Por Malu Fontes
O Fantástico de ontem (9) exibiu o quadro Liga das Mulheres, em que um grupo feminino dá uma da babá eletrônica Super Nunny ao ajudar mulheres adultas a resolver problemas. Pôde se ver o quanto há de idealização nessa lenga-lenga segundo a qual, hoje, as mulheres são livres e fazem o que lhes der na telha. Pudesse hoje voltar ao Brasil e ter a oportunidade de assistir Kátia, a moça paulistana protagonista do quadro do programa nesta semana, Simone de Beauvoir ficaria pasma com a deriva aonde foi dar o desejo das mulheres depois de tantas conquistas.
Kátia, a moça casadoira do fantástico, é um tipo comum, nem feia nem linda, de cultura mediana para baixo, economicamente pendendo para a classe média baixa, dessas que trabalham pesado de segunda a sexta, em um banco, em São Paulo. Tem jeito de quem tem uma vida com algum conforto, mas é do tipo que privilegia a aparência e despreza detalhes que costumam dizer muito sobre quem os cultiva. Sai no mínimo três vezes por semana para as baladas nada baratas da noite de Sampa, tem um carro novinho, vermelho reluzente, quem sabe pago em trocentas prestações, mas dorme numa caminha estreita e medonha, dessas tubulares, de ferro, cor de vinho, sobre a qual repousa um bicho de pelúcia xexelento, muito do vencido para quem já circula entre a terceira e a quarta década de vida.
JACOB DO BANDOLIM - Kátia tem um sonho mais velho do que o das mulheres do tempo em que os homens encheram o saco do nomadismo por perceberam que, se não mudassem o modus operandi de habitação, teriam que passar o resto da vida carregando com seus braços fortes os quilos e quilos extras de quinquilharias que toda mulher que se preza acumula ao longo da vida.. Kátia tem como objeto singular de vida encontrar um príncipe encantado que queira levá-la ao altar, sonho que, segundo ela, vai acalentar até os 40 anos. Ao dizer isso, deixa implícito que, se chegar aos 40 sem encontrá-lo, é fim de carreira. Ou fica com o primeiro sapo que achar, ou dará cabo da vida como mulher. Kátia não é apenas o paradoxo do que a mulher contemporânea adora relacionar ao seu perfil nesse início de século XXI, ou seja, é independente, prende e arrebenta, mas chora todos os fins de semana porque ainda não tem marido. É também um paradoxo em si mesma: quer um príncipe encantado, mas costuma procurá-lo nas noitadas madrugadeiras de São Paulo. Mais fácil que encontrá-lo nesse cenário é ouvir Jacob do Bandolim sintonizando emissoras FM de hardcore.
Como uma mulher urbana na faixa dos 30 anos pode sonhar com um homem que a leva a sério se às três horas da madrugada, conforme se deixou filmar pelo Fantástico, fica gritando no ouvido dos restos humanos masculinos que sobraram trôpegos nos bares frases do tipo ‘eu quero pegar você’, ‘você quer namorar comigo’? E como todas as mulheres chatas, vulgares, rasas, inadequadas ou com bafo de onça, quando deprime um fim de semana e outro também, por solidão, têm na ponta da língua o argumento mais clichê do tabuleiro feminista: ‘ah, os homens se assustam comigo, têm medo de mim, ficam intimidados’. O problema é que o susto masculino pode ser ambíguo, ambivalente e seria bom as mulheres levarem isso em conta. Há sustos e sustos, medos e medos, dependendo da categoria de poder que determinada mulher tenha. Há mulheres que assustam mesmo, pelo poder que têm, seja intelectual, de sedução ou financeiro. Mas o que há de moçoilas que assustam por sua inadequação, burrice e vulgaridade... Então, ficou combinado que mulheres que ficam sozinhas é porque são bacanas demais e por isso assustam. Ah, tá. Se pensar assim consola, melhor.
A primeira coisa que Kátia precisa evitar é falar errado. No primeiro dia de quadro soltou algumas pedradas intoleráveis para quem se candidata a um príncipe no horário nobre nacional. Também pudera. A moça tem em casa uma bancada de maquiagem suficiente para maquiar todo o elenco anual de uma companhia de teatro kabuki japonês, mas não se vê em nenhum cômodo ou nos móveis amarelo ovo envernizado nenhum objeto parecido com um livro. Tem um vocabulário primoroso. Diz que nos últimos casamentos que fez pegou todos os ‘buqueres’ (sim, referindo ao bouquet das noivas) e que não gosta de ficar com homens que querem ‘tchutchucar’ (sic). Sim, significa isso mesmo que o leitor imaginou.
NOTA À CAMA - Depois que as pessoas começam a apelar para que a TV lhe dê uma cama, no sentido de uma vida sexual em forma de namorado, parceiro ou príncipe, o fundo do poço é o limite. Bons tempos em que Sílvio Santos promovia encontros engraçadinhos kitsch com seu Namoro na TV. Agora, mulheres como Kátia, com cara de Bridget Jones da classe média baixa paulista, que se deixam filmar chorando abraçada a um bicho de pelúcia encardido, numa cama tubular vinho, deprimida nos fins de semana por ainda não terem encontrado um marido, são apenas o desfecho do domingo televisivo. Mais cedo, Faustão convoca maridos e mulheres a atribuírem, ao vivo na TV, notas ao desempenho sexual de seus parceiros na última relação sexual, agora apelidada singelamente de ‘rala e rola’. É essa a versão contemporânea da liberdade sexual: implorar afeto a bêbados em fim de noite sonhando com um casamento e atribuir notas numéricas, de zero a 100, à própria performance na cama em rede nacional.
Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA.
maluzes@gmail.com