É impossível ficar imune às postagens dos meus amigos falando sobre a implosão do Estádio Otávio Mangabeira (Fonte Nova) no Facebook. Hoje é um dia triste? Não sei ao certo. Para mim encerra um ciclo. A partir de hoje, o museu de memórias do futebol se reserva às minhas recordações e não mais terá referência física. Seja como for que este novo estádio venha a ser, mesmo cercado de conforto e modernidades, ele já não me dirá nada. Primeiro por que o futebol já não tem a mesma importância para mim como no passado. Segundo, porque a beleza, a genialidade e a criatividade foram banidas desde que futebol virou uma atividade comercial em detrimento do desporto. O que fica são os bons registros dos quais aquele lugar foi palco, num tempo em que tudo tinha uma “cor” diferente aos meus olhos.
Hoje, lembrei de muitas pessoas. A primeira delas, Seo Tati para quem abro um parágrafo cheio. Foi ele quem me tomou pela mão, aí pelos idos de 1971, e me levou a Fonte Nova pela primeira vez. Inesquecível dia, inesquecível Izaltino, este era seu nome. Além de ser uma pessoa generosa, era um sujeito dos mais democráticos que já conheci. Nos tempos em que ser homem adulto era símbolo de austeridade e autoritarismo, pelo menos, naquela época, assim via meus tios e meu pai, Ele, não. Era leve, espirituoso. O único que eu achava divertido mesmo quanto tomava umas cervejas a mais. Lá íamos nós, eu, ele e Periquito, seu filho. Torcedor do Vitória, nas diversas vezes que fomos ao estádio, jamais me incitou a trocar de time, mesmo sabendo que eu era um torcedor adversário. Naqueles tempos, era o Bahia hegemônico e quase sempre eu era quem voltava pra casa com o coração pipocando de alegria. Ele não se importava. Faça-se uma ressalva ao ano de 1972 no qual o Vitória armou um time maravilhoso de se ver e difícil de se encarar. Foi sua grande revanche naqueles tempos... Seo Tati fez a passagem num tempo em que, como hoje, eu morava fora da Bahia. Embora tenhamos mantido uma relação de carinho e respeito por muitos anos, acho que nunca lhe demonstrei toda a gratidão por aqueles momentos de felicidade...
Um dia, minha mãe achou que eu já tinha "maturidade" suficiente para ir por aí, por minha conta e risco, e foi a Fonte Nova um dos meus destinos mais certeiros dos domingos e quartas-feiras. Amante do futebol era, sobretudo, amante da atmosfera que circundava o estádio e todos os rituais que marcavam ir a uma partida de futebol naquele “santuário”. Foi lá que rezei com a mais forte devoção e fé. Fiz grandes amigos ali dentro. Quase uma família. Colecionei uns poucos desafetos, geralmente motivados pela paixão. Por causa dela, perdi namorada. Tomei bronca de chefe. Colecionei emoções. Chorei. Senti-me humilhado algumas vezes, mas ri muitos dos meus melhores sorrisos. Soltei os meus gritos mais sonoros. Esqueci a rigidez do meu corpo e dancei a dança da espontaneidade. Abracei desconhecidos sem medo de ser censurado. Cantei a plenos pulmões. Fui testemunha do jogo bem jogado, da lealdade de vários atletas, da fidelidade masculina ...
Esta Fonte Nova que hoje se vai, talvez não fosse mesmo mais digna de ser arena do que se tornou o futebol. Não existe mais a máxima “encarnar a camisa”. Não se persegue mais o gol, muito menos o jogo bonito. Empurra-se uma bola pra dentro da rede do adversário e fecha-se em bloco pra alcançar o resultado mixuruca e ganhar a peleja. Não existe mais a ânsia pelo gol. Acabaram-se as partidas de encher os olhos e mesmo o curvar-se em respeito ao adversário quando este se mostrou tecnicamente superior.
A nova Fonte Nova pode ser chamada de qualquer outro apelido, pois ela não resgata estes quase 60 anos de beleza dos quais fui testemunha ocular em quase quarenta. A “nossa” Fonte Nova agora faz parte de um imaginário cheio de fantasias que só quem viveu sabe o valor. Hoje eu tenho certeza que muita gente está triste. Respeito muito as lágrimas de quem chora a implosão, mas, a despeito desta hora de dor, muita lembrança bonita passou no meu pensamento. Meus amigos, tantos que não dá para mencionar sem cometer a injustiça de esquecer algum nome.. Meus ídolos. Minhas namoradas as quais se permitiram compartilhar comigo este prazer. Meus tios. Meu pai Ypiranguense. O Avô de meus filhos que os intimou, veementemente, a torcerem pelo Vitória. O churrasquinho de gato. O pastel no Chinês da Carlos Gomes. O cachorro-quente na porta do Colégio Águia. A algazarra no ônibus coletivo. O sarro com os adversários. A inexistência desta violência injustificada que ceifa vidas. No ferver do sangue, rolava até algumas porradas, mas tudo acabava ali, na mão, na hora. Os trio-elétricos que de lá partiam rumo à “colina”. Ventilador, meu vizinho que me tratava tão bem, mas que em certo BAVI fez um dos 3, que o Bahia levou, e eu fiquei com raiva dele e troquei “de mal”. Seu Juvêncio... de quem ouvi pela primeira vez, "vumbora Baêa, minha porra"... Farta e rica memória...
Outros tempos. Outra arena. Outra forma de ver. Tudo se transforma.
