o local mais contrastante dentro de Mumbai, a miséria circunda esta ostentação, o lugar é cheio de pedintes, gente morando nas ruas e uma multidão de ambulantes.

A semana passada, visitei o hospital da Sahaja Yoga, conheci as instalações e fiz consulta. O hospital abriga pessoas de todos os lugares do mundo. O lugar é simples, “limpo” para os padrões indianos, confortável e caloroso. Tenho que aprofundar mais meus conhecimentos a respeito da doutrina, pois me pareceu muito interessante. Acredito em meditação e acho um bom caminho para aquietar minhas dores emocionais que parecem se amplificar com as coisas que vejo aqui. Estou começando a entender melhor a língua, quando você começa a interagir fica menos difícil, em compensação você fica mais íntimo da realidade local.

Dia Internacional da Mulher. Nestes dias, tomei contato com uma realidade que me chocou muito aqui na índia. Conversando com algumas pessoas aqui em Mumbai, tomei conhecimento que em alguns segmentos da sociedade, o pai ainda escolhe com quem a filha vai casar, mesmo que esta seja emancipada e independente financeiramente (na verdade, isso se aplica a todos, filhos e filhas).São os casamentos de arrajo. Olhem que estou num dos lugares mais ocidentalizados da Índia. Realidade pior vive as muçulmanas. Conta-se que muitos maridos quando querem se desfazer do casamento com estas, para não ter que devolver o dote, forjam o adultério, fazendo com que esta mulher seja submetida não só a constrangimentos como a violência física. Em algumas regiões, as adúlteras ainda são apedrejadas até a morte. Meu Deus, que povo é esse? Como posso abrir-me a novos olhares, novos pontos de vista num lugar onde ainda hoje as mulheres vivem sem expectativas ou quaisquer condições humanas? Só posso concluir que por isso é tão alto o índice de suicídio entre elas aqui neste lugar. A semana passada, eu li pelo menos dois casos nos jornais.

Neste momento, por mais que abra meu coração, deixando que a boa vontade e a afetuosidade brotem de minha alma não consigo compreender estas aberrações culturais que a gente assiste no atual estágio da humanidade.

O fato é que eu, mais que em qualquer tempo, sinto necessidade de manter a harmonia interna pra seguir estável e focado nos meus objetivos profissionais.

Vou precisar ir ver o mar algumas vezes...

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

DA PRIMEIRA (e não definitiva) IMPRESSÃO ou A DOÇURA DO MUNDO

"O melhor lugar do mundo é um só, perto de quem amamos" Thrity Umrigar (escritora e jornalista Indiana radicada nos Estados Unidos)


Eu estou na Índia. Cheguei a Mumbai, estado de Maharashtra, nas primeiras horas de 26 de janeiro, dia da Proclamação da República. R-DAY como eles chamam. No mesmo dia, eu viajei para Surat, cidade que fica no estado de Gujarat, para trabalhar e voltei para Mumbai na sexta-feira daquela mesma semana. Eu estou vivendo temporariamente em um hotel.
O que que eu estou fazendo aqui? Estou aqui para realizar inspeção de fabricação de equipamentos para a uma companhia de petróleo. Algo que tenho bom domínio. O trabalho em si é fácil, ou melhor está dentro do domínio. Muito embora, trabalhemos seis dias por semana, algo ao qual já não estava acostumado.
Inicialmente, tenho uma expectativa de  contrato com duração de dois anos com a empresa que presta este serviço. Mas está acordado, que eu vou ao Brasil, aproximadamente, a cada 90 dias.

Estou procurando apartamento para alugar, mas o meu pensamento é não compartilhá-lo. Afinal, já sou um homem de certa idade e que não se acostuma mais a este tipo socialização. A dificuldade é que os proprietários pedem o pagamento de uma caução de cerca de três meses de aluguel, mais alguns impostos, além do valor de aluguel para o período. A empresa pela qual estou aqui, disse-me que não tem como adiantar este valor. Esta é a minha única preocupação neste momento. Preciso buscar uma solução para este problema.

A empresa local, onde estou estabelecido, me recebeu muito bem. Eles me deram um modem temporariamente. O que concorreu para eu ter um acesso facilitado à internet. Quem me conhece sabe quanto sou adepto à este veículo. Eu tenho um laptop à disposição e já tenho até um número de celular indiano. Aliás, na Índia todo mundo tem celular.

