terça-feira, 2 de outubro de 2012

DO VOTO NULO (OU NÃO VENDA A IMAGEM DO QUE NÃO ÉS)



Preso à minha classe e a algumas roupas,

vou de branco pela rua cinzenta.

Melancolias, mercadorias espreitam-me.

Devo seguir até o enjoo?

Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:

Não, o tempo não chegou de completa justiça.

O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.

O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse (…).
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE (A Flor e a Náusea)


Não com surpresa, mas meio observando com certo desconforto, por assim dizer, a postura das pessoas sempre que eu, ou qualquer outra pessoa, se manifesta a favor do voto nulo. É como se isso fosse uma heresia, daquelas combatidas bem aos moldes da igreja antiga, ou pelo patrulhamento ideológico em tempos de ditadura. Como pode alguém ser tradicionalmente de esquerda e votar nulo, quando a esquerda tem  candidato? Não importa se em campanha ele não apresentou uma proposta consistente, sequer um pífio projeto. Não importa quão qualificado, ou não, está para assumir a gestão. Se representa os anseios de uma cidade em total declínio. Nada importa. 

Em 1988, quando da reforma constituinte, lembro de muitos embates com relação à obrigatoriedade dos votos. Naquele tempo, boa parte da esquerda defendia o exercício de votar como direito, não um dever. Prevaleceu que a maioria conservadora, defensora dos seus interesses, sob alegação de que a democracia no país era um processo ainda por se consolidar, conseguiu ter seu intento preservado, mantendo uma tradição de exatos oitenta anos. Da última Assembléia Constituinte passaram-se quase vinte cinco anos e continuamos em vias de uma democracia plena de direitos e seguimos sob tutela do governo. Mudaram as forças políticas, surgiram novas legendas. Mudou, ao menos em tese, a direção do governo, mas continuamos, convenientemente, tratados como incapazes de exercitar nosso dever cívico, obrigados, enquanto cidadãos, ao exercício de cidadania por força de lei. Algo muito paradoxal visto que o nosso país tem por tradição achar que tudo que vem do mundo “civilizado”, entenda por isto Europa e América do Norte, é bom para nós. Não é assim? Já importamos de todo tipo de bens a modelos econômicos. Já servimos de laboratório de tantos experimentos sociais. Mas não. Importar esta tradição verdadeiramente democrática e deixar votar livremente este bando de incapazes que somos, não pode. Este povo não está preparado para decidir sobre o seu próprio destino e de sua coletividade.

Engana-se quem acha que o voto obrigatório não é danoso a sociedade. Engana-se quem acredita que este é o melhor caminho. Engana-se quem não se sente tolhido na sua liberdade de se expressar livre e democraticamente, escolhendo não por que tem que, mas pelo direito a. Engana-se quem não se sente tratado com eleitor inferior, sem competências para o discernimento. Não se conhece nenhum dos grandes paises verdadeiramente democráticos onde o voto é facultativo, livre, cujas instituições são frágeis por conta disso. O que enfraquece as instituições e a qualquer nação é a corrupção, a impunidade e favorecimento dos ricos, a falta de qualidade dos seus representantes. E este é,  de forma incontestável, o nosso  diagnóstico. Salva-se uma ação prática ali, um nome acolá, mas o cenário não vislumbra mudança.

Obrigar o cidadão a votar não vai fazê-lo aprender a votar, nem desenvolver seu nível intelectual. O que promove esta transformação é a educação (mas quem se importa com educação?). O voto obrigatório não promove a escolha do candidato moral e tecnicamente capacitado, senão jamais estaríamos passando as coisas que passamos há décadas e tanto refletem na nossa imagem. E no caso específico, comparecer, obrigatoriamente, e votar num candidato que não demonstra qualidades só pra preservar o status quo de um segmento partidário qualquer não melhora em nada a condição de uma cidade. Isto é fazer pensar que todos somos um bando de iguais e fazemos parte de uma massa ignara que se pode manobrar o tempo todo.
Eu aguardo por propostas consistentes, por bons candidatos que tenham a contribuir, por boas práticas e experiências administrativas, pelo fim das coligações espúrias, por boas ideias que nos ajude a restabelecer um pouco do muito que representa a cidade dentro do contexto histórico do país. E reforço que isso só vai acontecer quando eles sentirem necessidade de seduzir, no melhor dos sentidos, aos eleitores com propostas sérias e exequíveis. Isso não vai acontecer enquanto ao cidadão não for conferido o seu direito de decidir se quer votar ou não nas alternativas que lhe são oferecidas. Pelo contrário, isto é que sustenta o "voto de cabestro" e as "bocas de urna" que são ilegais mais muita gente boa, de todas ideologias, faz. Eu aguardo...