Mumbai, 29 de agosto de 2010.
http://www.youtube.com/watch?v=OUw3UNhh_jU
6 comentários:
Falta nas alternativas:
[]Emocionante
GRANDE texto!
Beijo, menino!
Cipy
vc ñ só citou sua admiração pelo estadio Fonte Nova como tbm pelos bons tempos em q só se torcia por um time.Diferente dos dias de hoje onde o q se ve é rixa entre torcidas....tempo bom em q se ia a um estadio para ver o time do coração jogar com emoçao,com coração,tempos remotos em se conseguia saber a escalaçao de um time em todos os jogos,hoje isso é impossivel,atletas mudam de time conforme sua oferta finaceira,ñ os culpo pois isso hoje é uma profissão e sempre optamos pela melhor oferta ,como vc mesmo disse e concordo ,tudo hoje é levado pelo lado comercial,pelos ganhos financeiros pelas duas partes tanto do clube como do atleta......sou sãopaulina e é muito grande minha admiração pelo Rogerio Ceni,sãopaulino de coração mesmo.
q fique na sua memoria o Fonte Nova como uma fase linda da sua vida q seja lembrada com carinho.Espero se esse novo estadio tbm te traga grandes momentos....
Vc tem meu carinho e minha admiração .....sempre.......bjs
Olá, Hamilton!
Vivi essas três décadas também. As conquistas dos anos 70, o Bi de 88 e o fatídico dia 27 de novembro de 2007.
Muitas histórias acumuladas dessa convivência: o churrasquinho de gato, a kombi do reggae, os cambistas e a truculência da PM nos dias de bavis. Os grandes nomes, como Douglas, Picolé, Beijoca, Bobô, Osny, Roberto Rebouças, Dadá Maravilha, Cláudio Adão, Raudinei, Fito, Bouttice, Baiaco, Nonato, João Marcelo e tantos outros.
Mas o que indigna-me é assistir a impunidade para aqueles que "derrubaram" um pedaço da arquibancada naquele Bahia 0 x 0 Vila Nova. Nos primeiros meses daquele ano (2007) só pudemos utilizar o anel inferior das arquibancadas, pois a parte de cima estava em reforma. Gastaram milhões na obra (não fizeram absolutamente nada), com "trincheiradas" de cimento na parte interna e tinta azul na superior. 40 caíram lá da "Bamor" e 7 morreram. E ninguém foi preso. Inclusive meu ex-ídolo Bobô acaba de ser inocentado pelo episódio. Inacreditável. Somos primeiro o Estado em tudo. Pro bem e também pro mal. Não dá pra reclamar. Tudo tem o seu preço...
Vambora Baêa, Minha Porrra!!! Rumo à Série A!
Saudade dessas palavras maravilhosas, desses textos encantadores que fixam nossos olhos na tela sem pressa de terminar... Com certeza hoje é um dia triste para muitos. Para mim talvez não seja trizteza, mas sim um sentimento de perda, de saudosismo por ele ter estado ali por muito tempo...Passo ali em frente todos os dias e hoje, não ver aquele estádio imenso foi estranho, um tanto nostálgico...Mas as mudanças são inevitáveis e a modernidade sempre vai tomando espaço e renovando coisas, pessoas, lugares, etc...
Mas as lembranças estarão dentro de cada um, com certeza não se acabarão assim como as paredes da fonte nova!!
Meu irmãozinho, até nisso a gente comunga... Vc conseguiu captar exatamente o meu sentimento. Não estou triste por ter visto a Fonte Nova (estádio) ruir. Estou triste por perceber que a alegria e a paixão por um time, as amizades anônimas e efêmeras feitas no calor de um gol, a certeza da escalação do seu clube na ponta da língua, as pequenas nuances que cercavam a Fonte Nova antes e depois dos jogos também terem vindo abaixo, junto com suas pilastras de concreto. O resto é pó.
Alô Hamilton!
Uma bela análise da questão. Trata-se mesmo de uma quebra na essência do real significado do estádio. Não considero uma perda, pois, novas histórias pessoais serão iniciadas na nova arena. Encerrou-se um ciclo.
Em meio a tantas boas lembranças, meu caros, não podemos deixar de citar jogadores como Baiaco, Sapatão, Beijoca...que, de fato, deram sangue pelo Bahia. Várias foram as vezes que tive a oportunidade de ir ao estádio e ver “o pau comer no campo”. Era hilariante...
E o inesquecível o Jésum? Melhor dizendo, “Uri Jésum”, o entortador. Eu ria tanto, tanto ao vê-lo “sacanear” os jogadores de outros times com uma série de “nós”. Como era divertido! Após os jogos era preciso algum especialista para “consertar” as colunas dos adversários. Nem sabiam onde estava a bola e muito menos o jogador. Pobre laterais.
Isso sem falar naquela velha e ensurdecedora “buzina”. Uma buzina de carreta que sempre era acionada a cada ataque, a cada gol. Um som que sempre se misturava aos gritos de gol da torcida tricolor.
E as peças folclóricas que sempre povoaram o estádio? O anão e o “feiticeiro” loirinho?
Sem falar das “laranjadas”....daaquela reduzida e concentrada torcida do vitória, ali perto do gol no lado oposto ao dique...
Rapaz, é coisa viu?
Um ciclo. Um excelente ciclo que foi encerrado e nunca será esquecido, jamais, ao menos, imitado, pois, ainda que tentem, faltará a energia, o amor à camisa e o brilhantismo em campo.
Um abraço!
Postar um comentário