Eu ainda não tive a oportunidade de conhecer muita coisa. Mumbai é enorme, uma cidade de 19 milhões de habitantes, sendo que a grande Mumbai, oficiosamente, deve ter quase 24 milhões. A cidade tem um litoral muito extenso, mas ainda não fui ver o mar. A cidade poluidíssima. As folhas das árvores são marrons. Tem muito pombo e muito corvo em todo lugar.

Pode ser impressão minha, mas os homens comuns são meio sisudos, em geral, (claro que existem os moderninhos, ocidentalizados) vestem-se de cores pastéis e de camisa de manga comprida, independentemente da estação.. Mesmo na academia, onde vou queimar as calorias dos quitutes, isto me chamou muito à atenção, os sujeitos vão malhar de calça de moletom comprida. Há exceções, lógico. As mulheres são igualmente fechadas, mas usam um colorido lindo nos seus sarees. Elas são bonitas em seus traços, mas não são muito graciosas, muitas beiram o desengonçado. São cheias de adornos, piercings, anéis nas mãos e nos pés, brincos, estas coisas. Aliás, para a “mulherada” ocidental, isto aqui é o paraíso das bugigangas. Penso em minha filha, como ela ia se dar com tantos acessórios.

Os indianos comuns cheiram a sujo e andam com roupas encardidas ao extremo. Mesmo na fábrica, onde o comportamento é mais cosmopolita, é comum sentir-se um cheiro forte de suor nas pessoas. Não vai aqui nenhuma crítica, afinal este pode ser mais um traço cultural que eu, ignorante que sou, desconheço.

O trânsito é muito louco. As vias são no sistema  que chamamos de "mão inglesa". Têm-se muitos carros, de todos os modelos e idades, motos, bicicletas e rickshaws (uma espécie de triciclo motorizado, com carroceria, que serve com táxi), aliás, "uma mão na roda" em alguns momentos. Caminhões coloridos e de todo porte. Todo mundo buzinando o tempo todo. É comum ver-se nos para-choques (não sei se é ainda assim que se escreve, sigo confuso com a reforma ortográfica) inscrições pedindo para buzinar. Vacas comumente são vistas nas ruas. Em Surat, tinha até camelos.

Os contrastes sociais são impressionantes, prédios muito altos e arquitetonicamente belos, misturados a barracos que nem de longe se aproximam aos do Brasil. Gente vivendo na rua é mais comum do que se imagina. No entanto, não se vê violência urbana. Nem assaltos, nem drogados. Raríssimas exceções. A grande maioria não tem vícios. Nota-se certa resignação. Cuidado mesmo, só com os comerciantes dos mercados, o preço pode variar de acordo com sua capacidade comunicação. O mesmo serve para os táxis.

A culinária é variadíssima e ainda não vi "bife" por aqui. A maioria é VEG e sabe fazer com verduras e legumes uma quantidade de pratos que impressiona. A comida, em geral, é apimentada e cheia de condimentos. Muitos destes temperos nos são familiares, o que muda, às vezes,  é a forma de usar. Não tenho problemas com alimentação. Antes, tenho achado este exercício muito prazeroso para meu paladar, só não abuso na quantidade. Quando dá vontade de comer algo diferente, corro para as franchising da Subway, principalmente, Pizza Hut e tantas outras que a gente encontra por aqui.

Tenho ainda dificuldade em me comunicar, porque é a primeira vez que meu inglês sai da sala de aula, eu nunca tinha tido uma experiência internacional, além de que, eles realizam o idioma de um modo um tanto quanto dialetal e de sotaque extremamente marcante. Ainda assim, eu tenho feito alguns progressos. Saio, vou às compras. Já fui até cortar cabelo.

Mesmo com todas as diferenças, eu gosto de estar aqui. Com certeza,é uma terra mística. E algo que me faz sentir bem. Talvez a excitação da novidade.

Eu acho que estou indo bem. Eu faço exercícios físicos. Eu posso tomar uma cerveja de vez em quando e eu tenho um bom sono. Só acho estranho a falta de abraços. Está em mim esta coisa de abraçar e observo que as pessoas não se abraçam por aqui, salvo os rapazes jovens que andam até de mãos dadas...