Até lá, compareço, obrigado que sou. Compareço para não sofrer sanções legais. Mas ninguém tem o direito de me censurar por votar NULO. Aliás, se se derem ao trabalho de pesquisar, verão que o número de abstenções e ausências nos pleitos há muito é representativo. Não que me interesse fazer parte das estatísticas ou qualquer outro pretexto. Sei, sobretudo, de todas as implicações que se tem em ser mal governado por quem não escolhi, muito embora, aquelas pessoas que elegem não estejam livres disso também. A beleza da democracia está em dar o poder a quem realmente deve detê-lo e de quem deve emanar. Porque votar é, muito mais que ato político-social, um livre exercício de consciência.       




domingo, 16 de setembro de 2012

LIVRES, É


"Palavras, palavras, palavras… Desde quando sorrir é ser feliz? (Gonzaguinha)"

Naquele tempo, houve um em que acreditei que amar alguém (objeto do meu desejo) estaria associado a ser feliz. Ou melhor, ser feliz seria estar apaixonado por esse alguém. Amei. Sorvi. Sofri. Quase morri. Não desisti. Apaixonei-me outras vezes. Amei. Sorvi. Sofri. Quase...
No fracasso de algumas empreitadas, busquei nos livros esta felicidade. As palavras me abraçaram, me beijaram, me levaram para passear e atenuariam as minhas dores. Por um tempo. Ficamos relativamente íntimos. Nós, várias vezes, num entrelace de pernas, fizemos  amor gostoso, em lençóis macios, cheio de gozos, onomatopeias, risos. Simulamos uma ou outra e própria felicidade. E era. Como se me fosse verdadeira. Eu, elas e as palavras nunca nos divorciamos. Fantasias. Dedos. Medos. Expiação. Ódio. Mas que merda de insatisfação era aquela? Que estado de vazio era aquele que, passada a euforia do orgasmo, me deixava aflito e sentindo-me só? O que é que as palavras que se dizem, minhas amantes, não diziam ou preenchiam? Por que, por vezes, me sentia aprisionado por elas? Por que me abandonavam em momentos cruciais?
Haveria de haver mais compreensão. Apreendia o silencio e seu ruído. Aprendia a dialogar com as paredes. Diálogo ressonante. Aprendia a fazer a pergunta boa. Como quem revolve escombros, em busca de cadáveres,  mas na esperança de que haja vida sobre eles. Divã, stool, raquetes, tolhas, olhares, espelho. ESPELHO.
Um dia, sem mais nem menos, me vi diante de mim e me apaixonei. Desde então, há tempos, quase todos os dias, somos felizes para sempre. Eu, elas, as palav
ras…



domingo, 29 de julho de 2012

TUDO QUE É BOM...

Estes tempos, tenho escrito pouco. Menos por falta de tempo que de inspiração. Mas não vou escrever ainda desta vez. Vou transcrever o texto de uma coluna que leio há tempos pela lucidez e objetividade com que a autora escreve. Já publiquei outros textos dela neste blog, mas hoje eu tenho uma motivação especial: a coluna vai deixar de ser publicada. Então, com certo sabor de desapontamento, segue:


TELEANÁLISE

MALU FONTES

BATMAN E O VIZINHO: HASTA LA VISTA, BABY  

Durante a semana, notícias tendo como elemento central a banalização da morte nortearam as principais manchetes dos telejornais internacionais, nacionais e locais. Sim, esses fenômenos são uma constante no jornalismo, mas aqui e acolá episódios nos quais essa banalidade se manifesta os hierarquizam de tal modo numa ordem de horror e non sense que ainda surpreendem. Partindo do global para o local, nos Estados Unidos, no estado do Colorado, na cidadezinha de Aurora, uma plateia de batmaníacos esfregava as mãos de ansiedade para uma sessão de estreia do filme à meia noite, quando, no escuro, irrompeu o imponderável. Uma saraivada de tiros. 12 mortos, 58 feridos e um país de novo boquiaberto.

