A proclamada diversificação cultural do carnaval de Salvador faria sentido se tivesse sido dada a todas as vertentes da nossa música a mesma oportunidade de divulgação, o mesmo trato de respeito e investimento. O sabido descaso com que a atual administração tem tratado o Pelourinho (ironicamente elevado agora à condição de patrimônio imaterial...), estendeu-se de forma triste e trágica ao carnaval de rua que ali se vinha realizando com sucesso na última década... Era o Centro Histórico o refúgio de foliões dos anos 70, início dos 80, talvez, que, como eu, assistiram com tristeza a descaracterização de tudo que aprenderam a chamar de carnaval... Haviam deixado este consolo pra gente... ali era possível pular carnaval, ouvir carnaval sem o desconforto dos gritos proferidos pelos egos de cada dono de trio, numa manifestação inversamente contrária a tudo que me pareceu ter inspirado a criação de Dodô E Osmar. No Pelourinho, podíamos assistir sem camarotes, o desfile de carnavalescos de verdade, criativos nas suas fantasias, umas diferentes das outras, sem a monotonia visual dos abadás feitos em série e que apenas igualizam e/ou identificam gente de uma classe privilegiada que pode pagar pra ocupar o centro das ruas... No Pelourinho, o som nos acordava a alma carnavalesca que repousara à esta espera os outros 361 dias do ano... Som de carnaval legítimo e não estou saudosisticamente me referindo às marchinhas de outrora, mas, a toda “atualidade” do quanto Caetano e Morais construíram de belo para As nossas festas, para o “nosso” trio. A Praça Castro Alves já não era mais nossa, tínhamos, porém, as ruas do Pelô. E lá nos reencontrávamos, nos re-identificávamos, nos regozijávamos pelo que nos tinha restado de real, um oásis dentro do caos em que se transformara o carnaval da Bahia pros da minha geração de paladar musical mais apurado, ouvidos mais sensíveis, talvez, e menores ambições mercantilistas...
Reencontrei um Pelourinho destroçado, relegado ao abandono; um Pelourinho deserto dos foliões de outrora; raras bandinhas tristes na sua aparente decadência , desfilando pra meia dúzia de pessoas daquela área da cidade que talvez não pudessem ter saído dali... A internet não nos fornece a programação do Pelô com a clareza necessária. Fala-se da Praça Municipal, mas omite-se o que acontecerá nas praças internas, reais cenários dos grandes ou melhores shows. Pouca ou quase nenhuma divulgação... informações equívocas quanto à hora das apresentações... Lá dentro tudo muito descuidado, afinal ali voltou a ter tratamento de senzala, e a atual Casa Grande localiza-se no circuito Barra-Ondina... com direito a litros de água gastos para refrescar os foliões-vips e à visita diária da Limpurb. Muito triste, tudo isto. Pobres foliões do meu tempo, o que faremos agora? Sem nunca ter sido tão tradicionalista, louvo o feito do prefeito de Ouro Preto, impedindo que por lá chegassem os trios, bairrista que sempre fui, orgulhosa soteropolitana, envaideço-me mais do carnaval de Recife que honrou e preservou, deus sabe a que preço, as suas tradições carnavalescas... E pensando no pobre Pelourinho. Carlista que nunca fui, tenho saudade do Cabeça Branca...
Que deixem, pois de demagogia com esta de diversificação cultural no carnaval de Salvador... Acho, aliás, que num tempo em que tanto se troca o nome das coisas... e até já se pensou em transformar esta festa de 7dias em data fixa num calendário secular de respeito à quaresma (tudo em prol do mercenário espírito das elites carnavalescas) creio que devessem mesmo lhes trocar o nome... Isto já não é carnaval, mas um gigante festival de verão, com um pouco de tudo que se faz e se toca o ano todo e só um pouquinho de nada de realmente carnavalesco... No palco principal estarão sempre os mesmos... os que não tem concentração para ler, os que lhe manda beijar na boca, indiscriminadamente, numa campanha na contramão da outra da Secretaria de Saúde do Estado. No palco principal estarão só estes... e os palcos secundários desaparecerão aos poucos...como aconteceu com o Pelourinho d´agente...
Não se pode deixar de elogiar o bom trabalho de pesquisa da decoração de Euro Pires e sua equipe que contrastavam com todo o resto do tratamento dado ao local e chegavam a soar como desperdício de talento para tão pouco investimento de público. Vale também ressaltar a presença heróica de Waltinho Queiroz cantando num daqueles palcos; convém, com certeza, agradecer a beleza e a coragem do grupo “O POVO PEDIU” cantando lindamente pelos becos e em torno de uma praça do Terreiro de Jesus, onde as luzes foram apagadas antes de uma da manhã... quem sabe poupando energia para compensar o gasto do circuito dos camarotes de granfinos...
Há um tempo atrás, quando descobri todas as possibilidades que me oferecia o Centro Histórico em tempo de carnaval, amanheci com vontade de escrever uma crônica que se intitularia Obrigada, Pelourinho... e quase fiz planos de no ano seguinte me hospedar num hotel da área onde pudesse vivenciar aquele clima sob o reinado do MOMO... Volvidos 4 anos, recolho-me tristemente a condição dos sem-terra, sem-teto e sem chão no carnaval da Bahia... Mas sinto que ainda tenho tribo, que ainda tenho bloco... e graças a Um HÁBEAS COPOS... porque O POVO PEDIU, posso ainda voltar, CHEGANDO BONITO... porque PARAOANO, com certeza, SAI MILHÓ...
Texto: Ângela Chaves, bacharela em Direito (UFBA-73), professora de Inglês e compositora de MPB
Fotos: Vera Milliotti
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