Um parágrafo adicional:
Demorei pra dar termos definitivos a este texto, pois achei que podia dar contornos líricos a descrição do que vejo. Algo me sinaliza que isso se torna impossível, depois que forjamos a nossa identidade e moldamos o nosso olhar. Minha aceitação a esta nova realidade ainda é difícil e isto nada tem a ver com preconceito ou falta de consciência do que eu vim fazer aqui. Passa por uma questão íntima e visceral. É a dificuldade natural em adotar valores de um outro lugar, que só se manifesta quando não estamos fazendo turismo, mas sim interagindo diuturnamente com um novo ordenamento e estilo de vida,  o qual não nos remete a qualquer pertencimento. Mas esta é tão somente a primeira impressão.Sigo observando e me observando...

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

DO AMOR ROMÂNTICO E OUTRAS CRENÇAS

A minha solteirice tem incomodado algumas pessoas. Todo mundo que me conhece e cruza comigo ultimamente, estranha que eu queira estar solteiro.
Sempre me vi envolvido em relacionamentos duradouros, chamo duradouros cinco, seis anos de convivência, em histórias que sempre foram marcadas por muita paixão e pouco amor. De um modo geral, o meu amor por estas pessoas só se manifestou depois do relacionamento findado. Não o amor carnal, mas um amor pelo que de bonito estas pessoas têm enquanto seres humanos na sua complexidade, contradição e, sobretudo nas diferenças. Um amor pela beleza que é, mesmo que involuntariamente ou inconscientemente, aquilo de bom estas pessoas deixam no rastro da nossa estrada.
Já faz um tempo que não me dou a chance de me apaixonar. A paixão vicia. Se fui viciado boa parte da minha vida, hoje corro para léguas de distância toda vez que tenho contato com a remota possibilidade.
Não, não sou um homem frio. Com o tempo descobri que a maior parte das coisas que a gente busca na paixão, está buscando de uma forma equivocada. A gente busca no outro uma satisfação ou realização que não temos ou que não conseguimos alcançar, por diversas razões, em outra pessoa. Toda paixão começa assim e é razoável que assim seja. A gente só se aproxima daquele que tem a nos dar ou nos remete a algo. Isto é tão forte que nos leva em direção a movimentos que a gente jamais houvera experimentado. Apaixonados somos mais fortes, mais viris, mais capazes e mais cegos. A gente só vê virtudes no nosso objeto de paixão. Aí é que mora o perigo. Passada a "onda", quando a gente começa a se deparar com o humano da outra pessoa, começam os "grilos". Você não era assim no começo. Você disse que me amava. Você me enganou. Você não gosta mais de mim. Quando na verdade tudo transcorre como sempre foi.
Outro sintoma da paixão é sentimento de posse. Em geral, a gente quer aprisionar nosso objeto de desejo. Possuí-lo com se gente não fosse. Controlar. Como pode a gente querer tirar do outro aquilo que é o bem mais precioso do ser humano: liberdade?
Pessoas são para se exprimir, ir e vir, partir ou ficar se assim o quiser. Só quando a gente se dá conta disso é que, pelo menos em tese, se está pronto para o amor. Amor é sinônimo de liberdade. Havemos de amar o outro como a nós mesmos, isto sem nenhuma conotação religiosa. Aceitando, respeitando o outro como é.
Eu só aprendi a me amar, no sentido amplo, quando fui morar sozinho. É muito difícil a gente se auto-afagar, tolerar nossos próprios humores, nossos preconceitos e nossas carências. Que direito temos de achar que o nosso par tem esta obrigação? Foi só na vivência que pude me dar conta disso. Tão somente, aprendendo a me amar que pude compreender que tudo que vivi até hoje foi paixão.
Alguns hão de dizer, mas antigamente as pessoas se amavam mais. E eu afirmo categoricamente, alguém renunciava, muito equivocadamente, a sua própria vida para viver a do outro. Tolerar não é amar. Claro que existiram amores plenos e verdadeiros, mas não como via de regra.
Por isso amigos, optei em dar um tempo solteiro. Estou bem comigo. Estou em processo de me tornar cada dia mais feliz, porque eu intento viver um amor. Um amor que venha não pra me fazer feliz, por que feliz eu já me encontro. Um encontro com alguém que também esteja feliz a ponto de compartilhar a vida sem me atribular ou sentir-se atribulado. Sem querer que eu seja quem não sou. Que compreenda que alegrias e tristezas fazem parte. Bons e maus humores também. Que se perde. Que se ganha. Que a vida é um processo de aprendizado constante, um exercício de prazer e que o arbítrio é o maior bem que possuímos.