sábado, 16 de agosto de 2014

DA PATERNIDADE (Apenas uma reflexão)

Os meninos são todos sãos
Os pecados são todos meus
Deus sabe a minha confissão
(DRÃO - Gilberto Gil)
Hoje, eu quero pedir perdão aos meus filhos se os ofendi, se os magoei, se não atendi às suas expectativas. Eu quero pedir perdão por não ter a receita, a bula ou o manual da paternidade.
Quero pedir perdão também, se não consegui ser tão complacente ou tão generoso quanto os pais dos seus amigos. Desculpem este “sabe tudo” que, em algum momento, contestou seus comportamentos, causando dificuldades desnecessárias nas suas relações com o mundo exterior. Perdoem-me se meus bloqueios me impeliram ao exercício de autoridade de modo que vocês sentiram-se tolhidos na liberdade de fazer o que bem quisessem.
Perdoem-me por me induzirem a usar palavras fortes e desnecessárias, pois nunca tive o desejo de diminuí-los, humilhá-los, muito menos amedrontá-los.
Perdoem este ser ultrapassado cheio de quereres, de preocupações e que embora cheio de humanidades por alguma razão bancou, por vezes, se passar por super-herói e, pateticamente, falhou...
Peço perdão por não saber explicar este incompreensível medo que povoa o coração de nós homens quando pai nos tornamos, fazendo com que fiquemos reticentes quanto ao futuro, quanto às suas seguranças, quanto aos seus caráteres.
Talvez não tenha feito o melhor, mas era dever investir meu tempo, minha energia e esta forma meio “tosca” de dar amor na tentativa de torná-los pessoas do bem, dentro daquilo que imaginei ser “o bem”. Perdoem-me por não desistir...
Eu sei que errei muitas vezes. Fracassei outras tantas. E é por isso que preciso dos seus perdões. Preciso principalmente para que eu não precise sentir vergonha ou remorso das suas escolhas. Para que tenha efeito a missão que me foi confiada e que, “aos trancos e barrancos”,  me esforço por onde cumprir. Para que, uma vez adultos, senhores de suas vidas,  eu me reconheça em vocês e viva, o que ainda me cabe, em paz.  

FORTUNA



 
 
 
É aquele lapso onde o desenganado encontra o sopro de vida
Uma rua sem saída, florida com acesso local...
Aquela nesga de tempo onde se aguarda alguém tão esperado
Com coração desesperado e olhos felizes
Quando os mais desconfiados asseguram-se da veracidade do que dizes
E um filho enroscado no seu pescoço pede perdão.

É roupa básica, cara lavada, nenhum gesto estonteado de preservar apa
rências
Ritos honestos. Religião sem fausto... Corpos exaustos, ardentes de paixão
A Força contida na simplicidade, a Verdade proveniente da transparência
A música, com ou sem letra, que toca, convoca e cala fundo
A compreensão do “charme do mundo”, seus “in and outputs
E mesmo se encontrando puto, controlar a ira para que não se fira um irmão.

É correr atrás de bola, tomar banho de mar, ser amigo das palavras, ter sucesso, ou não...
Saber-se imerso em essencial transformação a todo momento
Onde tudo é célere, tênue, inverossímil, ambíguo
Mesmo cada um com seu umbigo e provido de livre-arbítrio
Todos submetidos a imprevisibilidade democrática do tempo...

sexta-feira, 21 de março de 2014

DOS APEGOS

 
O Outono vem ratificar a impermanência
E nos ensinar a ter paciência
Para esperar o tempo da repartição dos bens
Há de se ter sabedoria para compreender seu fluxo
E não maldizer a sucessão dos ciclos
As folhas caem, pois é feita a hora
Agora é tempo de viver do que se tem...

domingo, 16 de março de 2014

FURACÃO


 















Pode-se dizer que o furacão castigou. Chegou avassalador, destruindo alicerces e verdades há tempos estabelecidas. Pelo menos três morreram, a rigidez, a resistência e o medo da entrega. Não foi possível desviar. Ventos em alta velocidade o trouxeram e quando se viu, ele havia arrancado árvores não frutíferas e semeado novas sementes, esperança, desejo, liberdade.

O furacão destruiu sentimentos confinados em certeza e desalojou a luxuosa veracidade, deixando milhares de frases prontas e meias verdade confinadas sem ter do que se alimentar.

