sexta-feira, 26 de junho de 2009

De PARACURU/CE a IRARÁ/BA (Lições de Civilidade e Cidadania)


Se eu tivesse escrito este texto alguns dias atrás, ele teria a mesma conotação, mas seria ilustrado por um único exemplo. É muito bom a gente se ver de fora do círculo.Vou dizer o porque. Tinha eu acabado de retornar a Salvador , vindo de Paracuru, Ceará, onde fui realizar um trabalho e passei dezoito longos dias. Digo longos, não por que fossem entediantes, mas simplesmente pelo fato de, ao me desconectar do ritmo frenético que levo aqui, comecei a me dar conta da sensação de que a vida pode ser tocada num ritmo mais lento. Em Paracuru, acordava cedo, tomava café cedo, ia trabalhar, cumpria uma jornada de oito horas, voltava a tempo de caminhar na praia, prosear com as pessoas do lugar, jantar, ir a uma lan house ler e-mails e ainda conseguia dormir cedo, por volta das 22 horas. Horário que só experimento, quando em “casa”, em caso de estar doente.
Paracuru é uma cidade linda. As pessoas detêm uma naturalidade singular. Desprovida desta malícia e falta de educação próprias de cidade grande. Só para ilustrar o que digo, cito o motorista do táxi que elegemos para nos conduzir. Ele, travava-nos por “minha joia”, sem nenhuma preocupação de ser mal interpretado, de ter sua sexualidade questionada ou discutida, muito pelo contrário, dando uma lição de consciência da importância que seu cliente tem. Ao tratar-nos assim, ele não só nos fidelizou. Mais que isso, demonstrou que nós que vivemos teorizando, treinando, fazendo workshop, na prática, não sabemos nada de qualidade e satisfação. Carregamos tantas máscara e papéis, que a gente incorpora na “civilidade”, que não nos permitimos viver o simples, o humano das relações. Quem por mais “brucutu” que seja, não quer ser tratado como uma joia ao requerer um serviço? Seja este qual for. Em Paracuru, as pessoas atendem bem por excelência, de muitos estabelecimentos que necessitei frequentar, apenas uma única vez não fui tratado com a devida deferência que merece o consumidor. Mas constatei, com o passar dos dias, que tratava-se de uma exceção.
Por falar em civilidade, Paracuru é uma cidade muito limpa. Não que o serviço de limpeza urbana seja algo de ponta. A consciência das pessoas é que é desenvolvida. Vi, lojistas varrendo a porta de sua loja, e o entorno dela, ao fim do dia, antes de fechar seu estabelecimento. As pessoas comuns varrem suas portas e recolhem o lixo, não deixando ir para a sarjeta entupir os bueiros...
Comecei o texto dizendo do quanto é bom a gente se ver de fora do círculo em que estamos inseridos. Vou tentar justificar. Há uns poucos anos adotei, como minha segunda cidade na Bahia, a cidade de Irará. Nunca achei motivos razoáveis para isso, mas me afeiçoei por esta cidade e como desenvolvi amizades , sempre que me dou conta já estou a caminho de lá.
O fato é que até conhecer Paracuru, nunca tinha me apercebido de como e por que Irará me cativou. Com exceção do mar lindo de Paracuru, Irará tem todas as qualidades desta primeira. Engraçado que eu precisei ir tão longe para me dar conta disso. A única coisa que divisa estas cidades é que a Geografia fez de uma litorânea e a outra não. Irará é uma cidade gentil com quem chega. É igualmente limpa. As pessoas são cidadãs. Como em Paracuru, nunca ouvi ninguém falando mal da sua cidade. Até a queixa que ouvi em uma é a mesma da outra: falta de emprego. Nos mais, não há queixas, se há, lavam a roupa suja dentro de casa.
Passei o São João em Irará e quando acordei no dia seguinte à festança, a cidade estava limpa a despeito de ter tido bloco na rua até próximo das 23 horas e de ter chovido muito no dia 24. Presenciei as pessoas juntando os resíduos de suas fogueiras e cuidando da parte que lhe cabia da via pública com o mesmo cuidado de quem cuida do seu quintal. As pessoas traziam um semblante leve de quem aproveitou a festa, mas a consciência de que a vida continua. Tudo tinha voltado ao normal. Os serviços, a gentileza, a simplicidade, o lugar.
Desejei que Irará, assim como Paracuru, permanecessem no atual estágio. Que não "involuíssem" querendo ser como as metrópoles. Pois estas estão humanamente falidas.


"Menina , amanhã de manhã
Quando a gente acordar quero te dizer
Que a felicidade vai desabar sobre os homens
Vai, desabar sobre os homens
Vai, desabar sobre os homens..."