MARKETING - Num país, os EUA, onde todas as naturezas de ações de marketing são possíveis, numa cultura local do culto às armas de fogo na qual qualquer moleque consegue comprar um arsenal de guerra sem qualquer dificuldade e numa sucessão de casos em que adolescentes ou adultos jovens perturbados já inscreveram uma longa história de violência, primeiro achou-se que os tiros não passavam uma ação de marketing associada à estreia. Depois, houve uma correria às lojas de armas da cidade para comprar mais e mais exemplares delas e, simultaneamente, a imprensa do mundo repetiu a pergunta que faz sempre e para a qual nunca se tem resposta objetiva e diante da qual todas as especulações malucas disputam um lugar entre as possibilidades de explicação: por que esse fenômeno se repete tanto nos Estados Unidos e como evitá-lo, já que a população não abre mão do seu culto quase passional às armas e à liberdade de comprá-las sem restrições?

RATO - No Brasil, a Polícia Militar de São Paulo chocou o país ao executar (pelo menos) dois inocentes: um publicitário que não parou o carro à noite quando ordenado a fazer isso e um jovem que fugiu com medo porque a carteira de habilitação estava vencida. Além disso, matadores que não se sabe quem vêm barbarizando na cidade nas últimas semanas, executando e chacinando sem que se saiba de quaisquer razões e desfechos para tais crimes. Num outro episódio noticiado na imprensa internacional, um jovem italiano que chegou à mesma São Paulo em um dia, para morar e trabalhar, foi assassinado no dia seguinte, numa tentativa de assalto frustrada no trânsito, em uma das avenidas mais movimentadas da cidade. Veio para o Brasil e morreu como um rato perseguido por exterminadores dispostos a explodir o primeiro cérebro que encontram pela frente troca de um relógio ou um celular.

FASCÍNIO - Sim, o mundo, Brasil incluído, choca-se com jovens como o estudante de medicina James Holmes, o autointitulado Coringa da sessão noturna de Aurora, mas pouco se esforça para lembrar que a natureza da banalização da violência pode até ser de ordem diferente, mas a nossa é tão banal e brutal quanto. Quando contados os cadáveres de um em um, aqui mata-se/morre-se muito mais que lá. A Polícia Militar de São Paulo, por exemplo, mata mais que toda a Polícia dos Estados Unidos (e nos Estados Unidos). Por que o espanto com a matança dos outros é maior do que com a nossa, a doméstica incluída? Por que a matança de lá é a de um homem só, que, em surto assassino, revolve interromper a vida de dezenas? Aqui, de um em um, os matadores matam muito mais, enquanto o brasileiro olha horrorizado para a violência americana coletiva desses episódios, talvez porque encontre neles um quê de fascínio hollywoodiano. Violência é violência, assassinato é assassinato e cada país tem a sua forma banal de matar seus cidadãos. O que faz de James Holmes um sujeito mais assustador que um assassino anônimo que explode a cabeça de um motorista numa rua de São Paulo, querendo apenas levar um objetinho para casa? Lá é loucura e aqui é pobreza e desigualdade? Esses fenômenos não justificam a banalização da morte do outro. Nem lá, nem aqui.

VIZINHO - No terreiro local, uma quadrilha inicialmente descrita como formada por quatro jovens de classe média e um deles considerado rico em qualquer sociedade, divertiam-se roubando mansões num condomínio de luxo nos arredores de Salvador, onde cada uma das cerca de 400 mansões custam entre um e 10 milhões. Entravam no espaço privilegiado e supostamente protegido por grades, câmeras e seguranças graças ao apoio logístico de um dos integrantes da quadrilha, morador do oásis desde criancinha. A razão dos assaltos, que incluíam sequestros relâmpagos e torturas psicológicas nas 10 famílias de moradores vitimadas desde 2011, era banal: gastar o dinheiro com noitadas. Segundo o delegado, os rapazes pagavam contas de até 15 mil numa única balada. Os rapazes negam os cálculos. Dizem que eram só cinco mil por noite, em média.

