Preso à minha classe
e a algumas roupas,
vou de branco pela
rua cinzenta.
Melancolias,
mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjoo?
Posso, sem armas,
revoltar-me?
Olhos sujos no
relógio da torre:
Não, o tempo não
chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de
fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o
poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse (…).
CARLOS DRUMMOND DE
ANDRADE (A Flor e a Náusea)
Não
com surpresa, mas meio observando com certo desconforto, por assim dizer, a
postura das pessoas sempre que eu, ou qualquer outra pessoa, se manifesta a
favor do voto nulo. É como se isso fosse uma heresia, daquelas combatidas bem
aos moldes da igreja antiga, ou pelo patrulhamento ideológico em tempos de
ditadura. Como pode alguém ser tradicionalmente de esquerda e votar nulo,
quando a esquerda tem candidato?
Não importa se em campanha ele não apresentou uma proposta consistente, sequer
um pífio projeto. Não importa quão qualificado, ou não, está para assumir a gestão. Se
representa os anseios de uma cidade em total declínio. Nada importa.
Em
1988, quando da reforma constituinte, lembro de muitos embates com relação à
obrigatoriedade dos votos. Naquele tempo, boa parte da esquerda defendia o exercício
de votar como direito, não um dever. Prevaleceu que a maioria conservadora, defensora
dos seus interesses, sob alegação de que a democracia no país era um processo
ainda por se consolidar, conseguiu ter seu intento preservado, mantendo uma
tradição de exatos oitenta anos. Da última Assembléia Constituinte passaram-se
quase vinte cinco anos e continuamos em vias de uma democracia plena de
direitos e seguimos sob tutela do governo. Mudaram as forças políticas, surgiram novas
legendas. Mudou, ao menos em tese, a direção do governo, mas continuamos, convenientemente,
tratados como incapazes de exercitar nosso dever cívico, obrigados, enquanto
cidadãos, ao exercício de cidadania por força de lei. Algo muito paradoxal
visto que o nosso país tem por tradição achar que tudo que vem do mundo
“civilizado”, entenda por isto Europa e América do Norte, é bom para nós. Não é
assim? Já importamos de todo tipo de bens a modelos econômicos. Já servimos de
laboratório de tantos experimentos sociais. Mas não. Importar esta tradição
verdadeiramente democrática e deixar votar livremente este bando de
incapazes que somos, não pode. Este povo não está preparado para decidir sobre o seu
próprio destino e de sua coletividade.
Engana-se
quem acha que o voto obrigatório não é danoso a sociedade. Engana-se quem
acredita que este é o melhor caminho. Engana-se quem não se sente tolhido na
sua liberdade de se expressar livre e democraticamente, escolhendo não por que
tem que, mas pelo direito a. Engana-se quem não se sente tratado com eleitor inferior,
sem competências para o discernimento. Não se conhece nenhum dos grandes paises
verdadeiramente democráticos onde o voto é facultativo, livre, cujas
instituições são frágeis por conta disso. O que enfraquece as instituições e a qualquer
nação é a corrupção, a impunidade e favorecimento dos ricos, a falta de qualidade dos seus
representantes. E este é, de forma incontestável, o nosso diagnóstico.
Salva-se uma ação prática ali, um nome acolá, mas o cenário não vislumbra
mudança.
Obrigar
o cidadão a votar não vai fazê-lo aprender a votar, nem desenvolver seu nível intelectual. O que promove esta transformação é a educação (mas quem se
importa com educação?). O voto obrigatório não promove a escolha do candidato moral
e tecnicamente capacitado, senão jamais estaríamos passando as coisas que
passamos há décadas e tanto refletem na nossa imagem. E no caso específico, comparecer,
obrigatoriamente, e votar num candidato que não demonstra qualidades só pra
preservar o status quo de um segmento
partidário qualquer não melhora em nada a condição de uma cidade. Isto é fazer
pensar que todos somos um bando de iguais e fazemos parte de uma massa ignara que se pode manobrar o tempo todo.
Eu
aguardo por propostas consistentes, por bons candidatos que tenham a contribuir,
por boas práticas e experiências administrativas, pelo fim das coligações
espúrias, por boas ideias que nos ajude a restabelecer um pouco do muito que
representa a cidade dentro do contexto histórico do país. E reforço que isso só
vai acontecer quando eles sentirem necessidade de seduzir, no melhor dos
sentidos, aos eleitores com propostas sérias e exequíveis. Isso não vai
acontecer enquanto ao cidadão não for conferido o seu direito de decidir se
quer votar ou não nas alternativas que lhe são oferecidas. Pelo contrário, isto é que sustenta o "voto de cabestro" e as "bocas de urna" que são ilegais mais muita gente boa, de todas ideologias, faz. Eu aguardo...
Até
lá, compareço, obrigado que sou. Compareço para não sofrer sanções legais. Mas ninguém
tem o direito de me censurar por votar NULO. Aliás, se se derem ao trabalho de
pesquisar, verão que o número de abstenções e ausências nos pleitos há muito é representativo. Não que me interesse fazer parte das estatísticas ou qualquer
outro pretexto. Sei, sobretudo, de todas as implicações que se tem em ser mal governado
por quem não escolhi, muito embora, aquelas pessoas que elegem não estejam
livres disso também. A beleza da democracia está em dar o poder a quem
realmente deve detê-lo e de quem deve emanar. Porque votar é, muito mais que ato
político-social, um livre exercício de consciência.
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