(Tom Zé / Perna)

7 comentários:

Nara Santos disse...

Ah!! Meu bom amigo como eh bom poder compartilhar a vivência com você. Realmente seu texto é a comprovação que a nossa chamada urbanização, civilização funciona de forma contrária ou seja a necessidade de sobrevivência torna o homem gentil e o conforto nos torna agressivo.
Estive São joão em Irará tambem e pude comprovar o que você escreveu, mas com uma ressalva Irará já foi muito melhor.... com relação a receber as pessoas ..(muito saudosismo mesmo - neste momento até comemoro a péssima condição da estrada pois se estivesse boa a coisa seria bem pior).
Desta forma vou colocar Paracuru na minha lista de lugares que quero conhecer. Um grande abraço

Unknown disse...

Que texto lindo! Não me surpreendo porque sei que sempre me encanto quando leio o que vc escreve. Que experiência maravilhosa essa que vc teve. Que bom seria que tantas outras pessoas tivessem essa oportunidade de sentir o que vc sentiu. Que bom saber que nosso Nordeste tem gente consciente sim! Beijos e parabéns por mais este.

Unknown disse...

muito obrigado pelo texto,que Deus te abençoe e te dê saude.um grande abraço.

Arlete Aguiar disse...

Oi Hamilton!
Como é bom poder sair do círculo de vez em quando, né?
Li o texto e foi como se estivesse lá. Consegui visualizar a cidade através dos seus olhos.
Continue viajando e nos levando junto.
Te amo!
Beijos, Arlete.

Lucy Góes disse...

De Paracuru/CE a Irará/BA.

Este texto, mais do que uma impressão sobre um lugar, representa muito de nossa "modernidade", nosso mundo "globalizado". Penso, o que, nós seres humanos temos ganhado com esta tal de "modernidade" e "globalização"? Tudo ficou tão pasteurizado, ou você segue determinados padrões ou você é tratado(a) como o(a)desajustado(a). Tratar com delicadeza, ser solidário, respeitar os outros gostar de estar em lugares que podemos considerar "o lugar" é pieguices. E o que resta para nós que ainda preservamos determinados valores e nos identificamos com as pieguices de um mundo não tão globalizado ou não tão moderno?
Mas como nem tudo está perdido ainda temos "Paracurus", "Irarás" se contrapondo aos "não lugares". E também "marias", joanas, "josés", "hamiltons" que conseguem perceber o que está para além do que os nossos olhos viciados e modernos nos mostram.
É... parafraseanso o nosso saudoso Milton Santos: "será que não existe nada mais além desta globalização"? E eu digo: Existe sim, nós ainda existimos!!!!!!

Saudações,

Syl Vieira disse...

Só agora tive acesso. Seu texto está muito bom e trouxe lembranças. Como é bom sair da rotina dos grandes centros para encontrar a tranquilidade em um lugar encantador.
Posso dizer que não tenho inveja desta sua vivência. Recentemente tive o prazer de viver tudo isto e muito mais nos festejos juninos em Macaubas/BA. Fique encantada com a receptividade dos anfitriões. A cidade é limpa e arrumadinha. A energia, atenção e acolhimento das pessoas fazem pedir bis. Quero mais. Gente jovem, alegre e bonita.
As pessoas ainda tem o prazer de receber e fazer festa para os amigos. Pude caminhar pelas ruas estreitas com o trio de forrozeiros onde foi possivel cantar, dançar e visitar as casas comerciais e dos amigos... Que saudadeeeee!
Fui feliz na escolha e certamente retornarei. Recomendo.
Continue viajando e trazendo novidades para nos leitores
Beijos e se cuida

Unknown disse...

Muito lindo!!! É incrível como nos colocamos em seu lugar ao ler esse texto. Aliás, considero uma verdadeira mensagem de concientização.
Você fez com que eu voltasse ao passado e sentisse quão prezeiroso era viver de forma "interiorana" aqui nessa cidade. Recordo que no meu tempo de criança, as pessoas tinham o hábito de cuidar da rua em que moravam como tratavam o seu quintal. Tudo era limpinho e bem organizado. Nas festas juninas, as pessoas enfeitavam a rua, iam de casa em casa para cumprimentar os amigos ou mesmo desconhecidos, bebiam licor e dançavam livremente. Não havia medo, malícia, nem maldade. No dia seguinte todos limpavam as frentes de suas casas em mutirões e, em pouquissímas vezes, sozinhos. Ah, que saudade dos tempos em que as pessoas era mais humanas e cordiais. Obrigado amigo, por trazer-me de volta essa emoção já vivida. Sua constatação mostra que existe uma chance da humanidade voltar a ser "civilizada".ellych