Num país campeão em tributação, um espaço para usufruir o que temos de mais caro e que ainda não foram taxadas: inventividade e capacidade de se indignar.
quinta-feira, 10 de julho de 2008
O paradigma de ser autônomo
Eu participo de uma cooperativa que em outubro completará 20 anos de existência e eu, que caminho há quase dezenove anos fazendo parte, trabalhando, produzindo e me sustentando a partir dela, reluto em aceitar o questionamento sobre sua viabilidade enquanto organização formada por autônomos.
Num país onde as organizações; principalmente as micro, pequenas e médias empresas; não sobrevivem aos dois anos de vida, chegar aos dezenove torna inquestionável a força deste modelo de empreendimento coletivo.
Geralmente, quando se discute questões sobre longevidade temos como senso comum que as organizações “quebram” por falta de profissionalização e instrumentos administrativos eficazes, o que em tese é a realidade. Entretanto, nas minhas andanças difundindo o cooperativismo, tenho observado que existe um elemento anterior às questões gerenciais que entendo ser o predecessor da maioria dos fracassos: o paradigma de ser autônomo.
Lembro-me perfeitamente da reação da minha família quando pedi demissão de uma empresa petroquímica onde trabalhava como celetista para aderir a esta cooperativa. Foi unânime o mal estar que tal decisão causou. Eu demorei anos para convencê-los que não era nenhuma insanidade ter autonomia.
O fato é que ser autônomo neste país parece uma anomalia. A falsa segurança que o emprego formal provoca na sociedade é algo tão forte que as escolas talham as pessoas para esta modalidade de trabalho. Conheço cidadãos de vida tão previsível e rotineira, mas que se sentem; ainda que profissionalmente infelizes; seguros por ser funcionários da empresa “X”. Foram talhados para ter um emprego e não para desenvolver trabalho. Muitos não exercitam a criatividade, não enfrentam desafios, nem sabem sequer o significado de empreender.
Certamente que não os culpo, nem os critico por isso, são oriundos de uma escola, enquanto instituição, cujo projeto pedagógico é no mínimo incoerente, pois não educa pessoas, forma verdadeiros autômatos. Não conduz o indivíduo para o prazer, o desenvolvimento de habilidades legítimas e valorização do trabalho enquanto caminho de realização com conseqüente reconhecimento e sustentabilidade. Antes, prepara para competição desenfreada, para ter um número de matrícula, uma carteira assinada e um salário muitas das vezes indigno.
Num momento em que a crise do emprego é uma realidade, principalmente para nossos jovens, onde a escassez de oportunidade fica cada dia maior, a sociedade organizada precisa descobrir que ser autônomo não só pode ser bom, mas, possivelmente, pode ser uma saída.
Cobrar da escola uma prática de ensino que leve o cidadão a pensar com autonomia, a ousar e saber reconhecer as oportunidades que surgem é o primeiro passo para quebrar este paradigma. Uma prática que leve as pessoas a pensarem, só ou coletivamente, em construir uma sociedade pautada em um novo conceito do que é trabalho.
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Um comentário:
Bonito,
Este texto é maravilhoso. Como trabalho com prestadores de serviço cooperados,no total de sete cooperativas, tenho contato diario e francamante estou satisfeita com os serviços prestados e com a forma de organização. Concordo com você que ser autônomo pode ser uma saída.
Você escreve com muita propriedade sobre o tema e acho que este texto deveria sair do blog e ganhar espaço em outras midias... manda o texto para um jornal ou revista especializada. Acredite! rsrs
Beijos
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