Lá e cá, portanto, o que há em comum na violência cometida é a gratuidade da ação, do comportamento de quem mata, tortura, violenta, persegue e achaca, Polícia Militar incluída. No caso dos condomínios horizontais de luxo, não deixa de ser curioso que 10 em cada 10 pesquisas feitas por pesquisadores do campo das ciências sociais apontam para um detalhe que deveria intrigar quem investe milhões nessas mansões em nome do sonho de viver feliz sob dois guarda-chuvas: a segurança e a liberdade. Um estudo recente feito por uma pesquisadora da Universidade de Brasília mostra por A mais B que praticamente a totalidade de atos delituosos, conflituosos e de insegurança registrados em condomínios tem como autoria os próprios moradores. A leitura dessas pesquisas deixaria boquiaberto quem sonha com os gramados, as crianças brincando com portas abertas e a confiança plena nos vizinhos nos condomínios de classe alta.

HASTA LA VISTA - A banalização do mal se concretiza quando se come uma pipoca no cinema e um sujeito arranca-lhe da poltrona para lhe matar; quando seu vizinho de porta do condomínio chama os amigos para lhe sequestrar apenas em nome do desejo de sair para entornar 10 mil em uísque, como repetiram os telejornais de Salvador durante a semana. É como se esses sujeitos vissem nisso tudo uma brincadeira, como se quase piscassem o olho após cruzar a fronteira do intolerável e dissessem às suas vítimas, como vingadores ocos de um futuro bestial: ‘hasta la vista, baby’. E a referência aqui não é o disco homônimo do U2, mas puro Schwarzenegger.

Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado originalmente em 29 de julho de 2012, no jornal A Tarde, Caderno 2, p. 05, Salvador/BA; maluzes@gmail.com



quarta-feira, 14 de março de 2012

DA AFLIÇÃO DOS JUSTOS

"Não é sinal de saúde estar bem adaptado a uma sociedade doente"
Krishnamurti

Na melhor  das hipóteses
Abstrair ao que ninguém leva a sério.
Não dá para pertencer a todas as tribos.
Não dá para seguir todas as tendências.
Não dá para opinar sobre todos os assuntos.
Nem decifrar todos os mistérios.
Cabe saber:
Dizer quando indignar.
Arder toda vez que inflamar
Gritar toda vez que doer
Comentar, curtir, dar ciência.
As vezes, fingir certa demência
Conscientemente, nunca mentir  
Deitar, foder, dormir...


quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

PARA QUE A GENTE NÃO SE ESQUEÇA

"Toda banda tem um tarol, quem sabe eu não toco. Todo samba tem um refrão pra levantar o bloco. Toda escolha é feita por quem acorda já deitado. Toda folha elege um alguém que mora logo ao lado E pinta o estandarte de azul E põe suas estrelas no azul Pra que mudar?"
(TODO CARNAVAL TEM SEU FIM, Marcelo Camelo)  




Dez dias de caça às bruxas em várias vertentes. Na mídia e nas redes sociais, discursos rasos, discursos intransigentes, vazios e interesseiros. Uma ascensão de um legião de críticos sociais cada um "puxando a brasa para sua sardinha", ânimos exaltados, a defender e/ou exaltar seus padrinhos, tentativas de ressuscitação.
Só gente pobre morrendo...
Em dez dias, a menos que haja um outro desdobramento qualquer, tudo estará no rol dos fatos esquecidos ou de pouca relevância.
O Estado nada faz. Mostrou-se desaparelhado. Não possui um projeto social palpável para redução das desigualdades nem a médio, nem a longo prazo. E a sociedade,  desagregada, cada indivíduo pensa por e em si, se quer estará mobilizada a cobrar, daqueles que são seus representantes, ações cabíveis.
Logo se volta à estaca zero.
Daqui a pouco temos eleições. Hoje nem se pode dizer que o baiano vota mal, o leque de opções na Bahia é algo tétrico. Com o agravante que boa parte desta sociedade termina por escolher representantes que lhes prometa vantagens pessoais ou para os seus. Ideologia do "farinha pouca, meu pirão primeiro".
Penso que Esta mesma sociedade precisa apropriar-se deste momento de sobressalto e começar a rever esta falta de responsabilidade, esta inércia que é coletiva.  O comodismo barato que permitiu por décadas e ainda hoje, por outras vias, permite o desmando no qual nos encontramos.
Aliás, não. Não pensem, não falem, não atuem. Agora tudo é carnaval...

Em tempo: As "nossas" estrelas, tão bons formadores de opinião para assuntos aleatórios e alienantes, pouco se manifestaram e quando o fizeram, foi fazendo pronunciamentos simplórios, dúbios para não "queimar o filme" e manter seu status quo. E  vamos caminhando…