A faixa de terra onde os alicerces estavam fincados ficou totalmente coberta de água, sofrera enchentes até a altura dos joelhos, no sábado. Chuvas fortes continuaram a cair no domingo, inundando tudo de descoberta, graça e atração.

A tempestade quando perdeu um pouco de força, já começava a dar sinais de fertilidade. Em desastre completo, o medo retirou-se, e toda a cidade dita dura, estruturada em bocas de concreto, foi totalmente destruída, enquanto a natureza clamava por festa e voo.

Voaram os telhados de zinco, a musa girava impetuosamente nas ruas de mãos dadas com a alegria. Duas pessoas morreram de amor, na cidade portuária, quando um tanque de desejo inflamou-se e os consumiu em chama e ardência. O prefeito não soube disso. Desmoronamentos, causados pela explosão, duraram dez dias e estas pessoas se possuíram com a força dos tornados.

Poucos noticiaram, nenhum especialista foi capaz de diagnosticar sua intensidade, mas autoridades de outros planos do universo determinaram a saída dos turistas e consideram a retirada de toda interferência para que o fenômeno tomasse lugar e levasse consigo tudo que não mais servia...

Os dias de reconstrução ainda estão por começar...

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

UM ANO DO LANÇAMENTO DO CD ESSÊNCIA


Há duas semanas, eu estava em Salvador, por volta das sete horas da manhã, quando meu irmão me liga pra dizer que minha música estava tocando, naquele momento, na Rádio Educadora. Eu disse para ele que eu tinha ouvido e falei do mágico de acordar naquele instante e da emoção que eu estava sentindo. Tinha ido a Salvador desmontar o apartamento em que morava e uma incômoda melancolia me acometia por ter que me desfazer daquele que foi meu ninho por quinze anos e que me vinculava, ou permitia voltar, de forma recorrente, para a cidade que eu amo, e que tive de deixar por força do trabalho.

Ouvir “Gratidão” tocando na rádio, naquele instante, ressignificou tudo que eu estava sentindo. Era o universo de alguma forma me sinalizando que para além das relações de afeto cujos elos não irão se desfazer, agora eu tinha também me vinculado pela música.

Esta introdução é importante porque ela ilustra bem a importância que passou a representar ter produzido este que é o meu primeiro CD. Essência, este é o nome, completa uma ano de lançado me proporcionando até hoje surpresas, alegrias e reconhecimentos dos mais improváveis. Não que ele tenha caído nas graças de nenhum crítico de música famoso, nenhum produtor ou algo semelhante. Não fiz nenhum movimento pra isso, diga-se de passagem. Não tinha esta finalidade. Aliás, não tinha finalidade outra a não ser agradar a mim.

O fato é que de modo surpreendente, muito mais que isso, Essência me deu a oportunidade de conhecer valores que Salvador tem, que não deixam nada a dever pela competência, pela qualidade do trabalho, pela criatividade e pelo senso de coletividade a nenhum deste centros produtores de música. Graças a estas pessoas o resultado é um trabalho que tem agrado não só aos amigos, mas a gente que eu nunca vi, que nem sabia que eu compunha e gente que conhece e gosta de música, mas que nem imagina que na Bahia existe uma pluralidade maior do que mostra a mídia.

Essência tem sotaque baiano, tem cor local e tem a assinatura de gente boa, que se sabe boa, mas que ainda não tem a visibilidade proporcional a sua qualidade. A cada vez que apresento este trabalho fora do meus círculos naturais de conhecimento, nas plagas novas por onde tenho andado, os comentários são os melhores sobre arranjos, sobre execuções dos músicos, sobre o belo trabalho gráfico. E eu confesso que sinto um orgulho muito grande.

Pode Essência não ser um CD primoroso, pode não surpreender ao povo ávido pelo boom de novidades efêmeras, pode não ter a pujança das grandes produções, mas Essência é honesto, feito por gente honesta com sentimentos, vontade e trabalho para aqueles que ainda param para escutar. Não soa pretensioso, nem tão pouco de consumo fácil. Ninguém, entretanto, poderá dizê-lo previsível.

Fecho este texto, cujo fim é celebrar, agradecendo a todas as pessoas que de alguma forma contribuíram para que conseguíssemos parir este filho, que hoje completa um ano, do qual somos todos pais e responsáveis e que, de forma muito competente, fizeram com que meu samba vencesse a barreira do anonimato, tocando na rádio e contribuindo humildemente para ajudar na repaginação da música que ora se produz na Bahia.