domingo, 22 de fevereiro de 2009

Axé, Anos 80!

Recebi um convite da Fundação Cultural da Secretaria de Cultura para que fizesse a curadoria de um trio temático sobre os anos 80 do Axé. Declinei conscientemente, pois só um louco assumiria mais trabalho. Porém, o inconsciente trabalhava a seu favor e contra as minhas primeiras intenções.
Neste dia quase não dormi com as imagens, sons e sensações que me invadiram. Me vi, em plena folia, brincando só por brincar atrás do trio de Armandinho, adorando Moraes sendo o carnaval em cada esquina e defendendo da multidão que se aproximava, as meninas que estavam no banquinho que eu e meus amigos do Largo Dois de Julho colocávamos na Avenida Sete. Me vi também em pleno Farol da Barra, no projeto “O Sol se põe no Farol”, ouvindo “Magia” de Luis Caldas e beijando as primeiras bocas encantadas da minha terra.
Algo começava a acontecer musicalmente ao meu redor durante o ano e no Carnaval. Vi Ademar e a sua Banda Furta-Cor tocar valsa para acalmar os ânimos quando o “pau cantava” (costume da época) e o efeito era tão forte que até os ladrões se abraçavam na avenida. Vi uma transformação a caminho no Traz A Massa, com o trio transistorizado do Chiclete com Banana, vi eu e meu amor “da hora”, indo de mãos dadas para a Barra de quinta a sábado, “esperar trio” (assim se formou esse circuito e por isso se chama “alternativo”, pois o carnaval era basicamente de domingo a terça no Centro), vi e ouvi Sarajane gravar Brown (Vale), uma sonoridade já moderna, e ir parar no Chacrinha - abençoado seja para a música baiana dos anos 80.
No meio da década, ingressei no Rádio e vi que era uma ferramenta importante de toda a transformação que estava acontecendo. Conheci a WR (iniciais de Wesley Rangel), o forno de onde se produziam aquelas músicas na Rua Manoel Barreto, na Graça. Gravei meus primeiros comerciais e observava atento, nos corredores, uma tribo de compositores, cantores, impostores, amores, dores e sabores do ninho de onde “acordes verdes” iriam ecoar na avenida e na história da música baiana.
Axé era isso. Algo que se formava. Era Brown criando e procriando, Gerônimo com uma musicalidade sensacional e “Eu Sou Negão” já denunciando uma dificuldade de convivência entre a democracia dos espaços na rua. Compositores afros brotando, como Tonho Matéria, alguns de pura poesia (como ele próprio) e outros das páginas de livros de histórias do Egito, nos Festivais do Olodum, Ilê, Apaches, Badauê, Malê, Araketu, Muzenza e outros que não sobreviveram aos próprios anos 80. Márcia Short e a Banda Mel cantando no palco armado em São Raimundo, Crença e Fé (vou dar a volta no mundo, eu vou...) do então desconhecido Beto Jamaica, e a formação anterior com Book Johnny consagrou a gíria que até bem pouco era usada: “Já fui, Banda Mel”, por uma canção ao vivo que tocava na rádio. Essa massa de diversidade desfilava pelo Carnaval da Bahia e a gente via tudo, pela tv também. As transmissões eram embrionárias, mas já se preocupavam em mostrar essa “zorra toda”.
Tudo era muito romântico e as entidades dependiam quase que inteiramente do Estado para prover seus desfiles. Os artistas não moravam aqui, pois não tinham como sobreviver o resto do ano. O talento artístico, a intensa produção musical e a absorção e divulgação destes trabalhos pelo rádio baiano, que tinha suas programações repletas de música internacional , deflagrou o olhar sobre a regionalização da música. A partir daí, tudo o que aqui se fazia, tinha eco, reverberação junto ao público. Criava-se uma indústria musical com raízes intrincadas na festa de Momo.
Surgiram os primeiros blocos, a profissionalização, a independência econômica de alguns artistas que agora podiam sair sem depender de financiamento do Estado, a geração de emprego e renda, um avanço da cultura do modelo carnavalesco para todo o Brasil, carreiras respeitadas no Brasil e no mundo, enfim, surgiu o progresso e o desenvolvimento, que tem como princípio básico, na maioria das situações que conhecemos, destituir de poesia o nosso dia-a-dia.
Depois desta longa viagem em uma noite de uma vida, resolvi aceitar a curadoria deste trio. A primeira dificuldade é que sabia que o tempo era escasso e alguns já estavam ocupados. Liguei para Ademar e perguntei se topava remontar a Furta-Cor e dirigir musicalmente os trabalhos – adorou! Daí vieram Márcia Short, simbolizando as bandas, Sarajane, a geração e Tonho Matéria, os compositores e os afro. Criei o conceito de “Baianidade Psicodélica” para a estética do projeto e convidei a equipe. Pronto, o louco já estava mergulhado de corpo e alma no Trio Axé Anos 80. Faltava ainda o provocador que eu gostaria de ter no trio, desconstruindo o modelo do desfile e dando um certo tom de humor. Chacrinha ! Lembrei ! E agora ? Que ator poderia fazê-lo ? Apresento-lhes Renato Fechine, meu amigo e Chacrinha perfeito.
O time jamais estará completo, pois são muitos os artistas e contribuições que fizeram dos anos 80, o início de tudo, repleto de criatividade. Falta principal de Luis Caldas que não pode participar por estar lançando um novo projeto em sua carreira e que mostrará também no Carnaval. Mas me disse: - Déo (coisas de Luis...), eu não posso estar no projeto, mas é tão bom que vou fugir um dia para estar com vocês... Tomara que consiga !
Procuramos, todos nós, artisticamente construir um espetáculo que reverenciasse a vida de tantos que fizeram e curtiram o axé do axé, que ainda nem era axé. Em dois desfiles, domingo na Barra (22:30 h) e terça na Avenida (12 h) vamos reviver um repertório de sucessos que embalaram nossos pulos e beijos, o som das festas de largo, parar para tocar valsa se houver briga e fazer você botar seu bloco na rua, sem pecado e sem juízo.
Durante os ensaios, nossas reuniões e as conversas que tive com algumas pessoas sobre a força desse encontro, percebi que levaremos para as ruas mais do que nós mesmos. Levaremos além de história, a vida de milhares de pessoas que sorriem ou derramam uma lágrima só de lembrar de tudo o que vivemos. Gente com gente no coração.
Agora a nave mãe vai decolar.
Até a avenida, gente boa.

André Simões

Andrè Simões é comunicador, jornalista, radialista, terapeuta em formação e um cara amigo pra c...

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