terça-feira, 26 de maio de 2020

PELO QUE NÃO MORRE (Dezembros)

Canta a mim. Pode cantar baixinho, mas não canta para que eu possa ouvir. Canta a mim no corredor da lembrança e do olhar, sem o sorrir. Esmaga-me em sofrimento. Ressalta os maus momentos. Papos, colos, a embriaguez. Projetos de caminhadas, brigas, promessas, poemas, piadas, minha pressa e a ausência de lucidez...

Coração em festejo. Corpo em chamas. Cheiro de sexo. Calor de cama. Calma indelicada... Só não canta a aquela alegria. Que prevaleceu um dia e que valeu pelo que durou. Canta pelo que não pode ser, não pelo que suscitou. Canta a mim como quem anoitece, jamais como quem sente saudade. Canta como quem ignora que ainda não se desvencilhou.

Canta, canta o drama de recolher-se quando o natural seria vomitar o sentimento. Aquilo que foi dito em juramento, mas que nunca se cumpriu. Canta março, rascunhos de dezembros e aquele abril. Tudo que ficou parcialmente pendente, ou não rolou. O que disse e fiz diferente. As vezes que se me fiz ausente, onde a gente se demorou.

Canta minha falta de alicerces. A minha composição que te angustia. O ciúme da amiga que “não te desce”. Meus apegos e manias. Canta, revelando meus medos. Cálices quebrados. Boicote e agonia. Crise, cólicas, controle e colisão... Canta tudo que não faltou. Canta. Canta tua perfeição.





Santos, 15 de fevereiro de 2016.

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